O potencial criativo da Marvel atingiu patamares bastante interessantes para a segunda temporada de Demolidor, na Netflix. A seriedade dos novos personagens e um clima ainda mais sombrio estava sendo aguardado, mas talvez nem mesmo os fãs e críticos pudessem imaginar episódios tão brutais e amedrontadores quanto os mostrados no novo ano da série.
De um salto na narrativa, bem diferente da obrigatoriedade de ser apresentado, como na primeira temporada, Matt Murdock, Karen Page e Foggy Nelson retornam muito mais maduros e exacerbados de uma carga dramática bastante palpável. E tudo isso ganhou ares ainda mais tensos com Frank Castle e Elektra Natchios.
Perspectivas novas foram apresentadas e não há como negar o crescimento qualitativo da série. Talvez num futuro próximo, o retorno de Jessica Jones possa ser beneficiado por isso, já que a sua estreia fora muito abaixo daquilo que poderia, mesmo reconhecendo a sua importância. Mas voltando ao herói mascarado, desde o primeiro até o décimo terceiro episódio, Demolidor é uma jornada intensa sobre moralidade e justiça.
A espinha dorsal da temporada é, sem dúvida, Frank Castle, vivido por Jon Bernthal, o Shane de The Walking Dead. Mas esqueça por um momento o seu personagem na série de zumbis. Bernthal teve participações bastante expressivas em alguns filmes e a sua caracterização de Punisher é essencialmente uma das coisas mais memoráveis já vistas para uma adaptação em quadrinhos, principalmente no que diz respeito ao universo da Casa das Ideias.
As perdas de Castle e o modus operandi de justiça com as próprias mãos são velhos conhecidos, mas como seus sentimentos, culpas e morais são debatidas ao longo da temporada, certamente levam os espectadores a uma reflexão urgente sobre se realmente é efetivo e certo fazer justiça acima da lei.
Dentro dessa mesma teia, o próprio Demônio de Hell´s Kitchen termina por se perguntar as mesmas coisas, e toda religiosidade de Murdock e sua crença no sistema judiciário sofrem duros golpes que corroboram os princípios de Castle, ainda que não nas mesmas proporções.
Por outro lado, Elektra (Elodie Yung) é a gota no oceano, onde dificilmente encaixa-se o argumento sobre os fins justificarem os meios. Ela é o caos e o equilíbrio na vida de Murdock. Junto do seu passado, revelações e construções muitíssimo bem trabalhadas pelos roteiristas da série.
E o sentimento remanescente entre os vigilantes de Nova York ressaltam, mais uma vez, o grande diferencial nas últimas produções da Marvel; o apelo à realidade. Quanto mais próximas da nossa realidade forem as situações, as escolhas e as consequências, mais será de interesse criativo dos envolvidos.
Porque a Casa das Ideias sempre fez questão de usar poderes e habilidades de heróis e vilões exclusivamente como adereços para chamariz, pois não somos tão distintos assim de personagens em quadrinhos.
No fim, sobram espaços para novos easter eggs e uma expansão ainda maior de outros personagens secundários, como retornos de velhos conhecidos. Mas o crucial no segundo ano da série, não é apenas criar novos laços e uma interdependência dos personagens que depois culmine na minissérie Os Defensores.
A proposta aqui, além do altíssimo nível criativo e técnico dos episódios, é, na verdade, fazer cada indivíduo ser transportado para uma realidade não muito distante daquela que convivemos diariamente, onde pessoas são acometidas pelas escolhas mais impossíveis e precisam, cada qual na sua própria maneira, lidar com a sutil diferença entre o certo e o errado.