A fotógrafa Leila Lisboa teve um raro privilégio há quatro décadas atrás. Não só conviveu com Os Mutantes como fotografou com frequência a era de ouro da banda, entre 1969 e 1974.
O resultado desses cliques se tornou o livro fotográfico ‘A Hora e a Vez’, um olhar bem intimista sobre a banda durante o período, como a imagem da capa dessa matéria, por exemplo, feita no lançamento do álbum Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets, no Parque Água Branca, em 8 de abril de 1972. Dia histórico.
Leila Lisboa foi namorada do baixista Liminha durante esse tempo. Acompanhou toda a efervescência criativa da banda da forma mais próxima possível. É, sem dúvida, uma das pessoas mais indicadas para contar como foi essa história e escolheu a fotografia como meio para isso.
O livro ‘A Hora e a Vez’ está sendo financiado via crowdfunding pela plataforma Kickante. São 130 fotografias selecionadas de Rita Lee, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Liminha e Dinho Leme. Ninguém mais.
Conversei com a Leila por e-mail e ela contou sobre o lançamento do livro, a convivência com a banda e outras coisas. Leia abaixo.
Onde estavam guardadas essas fotos? E por que não foram divulgadas antes? É um material incrível!
Essas fotos estavam guardadas comigo mesma, eu conservei os negativos por mais de 40 anos. Não foram divulgadas antes porque em primeiro lugar eu tive que largar a fotografia e trabalhar em outro ramo para poder cuidar melhor da minha filha e levar uma vida feliz. Fotos de rock aquela época não tinham valor nenhum e nunca, até hoje, ganhei dinheiro com elas, nem em capas de Lp’s, contra capas, nem emprestando para matérias em revistas, para livros, para documentários.
O que motivou você a tornar público esse material e lançar o livro via financiamento coletivo?
O que me motivou a lançar esse livro em financiamento coletivo foi a falta de recursos e de parcerias. Como já disse em outras ocasiões, tentei de tudo: leis de incentivo federais, estaduais, municipais, empresas que investem em cultura. Então, por intermédio de um amigo, o Cesar Prado, conheci a Kickante que estava entrando no mercado há um ano e meio atrás mais ou menos. Fui pesquisar sobre empresas de Crowdfunding (como são conhecidas no exterior) e vi que é uma prática muito usada e respeitada pelo mundo todo. Milhões e milhões de dólares são doados principalmente para a arte e projetos humanitários. O cinema independente é um grande usuário desse método de financiamento.
Voltei a entrar em contato há uns 3 meses atrás com eles e iniciamos a campanha muito otimistas, é claro.
Quem mais está apoiando você nesse lançamento?
Quem me apoia mesmo são meus parceiros, a Simoni Bampi (que cuida do marketing), o Dado Nunes (expert em Mutantes e que organizou todas as fotos do livro), o Arnaldo Baptista e a Lucinha estão sendo incansáveis me ajudando na divulgação, o Dinho, o Sergio também divulgam em suas páginas. Todos os Mutantes me deram o que é muito precioso, a autorização para uso da suas imagens no livro. Os fãs dos Mutantes vão se revezando, se empolgam, depois param, voltam…Tem alguns que são constantes como o Percy Weiss, a Rádio Brooklin que compartilham incessantemente nossas postagens e matérias e vários outros que não deixam de nos apoiar.
Como foi conviver com a maior banda brasileira de todos os tempos durante esse período? Sei que é uma pergunta um pouco genérica, mas tenho certeza de que muita gente gostaria de fazer o mesmo também, nem que fosse por alguns minutos.
Foi um privilégio para todos nós, inclusive para eles. Tivemos a sorte de viver momentos importantes da história que dificilmente voltarão…a inversão de valores, a revolução da paz. Tenho a nítida impressão que naquele pequeno período de tempo tudo que era pesado ficou leve.
O grupo era muito engraçado, muito alegre, cheio de energia, de cor. Todos eram felizes com o que tinham, extremamente inspirados e músicos de primeira qualidade. Só podia dar no que deu.
O livro faz um apanhado geral da época? Com fotos sobre gravações, ensaios, shows e o cotidiano da banda? Algum episódio marcante em especial, na sua opinião, que você tenha registrado?
Muita coisa que fiz ficou perdida nas gravadoras, nas editoras, nunca mais ninguém vai ver. Inclusive todas as fotos que fizemos para a capa do LÓKI ficaram na gravadora e jamais consegui de volta. Mesmo assim muita coisa ficou comigo, tenho shows em teatro e festivais, ensaios, passeios…umas 500 fotos. Acho que as pessoas vão se divertir bastante.
O que mais gostei de fotografar foi o festival de Cambé. Ao ar livre, no fim do mundo, só gente do bem. Um som como poucos com o Peninha Schmidt no comando debaixo de sol e chuva, no meio da lama em cima de um tablado improvisado.
Junto aos Mutantes quais outros artistas que foram documentados e estão no livro?
Nenhum, eu até tenho registros de outros artistas com eles em outras ocasiões, mas o livro é só mesmo com os 5 Mutantes originais entre 1969 e terminando com o Lóki em 75. Arnaldo, Sergio, Rita, Liminha e Dinho.
Você fotografou o Lóki?, do Arnaldo, e outros discos d’Os Mutantes. De certa forma, seu olhar ficou imortalizado na música brasileira. Você sempre sonhou em fazer isso?
Não, nunca pensei dessa forma. Para mim foi um dia bacana fotografando meu amigo para a capa do seu disco solo. Ele me fazia rir muito. As coisas eram mais simples e espontâneas.
Falando no Arnaldo, conversamos com ele no último Psicodália e percebemos que vocês ainda mantêm laços. Vi também que você fez umas fotos recentes do Sérgio. E com os outros Mutantes, ainda existe contato?
Sim , eu sempre mantive contato com eles. Meus amigos são quase todos daquela época ou de épocas anteriores. A Rita bem menos de uns anos para cá, antes nossos filhos eram amigos. Agora, coincidentemente, minha sobrinha (na verdade filha da minha prima irmã Cláudia Lisboa) Mel Lisboa encarna lindamente a Rita no teatro.
O Arnaldo e a Lucinha são muito especiais, de uma maneira muito particular eu fui me encantando pelos dois, que são um só.
O Dinho é com quem mais convivi durante todos esses anos, uma pessoa deliciosa, meu amigo amado e adorável, a família dele era minha família.
O Sérgio sempre foi muito doce comigo. Nos vemos pouco, mas nos comunicamos, ele mora nos Estados Unidos.
Sigo amiga do Liminha, que foi meu primeiro amor e o motivo da convivência com os Mutantes. Nos víamos mais antes, agora só nos falamos de vez em quando.