Narcos: ideia x execução

Bom e mau são conceitos relativos.

narcos - netflix

José Padilha afirmou em algumas entrevistas que havia se inspirado em Os Bons Companheiros (1990) na hora de compor a atmosfera de Narcos, a nova série original do Netflix. Na série, estrelada por Wagner Moura, também é nítida a grande semelhança com a definição de narrativas tão conhecidas em Tropa de Elite, dirigido por Padilha. Ainda assim, o calcanhar de aquiles da série criada para o mercado latino-americano é preocupar-se demais com espelhos a serem tomados como molde, além da relutância em confiar no seu público para compreender uma trama complexa.

Grande parte do sucesso da empresa on demand é justamente propiciar aos envolvidos uma maior liberdade criativa e, com isso, transformar produtos em larga escala (as séries são divulgadas na íntegra), trazendo qualidade e entretenimento. Um esforço raro nos dias de hoje. Mas a série criada pelo trio Chris Brancato, Carlo Bernard e Doug Miro, mesmo tendo a presença de ótimos diretores, como Padilha e alguns outros nomes promissores do mercado cinematográfico de língua hispânica, emperra no fator mais importante da indústria; ter uma boa história.

Pablo Escobar é, sem dúvida, um dos nomes mais controversos e polêmicos da história da Colômbia. Diversas produções foram feitas a partir das marcas deixadas pelo narcotraficante, e ter um programa dedicado para contar a sua trajetória de ascensão e queda, mostrando os limites e problemas enfretados por um homem que abusava do poder e transgredia valores como quem troca de roupa, parecia ser a oportunidade ideal para os envolvidos. Não foi.

Narcos mesmo querendo não ser, é um ato falho pós-Tropa de Elite. Desde o seu início, a narração em off do agente da DEA Steve Murphy (Boyd Holbrook) é um tiro no pé. Querendo emular o grande sucesso das confidências do Capitão Nascimento de outrora e da sagacidade estabelecida por Henry Hill (Ray Liotta) em Os Bons Companheiros, Murphy não passa apenas de um tagarela. O personagem dedura ao espectador todos os acontecimentos. Sem pestanejar. Episódio por episódio.

O fato da série transcorrer em torno do seu ponto de vista, não justifica o fraco argumento dos roteiristas em deixar, claro como a luz do luar, o desfecho de diversas situações previamente apresentadas. Quando algumas cenas tiveram chances de serem desenvolvidas, Murphy dava o ar da graça para explicar tudo. Em ritmo acelerado nos primeiros episódios, o fio condutor da narrativa logo torna-se cansativo. Do outro lado, o grande nome da série, o tal de Pablo Escobar vivido por uma monstro chamado Wagner Moura, muito fazia e pouco crescia. Escobar ascende como um cometa no início, deixando personagens e subtramas demais em tela, para depois, simplesmente dar  um finito nelas e seguir adiante. Mais um problema identificável na sala dos roteiristas.

Somente após sete, dos dez episódios que marcam a estreia de Narcos é, que de fato, podemos enxergar pontos consideráveis de melhora. Aparando arestas, o seriado encerra o seu debut de forma digna, mas muito abaixo daquilo que poderia e deveria demonstrar. Mesmo com  um elenco soberbo de excelentes atores e um profissionalismo acima da média nos aspectos técnicos – até drones foram usados durante as filmagens, que por sinal, produziram ótimas cenas; Narcos deixa uma ponta de frustração. Mas é como Murphy bem proferiu em dados momentos: “Na Colômbia, bom e mau são conceitos relativos”. Pena que na Netflix, ao que parece, a coisa também funciona da mesma forma.