O fim dos anos 70 não foi exatamente um paraíso para o punk.
Em 1978, enquanto Londres exportava seus Sex Pistols e vômitos performáticos para aeroportos mundo afora, Nova York via seus próprios heróis patinarem. A indústria olhava para o punk como moda passageira, rádio se recusava a tocar, e os Ramones — pais da coisa toda — já entendiam que não existiria jato particular, apenas vans rodando o país em turnê interminável.
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Foi nesse cenário de frustração que nasceu Road to Ruin, o quarto álbum da banda, um disco feito com raiva e desencanto, e talvez por isso tão essencial.



Logo na abertura, “I Just Want to Have Something to Do” desmonta a ideia dos Ramones como palhaços de jaqueta de couro. Joey canta uma solidão crua, quase adulta, que atinge no estômago — um retrato de alienação urbana que poderia estar num filme de Scorsese. O niilismo adolescente ainda está lá, mas agora manchado por angústia real. É como se a comédia tivesse virado drama.
“I Wanted Everything” mantém o espírito de hino, mas o tom mudou: o desejo agora é raivoso, impaciente. E “Don’t Come Close”, com seu flerte country, soa deslocada e até desesperada na tentativa de agradar rádios que nunca abraçariam a banda.
A tensão entre autenticidade e mercado atravessa o álbum inteiro — não por acaso, a gravadora tentava rebatizar o punk como new wave para não assustar o público.
Mas é quando os Ramones esquecem o pragmatismo e abraçam a própria demência que Road to Ruin brilha. “I Don’t Want You” e a cover de “Needles & Pins” transformam dor em pop distorcido.
“I’m Against It” é a caricatura perfeita da birra adolescente, cuspida por Joey com tanto veneno que a piada deixa de ser engraçada.
E então vem o hino absoluto: “I Wanna Be Sedated”, escrita entre queimaduras, cansaço e turnês exaustivas.
Poucas músicas na história do rock condensam com tanta honestidade a mistura de exaustão e euforia de ser jovem, confuso e sem saída.
Nem tudo funciona: “Questioningly” insiste no country de maneira séria demais, e “She’s the One” parece mais do mesmo (ainda que não seja necessariamente ruim aqui).
Mas mesmo esses tropeços revelam uma banda testando limites enquanto via seu gênero perder o fôlego comercial.
Road to Ruin marcou o momento em que os Ramones deixaram um pouco de lado as piadas e começaram a encarar a escuridão de frente. É um álbum que mostra como a frustração pode ser motor criativo, como a raiva pode ser pop e como o punk, mesmo moribundo para o mercado, ainda tinha fôlego para parir clássicos.
No fim, talvez os Ramones nunca tenham sido feitos para “vencer” — mas, ouvindo Road to Ruin, dá para acreditar que esse sempre foi o ponto.
Ramones – Road to Ruin (1978) – Lista de músicas
1- I Just Want to Have Something to Do
2- I Wanted Everything
3- Don’t Come Close
4- I Don’t Want You
5- Needles & Pins
6- I’m Against it
7- I Wanna Be Sedated
8- Go Mental
9- Questioningly
10- She’s The One
11- Bad Brain
12- It’s a Long Way Back
Faixas bônus:
13- I Want You Around
14- Rock’n Roll High School
15- Blitzkrieg Bop (live)
16- Teenage Lobotomy (live)
17- California Sun (live)
18- Pinhead (live)
19- She’s The One (live)
20- Come Back She Cried A.K.A. I Walk Out (inédita; demo)
21- Yea Yea (inédita; demo)