“Não Estou Lá” é passado, presente e futuro. O espólio insurgente de Dylan. Nas suas personificações, atribuições e pensamentos emblemáticos, capitaneados por um coração selvagem. Aqui, atores como Christian Bale, Heth Ledger, Richard Gere, Cate Blanchett, Ben Wishaw e Marcus Carl Franklin, incorporam o mito do homem incomum. O poeta que detestava o rótulo, mas que através dos tempos, destila poesia como quem pratica pequenos prazeres diários. Bob Dylan, cantor de folk, ídolo do rock, implacável nos sons, na voz rasgante, nas letras surrealistas.

Claramente, “Não Estou Lá” bebeu de inúmeras passagens referidas na biografia oficial de Dylan, No Direction Home, escrita por Robert Shelton. Além do livro, o filme de mesmo nome, dirigido pelo intangível Martin Scorsese, também acaba sendo reverenciado nesta produção, mesmo na troca evidente de nomes e visuais. Uma liberdade artística permissível, lúdica.

I'm not there - Não estou lá - Bob Dylan (2)

Durante os 135 minutos de duração, Haynes despretensiosamente, não ousa desvendar os mistérios acerca do homem conhecido como Bob Dylan, pelo contrário, percorrer pelo caminho prepotente da resposta seria um suicídio poético. Dylan não pode ser desvendado ou compreendido. Ele é o que é. Ele foi. Ele será. Haynes prefere desabrochar e pincelar a poética urgente, os pensamentos densos e os trejeitos ambíguos de alguém representável, mas mutável a todo momento.

Na forma de quadros artísticos romanceados pelas inúmeras passagens históricas da arte contemporânea e medieval, os planos e fios narrativos do diretor querem viajar. Sem rumo. O ponto de partida é a canção e a linha de chegada e a constante variação da mesma canção. Na verdade, tudo é uma questão de interpretação, de permitir-se adentrar no universo nada condescendente e onírico das facetas do trovador.

I'm not there - Não estou lá - Bob Dylan (4)

Cada ator, enquanto subliminhado pela sombra de Dylan, age por delinear o sentimento, a dúvida e a contradição da genialidade de Dylan. Subitamente, o espectador encontra-se imerso nas vivências, entorpecido pela viagem sinestésica da corrente dylanesca. O canto urge através das melodias. O pulsar das composições avança pelos poros sem pedir licença.

“Não Estou Lá” é a catarse cinematográfica mais genuína que se pode encontrar sobre Bob Dylan. Aquele que para muitos, um dia se prostituiu ao mundo da música, rompeu barreiras invisíveis para a grande massa. Sacudiu o mundo pela sua sagacidade e ingenuidade de querer ser reconhecido como gente de si, e Haynes, apreciou isso. Mesmo ter conhecido o trapezista musical, o diretor soube elevar o patamar em condições impressionantes e inesquecíveis com aquilo que aprendera.

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