Porto Alegre teve uma sorte danada. De todos os sideshows do Lollapalooza Brasl 2015, logo o melhor deles foi escolhido para acontecer na capital gaúcha. Jack White foi escalado para tocar no Pepsi On Stage, no dia 24 de março de 2015. Uma noite histórica, eu diria, de um músico que está no auge da carreira.
O show estava marcado para as 22 horas. Pouco antes do horário, uma movimentação no palco já demonstrava todo o profissionalismo por trás da turnê Lazaretto, de Jack White. Os roadies elegantíssimos, vestidos socialmente em azul e preto com gravatas e suspensórios, ajeitavam o palco da apresentação.
Como já vimos em alguns shows no youtube ou no Bonnaroo, um palco não muito usual. Com a bateria do lado esquerdo e não no meio, uma televisão, um telefone e todos os elementos decorativos em tons azulados.
Tudo pronto, só faltava uma coisa. Eu não sei o nome dele, mas um senhor muito bem vestido, de gravata e colete, que ficava orientando os roadies que ajeitavam o palco, ficou em frente ao microfone ao lado de um tradutor e começou a falar em inglês. Como um mestre de cerimônias, desejou a todos um ótimo show, e o mais importante: que as pessoas evitassem de usar o celular para fotos e filmagens. O show deveria ser visto com os olhos e com o coração, e não por meio de uma tela.
“Temos uma equipe profissional que fará as fotografias da noite. Amanhã as fotos estarão em nosso site oficial e vocês poderão baixá-las, de graça”, disse o mestre antes de ser ovacionado.
Show bom é assim mesmo. Já é bom antes de mesmo de começar. Esperei ele terminar de falar para fazer uma única foto da noite. Ainda antes do início, aproveitei para fotografar o palco e perceber que eles estavam certos. Olha só como ficou. Impossível de comparar com as fotos oficiais, que irão ilustrar essa matéria mais abaixo.
Começou! E começou bem!
Poucos minutos após o aviso da produção, a ótima banda que acompanha Jack White sobe ao palco, ainda sem o seu maestro. Bateria, baixo, violino, piano e pedal steel fazem a introdução até Jack White chegar e saudar todo mundo com o primeiro acorde na guitarra, uma linda telecaster azul customizada com alavanca. Sou fã da tele, é apaixonante.
E digo que começou bem, pois Jack White puxa Dead Leaves and the Dirty Ground, dos White Stripes logo no início, uma das melhores composições do início da meteórica carreira do músico.
Ao final da primeira música, parece que Jack White sente que está sendo venerado e logo se solta. Pede que todo mundo acompanhe enquanto a banda toca a instrumental High Ball Stepper com os uh-uh-uhs da música. Certo que todo mundo obedece.
Não havia passado nem dez minutos e já estava demais. Ficou demais ainda quando logo a terceira música já é a fantástica Lazaretto, faixa-título do igualmente fantástico álbum de Jack White, lançado no ano passado.
Depois de três petardinhos, Jack White dá um descanso para a guitarra e puxa um violão Gibson L1, modelo usado por Robert Johnson, fabricado em 1915. Lindo! Com ele, a banda volta aos White Stripes com Hotel Yorba e avança de novo na carreira solo com Temporary Ground e Weep Themselves To Sleep. Tudo isso já tinha acontecido e só seis músicas haviam sido tocadas.
A banda é fora de série
Antes de mais nada, uma parabenização à equipe de recursos humanos de Jack White. Quanto talento foi recrutado para acompanhar o músico! E com uma formação que foge aos habituais grupos.
A bande de apoio de Jack White é toda multi-instrumental, com exceção de Daru Jones, que toca só bateria. Perdão, um erro aqui, ele não toca só bateria, ele destrói os tambores, e de um jeito único. Um verdadeiro showman. Fiquei ali na pista premium bem em frente ao batera. Depois de Jack White, foi o músico que eu mais acompanhei. Daru toca com o surdo inclinado pra dentro (a foto de cima explica melhor isso) e frequentemente levanta do banco pra tocar os pratos. Mucho loko!
