Foto: Gui Benck

Centenas de pessoas acordaram mais tarde na penúltima sexta-feira de março em Passo Fundo – muitas delas de ressaca. Isso porque na noite anterior Marcelo Gross, guitarrista da Cachorro Grande, esteve apresentando o seu trabalho solo, o classudíssimo ‘Use o Assento para Flutuar’.

Não começou cedo, mas definitivamente isso não impediu que o Siri Cascudo ficasse lotado. Nem isso, nem a chuva, que não era pouca. O álbum, que está pronto para ser considerado como um dos melhores do rock nacional da década , no mínimo, foi tocado na íntegra. Em pouco mais de uma hora no palco, as músicas foram apresentadas de forma mais simples do que as gravações de estúdio. Com um power trio clássico, Gross mostrou que tem as bases com a guitarra e é por isso que estava chovendo.

Gross e o público estavam bem à vontade. Foi um baita show. Quando chegou ao final o público queria mais som, mesmo sabendo que o álbum já tinha acabado. Então a banda voltou e deu de presente para o pessoal Back in the U.S.S.R. e Dear Prudence. E se os Beatles apareceram no fim do show, quem estava curtindo também a apresentação eram os Rolling Stones. O Mick Jagger chegou para mim e falou que era fã desse novo álbum do Gross. Concordei com o argentino.

Porém, a melhor parte para mim, foi poder conversar com o Gross antes do show e fazer essa entrevista para o La Parola. Acho melhor começar a transcrever toda a gravação. Ele falou do álbum, de guitarras, da Cachorro Grande, de Passo Fundo e outras coisas. Mas, antes, a trilha sonora recomendada:

As músicas (de Use o Assento para Flutuar) foram feitas para a Cachorro ou para o álbum mesmo?

Cara, eu componho bastante, tenho um gravador em casa sempre ligado, tô sempre fazendo as demos. Essa costuma ser a minha prática de música em casa. Então as músicas estavam lá, saca? E aí eu tive a ideia de fazer alguma coisa com elas. Eu acabei formando um trio em São Paulo, que gravou o disco comigo, que é com o Clayton e com o Fernando Papassoni, e eu acabei fazendo mais umas músicas na hora que a gente começou a tocar junto também. Então não são todas as músicas que estavam guardadas, acabei fazendo outras depois.

Foi formado o trio só pra gravação?

Foi com a ideia pra fazer meu disco solo mesmo. E também fazia muito tempo que eu queria tocar com o Clayton. Tem fogo aí?

Tem um aqui. Tu já conhecia eles?

O Clayton eu conheço há muito tempo, cara. A primeira vez que eu fui pra São Paulo, na época que eu tocava com o Júpiter Maçã, eu fiquei na casa do Clayton e desde então a gente é muito amigo e fazia muito tempo que eu queria tocar com ele. E aí ele tem um estúdio em casa e a gente acabou gravando na casa dele e ele assinou a produção do disco comigo. Então foi meio a fome com a vontade de comer, eu já tinha vontade de tocar com o Clayton, eu já tinha vontade de botar essas músicas pra fora. E foi aí que rolou a ideia de fazer o disco.

Tu tá curtindo cantar um show inteiro?

Tô curtindo, cara. Porque as demos que eu faço casa eu sempre canto e nos shows da banda também, na Cachorro eu canto umas duas ou uma por show. Então, eu tô curtindo, velho. Sabe, no começo foi meio difícil, assim, afinar e ficar com o vocal em cima ali, mas depois isso acabou rolando.

Eu li que a gravação foi feito ao vivo. Eu queria que tu falasse qual é a tua visão sobre gravar ao vivo e gravar separadamente?

Cada caso é um caso, né, velho. Acho que pra certas coisas é legal gravar ao vivo e pra certas coisas é legal gravar separado. Que nem agora, a gente gravou um disco com a Cachorro Grande na Costa do Marfim e é totalmente eletrônico, uma coisa doida, que é muito melhor gravar separado. Acabei fazendo uma coisa meio meticulosa de usar uma guitarra e um amplificador pra cada parte da música pra diferenciar bastante. Mas, no caso do meu disco solo, já que a Cachorro Grande tá explorando esse lado mais moderno, de fazer uma coisa eletrônica e doida, eu pude me concentrar em fazer minhas raízes do rock’n’roll e do blues, que tem a ver com esse tipo de gravação, com todo mundo tocando ao vivo na mesma sala, escolher o melhor take e tudo valeu, os microfones de um instrumento vazando nos microfones do outro.

E voltar pra Passo Fundo tocar sem a Cachorro? Muita diferença?

Não, tranquilo, eu faço esse show há um ano antes de lançar o disco, já toco direto. Mas legal aí velho, voltar pra Passo Fundo, eu que morei aqui um tempo, puxei uma etapa. Conheço todas as delegacias, já frequentei todas elas. Tenho uns amigos da antiga, a Velha Guarda da Portela Passo-Fundense de 1991, o Bicudo, Capinxo, Edson, Dudu e é mais um motivo pra reunir a velha gangue. Quando eu morava aqui eu não conhecia o Beto, eu só conheci o Beto quando fui pra Porto Alegre.

Tinha uma cena (de rock) boa quanto tu morava aqui?

Não, mas a gente fazia ter.Tinha uma galera do rock, a Patrulha Ativa, tinha uma galera que fazia uma movimentação no rock. E a gente fez também, eu fiz uma banda, formei o Mausoléu com a galera, mas é que meu lance não era o metal, o lance deles era fazer um som mais pesado e eu queria fazer um rock’n’roll das antigas. Mas eu tenho uma história muito legal com Passo Fundo, meu pai e meu irmão moram aqui, é sempre legal vir aqui.

Sobre as guitas: Já te vi com um monte. Tem uma preferida?

Ah, tenho, claro. As minhas duas Gibson, cara. Principalmente a ES-335, a vermelha, do Alvin Lee, do Chuck Berry. E a Les Paul, do Jimmy Page, Eric Clapton, Jeff Beck.

Usou as duas para gravar?

Usei mais, usei a Fender Jaguar também.

No que tu se inspirou para fazer álbum, além dos Stones?

Cara, minhas influências de sempre. Tem influência do Arnaldo Baptista, na época dos Mutantes e do Lóki também. Tem a influência bastante do John Lennon. Paul sempre é uma influência também. Paul Weller, do The Jam, também é uma influência grande que eu tenho. E a baladinha ‘Eu aqui e você nem aí’ eu me inspirei bastante em Smokey Robinson and The Miracles, aquela coisa da Motown dos anos 60. Tem uma que é ‘Nessa Trip’ que é um clima mais Jimi Hendrix. Tem uma que é de violão, que é ‘Algo Real’, que é um clima mais Álbum Branco. E tem uma que é ‘Movimento Contínuo’, que a inspiração é Mutantes e Beach Boys. Tem uma que é ‘A Hora de Rolar’ que tem a influência dos Beatles na fase meia-meia, do Revolver e do Rubber Soul.

O que tu pretende fazer daqui pra frente?

Cara, acabei de terminar o clipe de uma música que se chama ‘A Hora de Levantar’. O clipe tá pronto, vai sair e eu pretendo gravar o clipe da balada também, a ‘Eu aqui e você nem aí’. E é isso, a Cachorro Grande acabou de gravar o disco novo Costa do Marfim, que depois da Copa tá aí, gravamos na África. E daqui a pouco tô gravando outro disco aí, música é que não falta.

Como foi o contato com o Selo 180?

O Selo 180 com o Garras. Já foi lançado o Baixa Augusta, que é o disco anterior da Cachorro Grande. Pô, sou amigo do Garras desde a época que morei aqui. O Garras é o maior, meu ídolo, velho. Faz vários agitos culturais, tá sempre preocupado com o lance de ter uma cena de rock e que a galera curta. Então, aí já pintou a ideia de fazer meu disco em vinil. E foi feito muito no capricho, de excelentíssima qualidade, duplo, 45 rotações, fabricado na República Checa. Então é um sonho se realizando, velho.

Tu curte vinil, coleciona?

Coleciono pra caramba, desde criança. Tenho uma coleção enorme. Tenho, sei lá, uns dois mil. Não é muito, mas tão lá os bichinhos. É demais, quem gosta de música mesmo prefere ouvir em vinil. Rock’n’roll é legal ouvir em vinil.