Nos cafezais, ao redor dos senhores, no fundo de um porão do navio negreiro… Você já viu obras de arte que dão protagonismos diferentes aos negros?
Pense em um artista plástico de qualquer tempo. Agora tente lembrar de uma obra dele que tenha um negro como personagem principal dessa pintura. Esse personagem foi sexualizado? Está servindo alguém branco? Se você conseguiu lembrar das representações de mulheres negras das pintoras Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, parabéns, mas precisamos concordar que esse não é um exercício fácil para todos.
É com a dificuldade de exercícios como esse que precisamos pensar o papel do negro na arte e em como ele é representado. Por isso proponho um novo desafio: imagine uma obra de arte famosa com um personagem negro, substitua o personagem por um negro carregado de sua cultura. Se você não conseguiu, não tem problema, a artista Harmonia Rosales já fez isso em suas pinturas e deixou o exercício mais forte, provando como representatividade importa.
Harmonia é uma pintora cubana que, atualmente, mora em Chicago, e usa a sua arte para levantar temas atuais, como a questão da cultura afro, o orgulho negro e a representatividade. Mais do que usar obras clássicas para reinterpretá-las, a pintora confere o protagonismo delas às mulheres negras. E se a estrutura dominante fosse feminina e negra?
Seria assim. O teto da Capela Sistina, desde 1511, tem a criação de Michelângelo “A Criação de Adão”, que é um afresco de 280x570cm. Não pense que a releitura de Rosales aponta algum traço racista de Michelângelo, leve em consideração o contexto e o período, mas reflita sobre essa inversão de papéis proposta.
O objetivo da artista é fazer com que jovens negras se sintam representadas por suas obras e, por isso, suas releituras viraram uma coleção batizada como “B.I.T.C.H”. Mas muito além de um xingamento em inglês, a ideia é um acrônimo de “Black Imaginary To Counter Hegemony”, que significa imaginário negro na luta contra a hegemonia, em tradução livre ao português.
Em entrevistas recentes, Rosales afirmou que “quis pegar uma pintura significativa, uma que fosse amplamente reconhecida e que subconscientemente ou conscientemente nos condicionasse a ver figuras masculinas brancas como poderosas e autoritárias. E eu quis inverter o roteiro, estabelecer uma contra-narrativa”.
Sabe o que existe em comum entre Harmonia Rosales e o caso brasileiro do Queer Museu? Os ataques sem capacidade de interpretação. A artista foi alvo de perseguições porque alguns pensaram que sua obra tratava de blasfêmia ao subverter o olhar e convergi-lo ao protagonismo feminino e negro.
Harmonia propôs neste trabalho que a imagem da mulher fosse desvinculada ao olhar do homem e a colocou em foco, corrigindo os anos de apagamento histórico e concedendo às mulheres negras o papel de líderes e gestoras da humanidade, o que rompe com o olhar restrito de muitos.
Mas não é esse o papel da arte?
Acompanhe o trabalho da artista pelo instagram.com/honeiee.