Os mais velhos desconfiavam do projeto de Brian May, Roger Taylor e do cantor norte-americano Adam Lambert. Sua razão não deve ser questionada, afinal, tomar o microfone que por décadas pertencera a Freddie Mercury é algo que poucos podem tentar. Adam Lambert não é um gênio da música, não tem fama exorbitante no cenário musical, tampouco a sui generis de Freddie, mas tem talento. Muito talento.
Pra quem nasceu na década de 1990, assim como eu, só nos mais remotos devaneios a oportunidade de assistir a um show do Queen seria possível. Não conheço a sensação de 1985, mas consigo assimilar, e só posso lamentar a década que nasci. Sexta, apesar das bolhas no pé, da costumeira claustrofobia e da cerveja inflacionada, fãs da minha idade se misturaram aos anciões numa noite memorável, em que o peso da história da banda e a personalidade de Adam Lambert fecharam o primeiro dia do festival com 85 mil pés direitos.
O ser humano é chato: ao mesmo tempo que comemora sua ida ao festival, reclama das filas, do calor, da quantidade de pessoas por metro quadrado. Mas faz parte, sempre vamos reclamar. Batendo perna pela Cidade do Rock, reclamando e ouvindo reclamações, avistei meia dúzia de Freddie Mercury desfilando pelo recinto, sem se incomodar com o figurino pinicando o corpo e a maquiagem se transformando em algo grudento. Se vestiram a caráter porque a ocasião pedia, porque a chance era única.
Então a larica bateu logo quando o The Script entrou no palco, o que fez muita gente cantar no meio da fila, confundindo a letra da música com as opções do cardápio (genérico) do Bob’s. Eles cantaram vários hits melódicos, misturando faixas de todos os seus discos, como Superheroes, The Man Who Can’t Be Moved, Breakeven, fechando com Hall of Fame. Foi rápido, enérgico e quem não conhecia os irlandeses teve uma boa surpresa. Não posso falar do OneRepublic porque o palco da Pepsi — aliás, muito melhor que o de eletrônica — conseguiu me prender por uma eternidade; ou seja, dos norte-americanos só consegui ouvir Counting Stars e If I Lose Myself. A vibe era de festa, como era de se esperar.
Chegada a hora da realeza, o lugar mais próximo do palco virou meu target. Não foi fácil conseguir um bom lugar, mas depois de driblar o que parecia toda a população do Rio de Janeiro, encontrei um spot. A line-up era a maior da noite (ainda bem!) e, claro, os maiores hits e hinos da banda foram escolhidos para a volta após 30 anos do clássico, e talvez mais conhecido, show.
Adam Lambert não possui o alcance vocal de Freddie para os graves, mas arrepia com seus agudos, e fez muito bem o dever de casa. As comparações, muitas levantadas para criar intrigas, são inevitáveis, entretanto, o cantor fez o certo: mostrou seu carisma, e não tentou imitar ex-vocalista do Queen.
A verdade é que parece distante o pensamento de que Lambert quer substituir, ser melhor, ou copiar Freddie Mercury. A personalidade do americano é tão somente sua que a distinção entre os dois soa como algo natural, como deve ser. A sua presença de palco também é diferente, em diversos momentos ele fez a multidão rir e cantar com sua simpatia e ações escandalosas. Rolou até uma música de sua autoria, a Ghost Town.
Há, contudo, duas semelhanças entre os dois vocalistas: o jeito espalhafatoso e as interpretações teatrais. Mas cada um à sua maneira, é claro.
Brian May, com os cachos cada vez mais grisalhos, é um dos guitarristas mais influentes de sua geração, e o primor, o jeito pomposo e o carisma continuam presentes, quase intactos.
Com sua guitarra entregou ao público ótimas performances, relembrando o som de outrora, incluindo um solo de guitarra maravilhoso. Fez uma selfie com o público, com uma câmera acoplada ao braço da guitarra, que levou o público à loucura.
Também foi o responsável por entregar um dos momentos mais emotivos do show: cantou Love of My Life ao violão, com Freddie no telão, e o público em uníssono.
Logo após, um duelo de bateria mostrou o quão em forma Roger Taylor está. Vê-lo de perto só aumentou minha vontade de ser sua neta. Este também estava impecável.
A performance de Bohemian Rhapsody foi um mix entre Freddie novamente no telão, Adam Lambert e o clipe original da música. Arrepiou a espinha. Fecharam a noite com a dobradinha We Will Rock You e We Are The Champions, fazendo uma minoria que já jazia deitada na grama levantar para cantar e pular com a banda. Ao final do show, a sensação era de nostalgia e agradecimento.
Queen + Adam Lambert é um projeto com o objetivo de homenagear Freddie Mercury, o que até agora está tendo êxito. Um ícone de décadas atrás, que continua encantando outras gerações, se reinventou sem o intuito de ser algo novo. Adam vem para somar, e não para tomar o lugar da realeza. Isso jamais acontecerá.