Segundo domingo de agosto
Hoje deveria ser um dia feliz. Segundo domingo de agosto, os shoppings lotados, restaurantes sem reservas, casa cheia. Sorrisos estampados nos rostos das crianças, cartões feitos nas escolas sendo entregues aos pais e um café da manhã diferente. A família reunida em volta da mesa, um abraço logo cedo e um beijo na testa em agradecimento. As praias estão belíssimas. O retrato familiar parece se fazer presente. É dia dos pais. Todos estão contentes.
Ou pelo menos, deveria ser assim.
Quase metade da população brasileira são filhos de pais separados. E não, algumas dessas pessoas não estão tão contentes. Hoje não houve ligação para elas. O SMS não foi respondido. O whatsapp visualizado e ignorado. O almoço foi feito com a mãe e os irmãos. Dia dos pais e é a sua mãe que recebe os agradecimentos por ser dupla, quando só precisava ser uma. É dia de homenagear os pais, mas e quando eles não se designam assim, como fazer?
Ainda me pauto na máxima de que família é aquela que escolhemos ter. Começo a acreditar que com pai pode ser a mesma coisa. O sangue que pulsa em nossas veias é o mesmo. Possuímos um laço fraternal que ninguém poderá destruir. Nem nós mesmos. Somos obrigados a caminhar com essa percepção obsoleta de “é sangue do meu sangue”. Não! Não quer dizer nada. O sangue não é o amor que não nos foi dado. O sangue não é o Natal sem uma ligação. O sangue não são as faltas nas festinhas da escola. O sangue não justifica a ausência. O sangue não é o dia dos pais sem o pai. O sangue só me mantém viva e lúcida para compreender que amor não tem nada a ver com sangue ou família. Família é que tem a ver com amor.
É dez de agosto, mas estamos em casa lotando nossos corações de mágoa. É dia de ligar para o tio, para o padrinho, visitar o avô e parabenizar a mãe pelo bom trabalho que tem feito, por tanto amor que tem dado. Dia dos pais virou simbologia. Onde eles estão? Em qualquer lugar que a sua presença talvez não seja tão importante. Estão comemorando, até, mas sem a tua companhia.
Não sou eu que confirmo esta tese. Nas minhas redes sociais, até o momento, a cada sete fotos parabenizando os pais, cinco são dos filhos com as mães. A maioria demonstra muito amor e carinho. Escondem por trás daqueles filtros a pontinha de tristeza que nos provoca um domingo comemorativo como esse. Mas apenas um resquício. A cada novo agosto, a pontinha vai desaparecendo. A gente se acostuma com o habitual. E não é tão difícil, só que as vezes martela um pouco.
Próximo ano, mais pessoas trocarão o parabéns ao pai, pelo parabéns à mãe. Aos poucos, este dia será tão falido quanto a instituição familiar e milenar que foi criada. Hoje li uma coluna do Agnaldo Almeida, onde tinha divinamente bem escrito o seguinte: “O pai, outrora todo poderoso na constituição de um lar, já não é a figura obrigatória nesse tipo de sociedade. Não é exagero dizer que, quanto mais passa o tempo, mais ele está desaparecendo das casas”.
Aos poucos eles vão se tornando obsoletos, por culpa de si mesmos, pela ausência que eles provocaram, pela distância que eles construíram. Os pais vão deixando os seus filhos a mercê do amor de outras pessoas. Vão desaprendendo a cuidar depois de crescidos. Vão esquecendo que as casas estão separadas, mas ainda não estão inacessíveis. Desaprendem, depois dos 16/18 anos do filho, a dar um amor que na infância até que foi compartilhado, mas que agora parece não fazer mais sentido. Eles vão esquecendo que amor não tem idade, que abraços não precisam de datas comemorativas, que companheirismo não é só os amigos que nos dão e que confiança a gente planta desde que nasce e depois aprende a cultivá-la. Eles esqueceram, inevitavelmente, que não dá pra substituir um filho, muito menos um pai. Mas dá pra esquecê-los, embora não sem dor.