Vida Lóki & Próspera: Uma noite e uma conversa com um afável Arnaldo Baptista

A música nos brinda com momentos inexplicáveis. Noites amenas, dias quentes ou tardes frias que por mais que sejam esquecidas por nosso cérebro, sempre nos brindarão com a lembrança de uma trilha sonora desses momentos. É bem louco saber que você não vai se lembrar do natal de 2004 nos mínimos detalhes, porém é grandioso relembrar que a trilha veio do West, Bruce & Laing.

Confesso que o resenhista que vos escreve demorou para compreender esse curioso fato, mas que hoje consegue administrar essa ideia de forma bastante concreta e por que não dizer, gloriosa. E o fato se deve aos shows que já presenciei, momentos que sei que não me lembrarei com perfeição para sempre, mas que um LP sempre me brindará com um chá de memória de algo que foi lindo, tal qual a abertura da exposição do Arnaldo Baptista no Epicentro Cultural

Dia 10/04/2015, uma noite que agora ainda me retorna de maneira perfeita mentalmente, mas que daqui uns anos já vai perder a riqueza de detalhes, só que a trilha sonora estará sempre comigo, Arnaldo no piano fazendo medley de “Lóki” com “Não Estou Nem Aí” e “Balada do Louco”, seguido por Juliano Gauche a sua poesia de raro talento.

Essa exposição surge para provar que as faces multitarefas do mestre são indivisíveis, é como ele profetiza na faixa na faixa título de seu trabalho mais famoso:

“Ficamos até mesmo todos juntos reunidos dentro de uma pessoa só”

 

O Arnaldo “músico” toca o que você só imaginava em sonho, já o Baptista “artísta plástico” molda o sonho que foi visualizado anteriormente em poesia musicada. Seria ele o mutante dos extremos? Ser Lóki ou não ser, eis aqui nenhuma questão, apenas uma afirmação: arte em constante processo de expansão.

Foi uma honra ter feito parte dessa noite em todos os aspectos, porém o mais especial foi ter a chance de ver o mundo com a mesma percepção e ganhar, mesmo que por poucas horas, a mesma visão de mundo de um dos músicos mais brilhantes da história de nossa música.

Todos os presentes puderam obter a sinestesia completa, ver, ouvir e sentir a viagem que há mais de 40 anos segue incandescente na vitrola-satélite de um dos mais emblemáticos e singulares músicos brasileiros, desde a parte técnica, passando pelo processo criativo e pela percepção geral do processo com a concepção sonora, algo que nesta noite em especial deu atenção para sua versão em tela.

Se a noite fosse apenas para a apreciação de seus desenhos e retratos tal fato já poderia ser absolutamente elogiado, mas não, a organização do Epicentro Cultural ainda preparou um show que lotou as dependências da casa e que além de nos brindar com a oportunidade de uma vida quando notamos a presença de um certo Baptista nos teclados do estúdio de vidro, também elevou a platéia com a lírica do afinadíssimo Juliano Gauche, que tocando temas de seu primeiro disco e fazendo covers do mestre Arnaldo, tratou de sair ovacionado, assim como o homenageado, finalizando uma noite desconcertante.

Com energia cintilante, sinuosa e libertadora, unindo diferentes gerações, todas com um mesmo ideial: chegar mais perto de um mito, ouvir a poesia de um ícone e admirar os passos e a clara felicidade que Arnaldo, assim como todos que habitavam o evento, emanavam de seus corpos… Características que para quem conhece a obra do mestre são preceitos básicos para entender todo o contexto de sua vida: ele vive exatamente para nos proporcionar momentos como esse.

O Arnaldo não tem medo de ser quem ele é, nunca temeu o fato de ser autêntico e jamais ligou para rótulos, suas regras sempre ficaram evidenciadas em suas letras e quem não conhecia os mandamentos pode ser apresentado graças ao grande show que o Juliano – junto a João Leão (teclados) Daniel Lima (baixo) Kaneo Ramos (guitarra) e Thiago Nistal (bateria) – matou no peito com uma tranquilidade assustadora.

Que sentimento, que afinação, que banda! Foi uma noite linda e em diversos momentos foi inexplicável ver a alegria estampada no rosto das pessoas. São sentimentos como esse que motivam a criação da arte, aquela fagulha que você não sabe o que significa, mas que não tem medo de assumir e que no final das contas busca apenas um céu estrelado para servir de plano de fundo enquanto seus olhos fechados apenas absorvem as notas.

E se ser louco é ser feliz creio que o nosso herói seja completamente maluco, mas fiquem tranquilos, ele está beleza! Segue vivendo sua arte e espalhando essa felicidade que para alguns é sinônimo de loucura, afinal de contas ser normal não está com nada, bicho! E para encerrar gostaria de fechar esse relato com uma frase do Juliano Gauche: “Arnaldo, eu te amo!”

Humildade é pouco para esse ser de luz própria, Vida Lóki & Psicodélica, santa criatividade Rafael Denardi!

Arnaldo Baptista - Vida Lóki e próspera

E essa foi a conversa com o Arnaldo, na íntegra:

A percepção de uma música é mais palpável na hora da criação ou você consegue mensurar as ideias de uma forma mais concreta quando vai pra tela?

Na hora da criação. Na hora da criação você sente mais o que ela contém e assim pode ver até que ponto ela pode chegar.

Hoje você dedica mais tempo a música aos desenhos ou equilibra os dois?

Ótima pergunta, porque às vezes eu penso de manhã: vou pintar um quadro ou vou tocar? Eu não sei qual lado eu pego em primeiro lugar, fico sem saber direito e é uma coisa que vai fluindo, às vezes eu pinto mais, às vezes eu gravo mais, depende das minhas ideias.

O seu repertório sonoro ajuda na hora de elaborar um desenho? É possível trabalhar de uma forma complementar com os dois conceitos?

Ajuda bastante, embora a música seja bem mais recente, desde a época de Bach, o período pré-clássico e a arte plástica vem desde a época da caverna com mãos e animais pré-históricos, acaba sendo um contraste, vai fluindo e eu tento completar um com o outro.

Qualquer demonstração de arte nos revela um pouco mais do próprio criador desse universo particular, é como se fosse um processo de autodescobrimento, logo, cada criação é uma tentativa de encontrar novos caminhos e eu queria saber o quanto essa nova etapa lhe ajudou a se aprofundar nesse processo.

Certo. Isso é uma coisa que expande bastante o quanto eu vou alcançar em função do quanto é comum a mim, a pessoa que está interpretando a minha obra e quando é pessoal só. Totalmente então nesse sentido eu vou estabelecendo uma média entre o meu interesse e o interesse do outro no sentido onde a gente tenta compartilhar ou compartrilhar, encontrando um ponto em comum.

Na outra entrevista ao La Parola você falou que seu guitarrista preferido era Jimmy Page, o que você acha que o Jimmy Page tem que os outros não têm?

Ótima pergunta. Eu fui agora em São Paulo num show que tinha o Robert Plant e tava sem o Jimmy Page, e foi um lado bonito, pois ele completava a sua parte mesmo sem o Jimmy Page, porque ele tem uma voz totalmente importante, mas era uma coisa que levava adiante memórias e coisas que é tido hoje em dia que o pessoal sempre comenta como o melhor show de Rock que existe, e o Jimmy Page improvisa bastante, é muito bom, e uma das coisas boas dele é que ele usa instrumentos de marca Gibson, que é muito importante.

O conceito de Exorealismo que você emprega no seu trabalho é uma forma de expansão da percepção de arte, mas em que sentido especificamente?

No sentido de motivação. “Exo” tem relação com êxodo, tudo que vem de fora, e talvez esoterismo, que a gente adora quem está la em cima, então ele é exótico e a gente faz uma coisa que abrange o total do universo, não só no Brasil, não só na Terra, é exorbitante, vai além.

Sempre acompanho seu Facebook e percebo que grande parte dos sons que você posta são dos anos 70 (como o West Bruce & Laing que você tanto aprecia), porém percebo que mesmo possuindo um lado mais purista, suas ideias não são tão extremas como vemos por aí. Até que ponto você acha saudável esse fanatismo por gravações analógicas e ideias que vão contra o dito “clássico”?

Entendi. Isso é uma coisa em função de sentir-se completo, um exemplo: esses pilotos de fórmula e que usam carros elétricos precisam trocar de carro porque acaba a bateria, mas pra ele se sentir completo ele teria que usar a fotovoltaica, tipo pegar a eletricidade solar que é grátis e deixar o carro direto na potência total, é questão de se sentir completo e fazer o que se gosta.

Qual foi seu primeiro contato com as artes visuais e quando você viu que também poderia pintar?

Ah interessante. Isso é muito antigo na minha vida porque desde a escola eu pintava o caderno com lápis, criando flores, ficava fazendo coisas que não tinham nada de relacionado com a escola, mas me levava adiante e entretinha, então quando eu tava em recuperação do coma no hospital, ela (Lucinha) me trouxe um papel e um lápis e então eu comecei a estudar o desenho, as formas, o cubismo, realismo, impressionismo e todas essas coisas. Eu me coloquei nas artes plásticas graças a ela.