Depois de passar pelo sul do país no fim de 2014 e continuar pregando seu evangelho travestido de Buddy Holly, o exemplar de pura e absoluta baianidade Murilo Sá já tratou de voltar ao batente e abrir os trabalhos nesse mês carnavalesco, onde além de ser uma fantástica opção para quem odeia o pandeiro e seus derivados, também surge com requintes de atração diferenciada, até porque creio que seu som seja uma mistura absolutamente singular. Equilibrando desde os moldes ’50 do Rock, até a linha Blues de pensamento, sempre aliada a psicodelia, vibe de big band e a lírica contemporânea.
Nesse giro pela terra da garoa, apelido que creio eu deveria ser alterado para polígono da seca, Murilo fechou quatro datas que além de apresentarem shows inspirados, acertaram pela interação com o público presente e pelo setlist, que não ficou preso ao conteúdo do debutante de vosso herói. Falo do competente “Sentido Centro”, um dos melhores discos brasileiros que saíram no ano passado.
A primeira etapa da tour começou (no dia 6 de março) em uma das casas mais interessantes da cidade, a aconchegante e apoiadora de brainstorms, residência do Mancha, “Casa do Mancha” para os íntimos. Pensem numa casa conceito. É válido ressaltar que quando digo “conceito” não me refiro aos padrões arquitetônicos do lugar e sim na ideia diferenciada que os idealizadores do projeto empregaram dentro da forma tradicionalmente coxinha que nós assistimos shows.
Imaginem um show na sala da sua casa com espaço para ficar no quintal trocando ideia e tomando uma cerveja, imaginou? Essa é a casa do Mancha, e ver o Murilo tocando no mesmo nível que todos os presentes é o maior barato. A ideia da casa é justamente essa, deixar os frequentadores em um ambiente sem regalias, conversando sem Wi-Fi (oh não!), e tirando a “superioridade” que um palco tradicionalmente nos impõe.
Pra esse esquenta com amigos e simpatizantes de bons grooves nós tivemos o “Sentido Centro” na íntegra, um cover de Kinks e uma faixa composta algumas horas do show pelos integrantes, que mesmo sem o grande elenco fizeram um show excelente e nos brindaram com uma homenagem à casa de Yoga que fica na rua anterior a casa, a bem humorada “Tentando Meditar”.
No segundo show da tour (dia 13 de fevereiro) tivemos o evento mais especial na opinião do resenhista. Dessa vez a casa escolhida não poderia ser melhor para os fãs de música e o show em si combinou perfeitamente com todo o ambiente nostálgico da Sensorial Discos, casa que une tudo que um ser humano necessita para viver, cerveja, shows e uma seleta coleção de LP’s à venda. Para esse show em especial tivemos Heitor Dantas dividindo os holofotes com Murilo durante boa parte do espetáculo, que além de versões acústicos de temas do “Sentido Centro” contaram também com composições antigas da dupla, sons que sinceramente nunca pensei em ouvir.
Foi um show para conhecer o compositor Murilo Sá, suas raízes dentro da música brasileira e sentir o feeling que estar ali, fazendo um som, significava para ele. Outro aspecto único dentro da atmosfera dessa noite foi a guitarra do Heitor Dantas, que fazendo Jus ao seu CEP de nascimento tocou uma guitarra arretada, lembrando aquela violeira elétrica chorada, timbre morno, bem na linha do saudoso e nem sempre lembrado Jerry Garcia, maestro do Grateful Dead.
Foi de longe o momento mais intimista da tour e sem dúvida o mais nostálgico. Por alguns instantes era insano olhar para o lado e ver um LP do Mandrill na estante e olhar para frente e ver o Murilo mandando um groove no piano, me senti em New Orleans, terra do ilustre Dr. John. E quando Heitor deixou seu conterrâneo continuar a caminhada trovadoresca de forma solo, ele mostrou que está vivendo o que sua música invoca, está realizando a maior proeza de um músico: Viver sua própria arte
Não foi um show, foi conversa entre amigos, ideias futuras, projetos paralelos e a música é o encontro que propicia tais fatos. Seja com as composições que foram cantadas em Inglês, Português ou pelo já citado LP do Mandrill, que estou namorando até o presente momento em memória. Com esse segundo evento, aprendemos que todo Rock é rural, e foi muito bacana ver esse lado cru do músico, dando risada mas ao mesmo tempo focado, incorporado no som, sereno, em paz e sentido centro.
No dia 28 foi a vez de chegar junto no picadeiro do Circo Paratodos (Funarte), show que marcou pela volta do guitarrista Gabriel Guedes, músico de técnica aprimoradíssima e que é um dos grandes motores da banda quando o combo do grande elenco sobe no palco. No quesito improvisação esse show foi o mais completo, a qualidade de som estava altíssima assim como nos shows anteriores, mas creio que pelo tamanho do espaço o som se propagou melhor e foi o momento mais inspirado, tanto que o reverendo Murilo Sá estava até solando junto do mestre Guedes.
E isso também nos mostra o poder de um combo entrosado, o Grande Elenco é uma baita banda, mas não vamos colocar o carro na frente dos bois, antes da chegada da seleção completa. O The Lonesome Duo abriu os trabalhos mostrando o poder de um Blues chavoso, digno de chamar o Bukka White e relembrar os momentos mais endiabrados do estilo.
Depois de aprender com quantos Blues se vende uma alma para a encruzilhada, o Grande Elenco entrou com tudo e nos brindou com um belo som para acompanhar a chuva que se seguia do lado de fora da lona sonora. No quesito de som esse aqui foi o melhor momento da tour, a qualidade e a nitidez das notas estavam excelentes e o momento não poderia ser melhor, afinal de contas Guedes was back in the house.
Até o momento, o público tinha se dirigido para todos os shows, mesmo com a chuva insistente que teimava em cair em todas as datas até então, e no show da FUNARTE em especial foi bem bacana ver que algumas pessoas chegavam porque ouviam o som. Provavelmente não conheciam o som do Murilo, mas trataram de conferir.
E uma característica bastante interessante desse show em particular foi o lado da improvisação. Acho que pelo espaço o som estava planando com tanta naturalidade e qualidade que a banda resolveu explorar os corners da jam, rolou de tudo, desde texturas pelo lado da guitarra de Guedes, até momentos mais swingados com o Grande Elenco, demonstrando bastante entrosamento e tocando um take atrás do outro.
Mas toda comitiva de shows teria que chegar ao fim um dia, e para encerrar a Tour De Force, fazendo uma gira com shows dos mais variados (quase como o projeto do workaholic Joe Bonamassa), Murilo chegou ao espaço Zé Presidente sabendo que tinha feito de tudo. Na estréia foi pra galera na Casa do Mancha, na Sensorial mostrou seu lado pessoal na viola, improvisou na FUNARTE e mostrou o DNA anos 70 de suas influências quando arrebentou no palco da presidência com a casa lotada, saxofone e percussões patrocinadas pela Heineken.
Abrindo os trabalhos para a terceira edição do Festival La Nave, evento idealizado por Rodrigo Bourganos (Bombay Groovy), Celina Seara, Mariô Onofre e Ana Carolina Santos com a intenção de englobar todas as formas de expressão de arte, sendo que nesta noite o som foi muito bem representado pela criatividade do Grande Elenco.
E é impressionante como a energia da platéia faz diferença, a casa estava lotada e isso foi um tremendo gás para o pessoal. Os presentes sabiam até as letras do sons, e creio que para sintetizar tudo o que esse giro significou, a memória que pretende relembrar é justamente essa, olhar ao redor e ver o público na sinergia de “Está Tudo Bem (It’s Okay)”, ver o Guedes fazer uma jam instrumental enquanto o Murilo pegava uma Fender e ter a plena consciência de como a música possui um brilho inexplicável, mas que para os paulistas agora carrega um nome: Murilo Sá & Grande Elenco.
Abaixo os senhores podem sacar um vídeo desta grande apresentação. Volte sempre, Grande Elenco!