À luz de uma década pesteada pela ascensão do Geek, os meios de produção, reprodução e representação culturais (aqui, entendidos por empreendimentos visuais, para não ficar demasiadamente vago) foram preenchidos pelos superpoderes e estórias sensacionais, muito benquistas pelo ideário popular; vivemos, pois, o auge dos super-heróis nas telas mundiais.
A eclosão de plataformas live-stream – e o relativo fácil acesso às novidades fílmicas – ajudou a espalhar esse universo geek/nerd; cada vez mais, filmes e séries são lançados com personagens de HQ’s, e o estigma de que quadrinhos é “coisa do passado” vai ficando, cada vez mais, obsoleto no discurso atual.
Dentre a explosão de vários filmes e séries, um dos maiores sucessos de 2015 é o Demolidor, ou Daredevil. A série – de produção da Netflix, mas de domínio da Marvel – conta a história de Matt Murdock (representado por Charlie Cox), o nova-iorquino de dupla ocupação: advogado e herói (um justiceiro em ambos os sentidos, por assim dizer). O personagem, não bastasse combater o crime, é, ainda, deficiente visual; o senso de heroísmo cresce ao percebermos, em sua deficiência, sua maior eficiência (ou seus “poderes”): exímia habilidade em lutas e controle sobrehumano dos sentidos. A recepção do público foi tão positiva que a série – de uma temporada, até então (2015) – já foi renovada.
A série Daredevil superou facilmente o filme homônimo, de 2003, estrelado por Ben Affleck. Sem sombra dúvidas, é um dos maiores sucessos entre as webséries mundiais.
Há uma lista de super-heróis/vilões com algum tipo de deficiência visual, além do Demolidor: temos o Exterminador (DC Comics), Doutor e Doutora Meia-Noite (DC Comics), Nick Fury (Marvel), Stick (Marvel), entre vários outros.
Deixando o Ocidente de lado, trabalharemos com um personagem antipodal que muito me interessa: Zatoichi
Zatoichi é da terra do Sol Nascente. O personagem é cômico e sisudo, ao mesmo tempo, bem como têm dois “ofícios”, como o Demolidor: é um massagista – viciado em apostas e fã de álcool – e espadachim; em todas as ocasiões, entretanto, ele é cego.
Partilha de boa parte dos atributos do nova-iorquino (bem como dos outros heróis cegos), e desde 1962 é retratado nas telas japonesas; mais de cem vezes, entre filmes e séries. O feito é louvável, ainda mais se considerarmos que Netflix não era nem um embrião do imaginário tecnológico.
Zatoichi: Os Vários Enredos Básicos
À lume do período Tokugawa, o Japão foi marcado por uma sociedade pré-imperial conflituosa, com episódios de corrupção, prostituição, violência e conflitos civis e a insurgência da Yakuza. Neste quadro, o humilde massagista, que não transparecia suas habilidades de luta (de fato, nem parecia que andava armado. No caso, sua bengala era uma katana disfarçada, não tendo o tsuba), estava sempre próximo dos problemas. Diante de determinada situação conflituosa, como sequestro de moças para prostituição ou chacinas entre grupos, lá estava o justiceiro, pronto para enfrentar uma dúzia (ou mais!) de meliantes.
Zatoichi – ou Ichi-San, como é carinhosamente chamado pelas personagens secundárias –, diferente do Demolidor, é só um andarilho, de meia-idade, que carrega uma tranquilidade digna da orientalidade que caracteriza a história; um mix de monge tibetano com um ronin renegado. Seu prêmio era, sobretudo, a justiça; se possível, um trago num sake e uma farta refeição composta por gohan.
Embora nunca tivesse sido rabiscado pela Marvel ou pelas grandes empresas dos quadrinhos mundiais, o brasileiro Minami Keizi o representou num livreto chamado Lendas de Zatoichi: O Espadachim Cego. Muito bom, por sinal, tendo uma leitura tranquila e desenhos despojados bem característicos.
O YouTube ajuda: é possível encontrar os primeiros filmes, estrelados por Shintaro Katsu, legendados em inglês.
1. The Tale Of Zatoichi
https://youtu.be/3e4cFpjoLfg
2. The Tale Of Zatoichi Continues
https://youtu.be/RMPQOLLjvFA
3. New Tale Of Zatoichi
https://youtu.be/brW2AN3kG-8
4. Zatoichi The Fugitive
https://youtu.be/3G7Q4MDOJrw
5. Zatoichi On The Road
https://youtu.be/m5q8ebhD3XY