Low: a brisa eletrônica de Brian Eno & David Bowie

Em time que está ganhando nós nunca devemos meter a mão, isso é claro se você souber o que está fazendo, caso esteja seguindo uma diretriz, algo que, na música, nem sempre acontece dessa maneira. Existem bandas que seguem uma cartilha, mas outras apenas experimentam a fruta da estação.

Característica que pode tirar sua mente da rota caso você não pratique uma ramificação específica da jam, por isso, é bem normal se perder em algum momento, mesmo que tudo esteja indo maravilhosamente bem com os resultados de seus discos e, caso o senhor não creia no que hablo, veja David Bowie, por exemplo.

David Bowie

Tudo começou em 1967, com seu debut. Desde então o britânico segue pulando de estilo em estilo com uma rara habilidade e qualidade, fazendo algo que é complicadíssimo, mas que se tratando de David Bowie sempre pareceu ser simples, quase mundano em alguns momentos.

O gênio caminhou pelo Folk (”Hunky Dory” – 1971), rivalizou no Glam com o T. Rex (”The Man Who Sold The World” – 1970), começou a criar mitoses de sua genialidade com o marco zero de seus psudônimos com ”The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars (1972), foi puramente Rocker (”Alladin Sane”), brincou de ser Prog (”Diamond Dogs”), misturou tudo (”Station To Station) e ainda temperou com LSD… Foi uma viagem pesadíssima, mas lembrem-se, Bowie fez tudo isso antes de atingir a marca dos 30 verões psicodélicos.

 David Bowie  by Michael Ochs Archives/Getty Images
Foto: Michael Ochs Archives/Getty Images

30 anos com corpinho de 77 e preparo físico de noventa e oito, e o motivo foi ele, sempre ele (quase sempre): as drogas.

Bowie gostava de aditivos, mas uma hora a casa cai e a dele caiu depois que o excelente ”Station To Station” viu a luz do dia. Mudanças eram necessárias, caso contrário seu destino se encaixaria perfeitamente aos padrões ”caixão e vela preta”, mas não, a Alemanha deu sinal verde para sua fuga criativa.

E um novo tempo teve início, minha fase preferida do músico, que fazendo valer seu Status de camaleão, foi pioneiro uma vez mais e veio com algo pra variar inédito para os cernes musicais da época, o eletro-Kraut-Prog-Bowie, falo sobre ”Low”, seu décimo primeiro registro em estúdio, lançado em 1977.

Um divisor de águas dentro da carreira do ”Thin White Duke”, um CD que vai além do ”simples fato” de romper barreiras com a música eletônica. Era um retrato completamente fiel e artístico do que Bowie era, um disco que mostrou para o mundo que ele podia ser tudou e nada ao mesmo tempo, mas que ELE sabia quem era e que agora tinha controle e ciência disso.

David Bowie

Nunca senti tanto sentimento em nada que o britânico produziu como sinto neste trabalho, aqui sim temos o Bowie humano, o complexo, transgressor, inventivo e andrógino.

Provando para os ditos entendedores que ninguém poderia prever seu próximo passo, afinal de contas, era ele quem controlava tudo aquilo, as drogas limitaram seus disfarces e ocultaram muito coisa, mas foi devidamente careta que o mestre fez seu disco mais chapado. Os temas instrumentais deste disco são belíssimos, tristes, melancólicos, mas absolutamente fantásticos.

Line Up:

Brian Eno (vocal/guitarra/sintetizadores/piano)
Mary Visconti (vocal)
David Bowie (vocal/guitarra/vibrafone/xilofone/saxofone/gaita/sintetizadores/percussão/teclado)
Carlos Alomar (guitarra)
Iggy Pop (vocal)
Dennis Davis (percussão)
George Murray (baixo)
Ricky Gardiner (guitarra)
Roy Young (piano/órgão)

David Bowie - Low

Track List:

”Speed Of Life”
”Breaking Glass”
”What In The World”
”Sound And Vision”
”Always Crashing In The Same Car”
”Be My Wife”
”A New Career In A New Town”
”Warszawa”
”Art Decade”
”Weeping Wall”
”Subterraneans”

É valido lembrar que toda a parte de recuperação e novo rumo artístico não veio desacompanhada, aliás, tudo isso partiu de outro grande nome da música, que em frangalhos, foi apadrinhado por Bowie para que este pudesse testar novas tendências, ajudar o amigo e ainda fazer o seu trabalho. Falo sobre Iggy Pop, que sem exagero algum, foi salvo por Bowie e levado para a Alemanha na famosa fase Berlim.

Iggy estava destruído e Bowie também, com uma ligeira diferença de que o segundo tinha dinheiro e credibiliidade, logo, quando Ziggy se ofereceu para produzir o pai do Punk, o selvagem vocalista aceitou os fatos e abraçou sua salvação. Inclusive, se hoje Iggy está vivo e bem de vida, muito se deve a este período, já que o maluco teve seus dois primeiros discos (”The Idiot” e ”Lust For Life”) produzidos e recheados por composições do padrinho David.

No final das contas tudo estava nos trinques para essas mudançase, até o background atrasado da Alemanha setentona facilitou as coisas, algo que fez bem para ambos, que depois de sóbrios (ou menos chapados), finalmente conseguiram focar suas energias no processo de gravação e aproveitar as drags alemãs.

David Bowie

O que acho sensacional neste disco é que o mesmo poderia ser mais ”digerível”, caso David tivesse intercalado os takes instrumentais com as musicas cantadas de forma mais consistente, mas como se já não fosse suficiente todo o aparato requisitado pela densa orquestração freak Zappa, um mar de sintetizadores, um sax meio King Crimson e muita percussão, o britânico ainda fez o lado ”A” com quase toda a poesia falada e fez o ouvinte ir para o espaço com toda a melancolia e ”silencio espacial” do lado ”B”.

Faça o teste, quando o lado ”A” acaba alguma coisa muda em você e isso é genial, se tivesse sido completamente alternado o efeito não seria assim, não seria ”Low” e, por favor, parem de idolatrar o Radiohead, o Thom Yorke deve ter escutado muito isso aqui. A gaita space de ”A New Career In A New Town” e o sax de ”Sound And Vision” são de revirar os olhos! Com apenas um disco o cara conseguiu aniquilar sua antiga imagem completamente.

Foi o disco definitivo, a abertura do mar vermelho para um novo início. O LP para de girar e o ouvinte fica em silêncio, é outro nível de viagem! Se eu fosse Bowie teria ido além e feito esse disco duplo. O primeiro (com vocais), seria o ”Low”, já a parte instrumental, o ”High”, que disco!