O “Voguing” está de volta – o que você precisa saber sobre ele

Para quem não conhece, trata-se de uma dança criada no Harlem de Nova Iorque na década de 1980. Ela ganhou notoriedade e valorização ao ser retratada no icônico documentário “Paris is Burning”, que coletou depoimentos e buscou mostrar a realidade da Cultura dos Bailes da noite da Big Apple. Hoje, ela retorna ao foco por meio de influências que transbordam na moda, na música e, principalmente, na expressão pessoal através da dança.

Era o final dos anos 80 e toda a lendária e icônica moda do período estava borbulhando nas noites de Nova Iorque. As festas eram realizadas em grandes bailes, que reuniam um pouco do submundo da cidade em competições que premiavam a melhor coreografia, melhor figurino, melhores desfiles e poses das performances realizadas. Essas competições viraram verdadeiras “batalhas”, como ficaram conhecidas, com duelos de movimentos, torcidas e disputas.

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A inspiração veio justamente da revista de moda que leva o mesmo nome. As danças geralmente envolvem movimentos rápidos e floreados com as mãos, giros e poses que imitam as modelos em editoriais e passarelas. Mais do que os simples passos de dança, eles representam o espírito de um tempo e suas aspirações em relação a moda, luxo e ascensão econômica e social de seus participantes.

Mais do que apenas simples festas, elas são o retrato histórico de um período de transformações, seja pela marginalização social, racial e econômica das pessoas que ali se reuniam, ou pela riqueza e pluralidade criativa presentes nos salões. O interesse por esse determinado período é reavivado por diversos artistas que mergulham nele para pescar inspirações e referências do passado.

É o caso de FKA Twigs, a cantora britânica que tem conquistado a Europa justamente por suas características exóticas. Tahliah Debrett Barnett tem 26 anos, uma idade já avançada para estrear no mundo pop, mas que lhe garantiu uma maturidade estética e clareza das tendências que é raramente vista em outras artistas recentes. Com pai de origem jamaicana e mãe dançarina de raízes inglesas e espanholas, Tahliah herdou também um rosto que impacta somente por sua natureza oriunda da mistura. Seu álbum de estreia, o LP1, já rendeu indicações ao Mercury Prize e foi incluído nos melhores discos do ano por diversas publicações especializadas.

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Originalmente bailarina, FKA explora a expressividade de seu corpo em sintonia com suas músicas, tendo o Vogue como uma base de inspiração. Ela tem sido treinada por uma lenda do Vogue, Jamel Prodigy, e apresenta um pouco da dança em suas performances ao vivo e em seus clipes, aumentando ainda mais a fama desse estilo nos últimos tempos. Sua própria musicalidade se aproxima muito das batidas de house usadas no Voguing, tendo incorporado também elementos futuristas do experimental e do eletrônico.

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Juntam-se a ela Shayne Oliver, o designer por trás da marca Hood By Air, aclamada pela crítica de moda. Ele era dançarino de Vogue e foi o responsável por incorporar nas passarelas alguns elementos dessa tendência. As referências são inúmeras e sua influência tem chegado a grandes nomes como Riccardo Tisci, da Givenchy, e Alexander Wang, da Balenciaga. Além disso, a tendência se estende ainda por rappers como Mykki Blanco e Le1f, que exploram uma estética fluida de gênero e conquistam um público cada vez mais amplo.

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Diferentemente da apropriação feita por Madonna nos anos 90, o Vogue ressurge agora com a profundidade de seus primeiros dias, voltando-se para as reflexões propostas durante os antigos bailes e que permanecem ainda abertas. Não somente os passos ditados e coreografados, velhos conhecidos do pop, mas uma capacidade expressiva e com conteúdo que fala por si só. Depois do hit da cantora, o gênero acabou por cair em um grande declínio e reduzido à referência de um videoclipe que não transmitia toda a realidade dos eventos que reuniam dança, música e as batalhas. Até achar, recentemente, esse link entre a cultura fashion, a arte e a produção musical.

Vinte e cinco anos após o documentário “Paris is Burning”, as novas roupagens chegam aliadas também ao Heath Goth e o Sportswear, que ditam o mundo da moda atualmente. Nos elementos visuais há um teor fashion aliado ao conforto, trazendo itens que fornecem a liberdade ao movimento, como os tênis nike e as roupas esportivas, facilitando a dança e a realização dos famosos “death drops”.

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O ressurgimento dessa dança das minorias americanas representa também uma certa educação sobre cultura e história da cultura de massa recente. Seja por mostrar a riqueza e pluralidade de gêneros e estilos que já estiveram presentes quanto por evidenciar as modificações sofridas pelo consumo e produção industrial da música e da cultura. Ela se confronta também com a rigidez estética presente nesse ramo específico da indústria fonográfica, que exige das estrelas a excelência visual no campo da moda e na forma física das cantoras.

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Organizados nos anos 1980 nas chamadas “Houses”, os grupos de Voguing tinham também uma relação de cumplicidade e auxílio entre os participantes, considerados irmãos de uma mesma família. Eram geralmente mantidos por uma matriarca, a “Mother”, que ajudava quem estava começando e estabelecia também um ambiente de busca por identidade e aceitação.

Dela surgiram lendários grupos de dança como a House of Ninja, a House of Xtravaganza ou a House of LaBeija, entre tantos que se profissionalizaram.

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As diferenças também se apresentam em uma rapidez e multiplicidade ainda maior. Se naquela época essa já era uma característica desse movimento, hoje ela é ainda mais latente. Na era da internet, Voguing tem se tornado completamente mundial, com grupos, coreografias e artistas nos mais diversos cantos do globo. Saindo das tradicionais batalhas de Nova Iorque, as disputas movimentam atualmente as noites de Paris, com campeãs como Lasseindra, e até mesmo no Japão, cada uma com inovações e estilos diferentes.