Enfim, voltando, do lado de Daru ficava o baixista Dominc Davis, que intercalava entre baixo e contrabaixo, tocando com dedos, palhetas e varas. Dean Fertita (que tocou no mesmo lugar com o Queens Of The Stone Age no ano anterior), no lado oposto do palco, assumiu todas as teclas. Fats Kaplin, que toca centralizado no palco, em um lugar onde em 99% das vezes fica o baterista, destilou competência no pedal steel, violino, harmônica e no teremim, um instrumento eletrônico sensacional, controlado sem nenhum contato físico direto. Pesquisem sobre isso, é muito interessante.
Dividindo os vocais com Jack White, a belíssima Lillie Mae Rische, que também tocou violino, bandolim e piano durante o show. Em Love Interruption, ela e Jack White cantaram no mesmo microfone e pareciam um só, tamanha a sintonia que as duas vozes alcançavam.
Bom lembrar que essa banda de Jack White é a união entre duas bandas que ele formou para a turnê de seu primeiro álbum solo (com exceção de Dean Fertita, que entrou para substituir Ikey Owens, morto no ano passado). Naquela ocasião, Jack excursionou com uma banda formada apenas por homens (The Buzzards) e outra por mulheres (The Peacocks).
É por isso que o entrosamento está perfeito, não é uma banda exatamente nova. Quem assistiu de perto pode perceber que em vários momentos do show, todos da banda ficam com olhos atentíssimos ao que Jack White está fazendo. Principalmente nas paradas, solos e improvisos. Quem manda é o maestro e todo mundo tem que estar ligado pra saber o que vai acontecer no próximo segundo.
Jack White inova e se reinventa ao mesmo tempo
Ele sabe do legado musical que tem criado nesses últimos anos. Antes de sua recente carreira solo, Jack White fez composições geniais com White Stripes e Raconteurs. E ele não ignora isso, mas também não fica preso ao mesmo isso.
A começar pela banda. Jack White não faz mais parte de uma dupla ou de uma banda de rock, hoje ele é o maestro de um time de músicos incríveis. No início do show a gente já percebe que as músicas estão sendo reformuladas, até porque temos outros instrumentos agora.
Porém, nada fica tão nítido em suas novas versões quando as primeiras músicas dos Raconteurs começam a ser tocadas. Em sequência, Jack White tocou Top Yourself e Steady As She Goes com outros arranjos. Causou estranheza em certas partes, mas foi demais isso. Me lembrou muito os shows do Bob Dylan, famosíssimo por tocar todas as suas músicas de forma diferente das gravações quando está no palco.
Sixteen Saltines foi emendada com Astro, e Broken Boy Soldier parecia outra música. Até a composição mais famosa escrita por Jack White vem sendo modificada ao vivo. Seven Nation Army se arrasta um pouco até o clássico riff iniciar, e até aí tudo bem, mas várias coisas mudam na segunda metade da música. Não foi pra pior não, foi pra sensacional. Jack White faz chover com a Kay Hollowobdy de 1950, guitarra utilizada nas duas últimas músicas, com afinação aberta para mostrar o talento do músico com o slide.
Em mais ou menos duas horas, Jack White tocou músicas de seus dois álbuns solo, dos White Stripers e dos Raconteurs. Tocou com três lindos instrumentos, subiu no retorno, sentou no retorno, cantou com o microfone nas mãos, indo de um lado para o outro no palco, interagiu com a banda de apoio, tocou com suspensórios durante o show e sem os suspensórios após o bis, enfim, mandou bem demais.
Aliás, ele manda em tudo. O bis demorou um pouco pra começar, mas quando a banda voltou, Jack White segurava a bandeira do Brasil com as três listas clássicas no lugar do azul e do “ordem e progresso”. Colocou a bandeira na frente da televisão do palco, chamou o roadie barbudo muitíssimo bem vestido e pediu para que ele colasse a bandeira com uma fita em cima do tubo da televisão. Não ouvi isso, mas foi o que o roadie fez, então deve ter sido.
As 4.500 pessoas que estiveram no Pepsi on Stage agradecem. Foi um show graúdo, maiúsculo, monstruoso, hipnotizante e mais dois adjetivos à sua escolha.
E já que a equipe de Jack White se encarregou de registar a noite. Nada mais justo do que deixar aqui embaixo as fotos oficiais: