Noel Gallagher perseguindo o passado

Noel Gallagher está em boa forma aos 47 anos. Seu novo álbum “Chasing Yesterday”, o segundo pós hiato do grande e eloquente oásis, merece quatro estrelinhas e meia numa escala de cinco. O trabalho soa como uma volta pela alma do músico lá na década de 1990, quando o seu oásis emergiu em meio ao deserto que cobria o rock mundial, após o suicídio de Kurt Cobain.

O disco começa com “Riverman”, que sugere, já nos instantes iniciais, um desdobramento do clássico “Wonderwall”, sem dúvida sua composição mais reconhecida, reproduzida e executada por outros músicos profissionais e amadores. “Riverman” é suave. Entramos no rio que sobe ou desce rumo ao passado. A música tem bom andamento. Nota dez para os arranjos de metais. “And the riverman runs (…)” até chegar num pub enfumaçado de Burnage, em 1995.

No clube, depois de dar partida com “Riverman” num bar ao lado de fora, a festa começa com o single “In the heat of the moment”. A dose é boa, mas talvez você só irá sentir “o calor do momento” quando estiver “high” de jack com red bull ou de doce no meio da festa. A faixa é direta, e aí encontramos um Noel tiozão pagando de moderninho em um fonograma que, no mínimo, te fará bater os pés.

E batendo os pés conhecemos a peculiar “garota com olhos de raios-X”, uma das canções mais interessantes do disco, mas nem de longe a melhor. “The girl with X-Ray eyes” caminha numa combinação de acordes como se o som fosse um quebra-cabeça a ser montado. Sim, lembra Beatles. “A garota com olhos de raio-x/Ela vai ver através do seu disfarce”. Mas a faixa chega ao fim rapidamente e você não consegue juntar todas as pistas para montar o quebra-cabeça. E agora é tarde, e as portas do pub em Burnage “foram fechadas”. Então você volta um pouco mais na alma de Noel. 1993, 1992, 1991.

“Lock all the doors”. O fonograma de número quatro do álbum é, talvez, o som que vai mais longe nessa “perseguição do passado” que Noel Gallagher iniciou. Soa como um b-side do Oasis. A canção é rápida. Um dia ensolarado. Um balde cheio de cerveja numa praia sob um sol de 40º.

Depois dessa, meu amigo, já estamos bêbados demais e acordamos em 1997. E talvez, você vai querer chorar. Em “The dying of the light” Noel Gallagher está na chuva e chora pelo passado. “I keep on running but I can’t get to the mountain/Behind me lie the years that I mis-spent (Continuo correndo, mas não consigo chegar à montanha/Atrás de mim estão os anos que eu desperdicei”). A levada é quase “Wepping willow”, do seu brother Richard Aschroft, no The Verve. É triste. Bonita. Talvez, faça você chorar.

Enfim estamos no meio do passado. Então, olhamos para frente, para trás, e ainda mais, mas ninguém boceja, e Noel canta que “você e eu fizemos a coisa certa”. Estamos em transe. Talvez, a maior descoberta desse álbum seja a faixa 6: “The right stuff”. O som é hipnótico e oferece, novamente, belos arranjos de metais. Quase seis minutos de sofisticação e impulso despretensioso. Sem contar o backing vocal em coro feminino. As guitarras com efeitos de trêmulo e as frases de baixo embalam bem o passado para a viagem que ainda está longe de acabar.

“While the song remains the same”. Eu já disse que Noel Gallagher está em boa forma? Pois bem, eu estava errado. Em excelente forma seria mais apropriado. “Enquanto a canção permanece a mesma” estamos no centro da alma de Noel, em Burnage. Em 2015 ou 2004; 1997, 1989, 1968? Não importa, a alma está em festa. A bateria é de carnaval. A canção é alegre. “Segure esse pensamento/Não me deixe ir/Podemos dançar embaixo dos vaga-lumes numa rua vazia”.

Noel Gallagher Chasing Yesterday (1)

Chegamos ao lugar. É esse o lugar. Está tudo em paz. “Te levo de volta/Para a cidade onde eu nasci/Porque eu estou cansado de ser um estranho/E eu estou à milhas de casa//Podemos andar pelas ruas da minha vida, enquanto elas ainda permanecem”. {Em minha opinião, a melhor do álbum. Música linda. Na medida certa. Obrigado Noel}. Mas, e agora que chegamos lá? Podemos voltar por outro caminho.

Imagine um encontro de Clapton com ele mesmo: “Cocaine” + “Sunshine of your love”. É assim que o riff da faixa “The mexican” caminha. O som é bom. Um dos melhores do disco. Destaque para os vocais de Noel. Apresenta também bons metais.

Talvez, tenhamos ido longe demais, e você se perdeu nesse novo caminho ou percebeu que não é mais possível “voltar lá atrás”. Em “You know you can’t go back” ouvimos um Noel em frente ao espelho falando para si mesmo e confortando a todos que o acompanham desde 1994. “Está tudo bem/Mas você sabe que nós não podemos voltar atrás”. A faixa também revive o início do Oasis. Parece música de gaveta. Guardada há anos.

Quem também entrou nessa perseguição foi Johnny Marr, ex-Smiths. É ele que comanda a guitarra na “Balada do poderoso eu”, a faixa que encerra esse passeio. “Ballad of the mighty I” é Noel sendo Noel, não apenas no título, pouco pretensioso. O som é bom. Marcação impaciente, de alguém que, talvez, esteja atrasado ou que precisa encontrar algo. “Wherever you run I’ll be on your tail (Pra onde quer que você corra, eu estarei na sua cauda)”.

E ele vai ficar na sua cauda, mesmo. Os ecos de “I’ll find you/Yes, I’ll find you” continuarão martelando a sua cabeça depois que a música acabar. Pode ter certeza. Noel Gallagher é mestre nisso: escrever boas músicas; enfia-las em sua cabeça, e de lá elas não saíram mais.

E tenha certeza, no instante em que os ecos dessa “perseguição do passado” deixarem de sair pelo seu headphone, pelos os alto-falantes do seu carro ou pelo seu estéreo, você irá colocar o disco para rodar outra vez.

Porque Noel Gallagher conseguiu de novo. Fez mais uma vez, depois de 20 anos. Como fez com o álbum “Definitely Maybe” do Oasis, em 1994. Noel Gallagher conseguiu: ir embora antes da ressaca bater.