A voz do milênio eleita pela BBC de Londres é brasileira e vai cantar até o fim do mundo. É isso que Elza Soares, carioca do Brasil (afinal, dizer que ela é brasileira do Rio seria muito limitador), canta em seu mais recente álbum de estúdio, o primeiro apenas com canções inéditas em mais de seis décadas de carreira.
O disco começa da maneira perfeita: apenas sua voz cantando sobre o seu coração, o coração de cada mulher, de cada brasileiro. Misturando samba e rock, Elza pede licença ao Rio de Janeiro para trabalhar em um álbum com um jeito todo paulistano. Afinal, todos os compositores e músicos com quem a diva mais popular desenvolveu essa nova obra são de São Paulo.
“A mulher do fim do mundo”, nome do novo disco, era aguardado com ansiedade pelo público e pela crítica, não apenas brasileira, mas também mundial. O álbum recebeu boas análises em diversos sites e revistas pela Europa, local por onde Elza já está acostumada a passar, seja para fazer sua turnê, seja para morar – a diva se estabeleceu na Itália ao lado de Garrincha, sendo recebida por Chico Buarque e Marieta Severo na época da ditadura.
Renascimento
Pode-se dizer que a cantora teve uma trajetória muito similar a dos discos de vinil. Tendo seu auge no passado, eles passaram um tempo longe das vitrines, mas hoje assumem sua supremacia com presença nas lojas e com a fabricação de novos toca-discos, graças à sua qualidade – que ninguém abre mão quando o assunto é música.
A história de Elza Soares tem diversas passagens tristes. Viúva aos 18 anos de idade, ela perdeu três filhos – o mais recente foi há apenas alguns meses – conheceu a fome e o sucesso, depois viveu um período obscuro em sua carreira, mas voltou com tudo com a ajuda de artistas que sempre a admiraram, como Caetano Veloso. “Dura na queda”, faixa composta por Chico Buarque e gravada por Elza para o disco “Do cóccix até o pescoço”, é uma boa síntese de sua vida. Até o momento são mais de 30 álbuns lançados, alguns dos quais ela diz jamais ter recebido nenhum dinheiro com a venda.
Mas é em seu mais recente álbum que ela expõe sua história e assume seu lema. Sua vida é o agora, como ela diz no documentário biográfico “My name is now”, de Elizabete Martins Campos. O que passou está no passado. Elza vive o agora, mas sua memória é forte e trata tudo com música – sua voz é forte o bastante para falar de todos os problemas e soluções que a humanidade busca.
Existem muitos motivos para que Elza aproveite o agora; além de um álbum recém-lançado, da divulgação do seu documentário, do encerramento da turnê cantando Lupicínio Rodrigues (pai de seu primeiro sucesso, “Se acaso você chegasse”) e da pausa do show “A voz e a máquina”, em que ela reinventava clássicos da MPB com música eletrônica, ela estreou uma nova turnê para divulgação de seu disco e foi convidada para cantar os clássicos de Amy Winehouse ao lado do pai da cantora britânica. 2015 é o ano dela, é o ano d’Elza.
Reconhecimento
Apesar de já ter chegado tão longe em sua carreira, ainda existem áreas que Elza deseja conquistar – e essa é uma de suas principais motivações. Indicada ao Prêmio Quem de melhor cantora de 2015, ao lado de outras veteranas como Maria Bethânia e Gal Costa, além de iniciantes como Anitta e Ana Cañas, Elza Soares carrega em sua história a terrível injustiça de jamais ter sido reconhecida com um prêmio de música brasileira. Quem sabe a “Rainha da Experimentação” ganhe pela primeira esta honra neste ano tão emblemático para sua carreira…
No entanto, mesmo sem prêmios nacionais, Elza Soares continua e, ao que tudo indica, continuará sendo aplaudida por multidões, seja em cima do seu tradicional salto 15 ou sentada, como está fazendo em seus últimos shows após colocar alguns pinos na sua coluna em diversas cirurgias. Porém, a sua ansiedade para ficar bem logo e voltar a sambar e tremer o corpo e a voz é grande.
Afinal, como ela mesma afirma em seu novo álbum, ela continuará cantando enquanto for possível. Seu instrumento é a alma e a voz, ultrapassando qualquer rótulo de gênero musical que tentam impor a ela ou até mesmo por sua idade, que ela transformou em apenas mais um número. Transformando o presente no principal motivo de viver, Elza Soares é eterna, mesmo porque um futuro sem sua voz é um cenário triste demais para os amantes da boa música.