Tim Maia e a Polícia

Tim Maia sempre foi um fora da lei e, seguindo a ordem natural das coisas – exceto nos casos de colarinho branco – teve um intenso convívio com a polícia.

Antes da fama, o problema era a falta. E essa falta de tudo fez com que Tim se envolvesse em furtos. Nos Estados Unidos acumulou cinco prisões. A última, na Flórida, culminou em sua deportação do país, em 1964. Tim voltaria a visitar o presídio dois anos mais tarde, dessa vez no Brasil, em 1966. Foi preso em flagrante roubando móveis de uma residência na Tijuca. Ficou 11 meses na prisão e, segundo o biógrafo Nelson Motta, foi a primeira vez que apanhou da polícia, diferente de quando esteve nos EUA, onde os policiais só o ameaçavam.

Depois da fama, o problema era o excesso. Tim se tornara uma das personalidades mais queridas do povo brasileiro, inclusive pelos policiais. Por isso, posse de drogas em plena ditadura militar, agressões e falta de documentos básicos como carteira de motorista, eram problemas malandramente contornados pelo cantor perante às autoridades.

Na biografia Vale Tudo: O som e a fúria de Tim Maia, escrita por Nelson Motta, algumas histórias curiosas de como Tim e seus comparsas se safaram da polícia foram contadas pelo autor.

Reproduzo aqui quatro delas:

Como não tinha nenhuma documentação, perdida por António Cláudio, a viatura era totalmente ilegal e, pela aparência bagaceira e a pinta dos passageiros, despertava logo suspeitas de guardas de trânsito. Convocado a buscar uma lasanha em Copacabana, Zé Maurício perguntou a Tim o que devia fazer se fosse parado pelos homens.

“Muito simples”, Tim o tranqüilizou e gritou: “Pi, pega uma capa de disco aí.”

Entregou a capa a Zé Maurício e deu as instruções:

“Tu bota a capa do disco no vidro traseiro do carro. Na contracapa está a foto de vocês, eles vão saber que vocês são da banda. Pode confiar, mermão, esses guardinhas são todos meus fãs.”

“Isso não vai funcionar, Tim”, o músico estava temeroso.

“Claro que vai, mermão, sempre funciona. E vamos logo que minha barriga está roncando de fome.”

Não deu outra. O fusca todo amassado e com pneus carecas, tripulado por três cabeleiras black power, foi parado a poucas quadras da Lasanha Verde, em Copacabana, onde ia buscar três lasanhas, uma para Tim e duas para o resto da banda:

“Documentos.”

Zé Maurício apresentou a carteira de motorista, o guarda aprovou e pediu os papéis do veículo:

“Ih, seu guarda, a gente não tem o documento não. Nós somos músicos Tim Maia e viemos comprar uma lasanha pra ele.”

“Tim Maia? Vocês?”, a autoridade estava incrédula.

“É, nós somos músicos, estamos ensaiando com ele”, explicou Zé Maurício e o guarda fechou a cara.

Foi quando Pi pediu a Carlinhos que pegasse a capa do disco e mostrou a contracapa ao guarda. Ele olhou a foto, depois os suspeitos, voltou à foto e aliviou:

“É, parece que são vocês mesmo. E essa capa é para quê?”

“Essa capa é pro senhor”, ofereceu Pi, “depois o senhor passa lá no estúdio para pegar o disco”.

O homem da lei sorriu:

“Ótimo, eu sou fã do Tim Maia. Eu vou passar lá mesmo. Vou liberar vocês, mas não dêem mais mole, porque outros colegas podem não ter a minha compreensão e isso pode criar problemas para o Tim. Do jeito que está o carro vai ser rebocado. Falem para ele passar no Detran para resolver isso.”

Na Seroma, além da lasanha, Tim saboreou a vitória de seu prestígio e popularidade:

“Não falei que funcionava? Pode confiar no Tim Maia do Brasil, mermão!”

Tim Maia - Fotos (1)
Foto: Agência Estado

No fim de mais um ensaio, a banda já se preparava para voltar a Nikit e Tim dormia escornado num colchonete, quando as luzes ameaçadoras do giroscópio de um carro de polícia cortaram a escuridão da Lagoa.

Como se a luz fosse o som de um alarme, Tim acordou esperto:

“Sujou, rapaziada. Levem os blocks para o canil do Antão.”

Enquanto os estoques de maconha eram escondidos, do outro lado do muro o policial gritou:

“Ô Tim Maia!”

O tom não era ameaçador, mas nunca se pode confiar em canas. Tim achou melhor ser simpático:

“Ô mermão, quem é?”

“É o cabo Jorge.”

“Que cabo, mermão?”

“Sou eu, o cabo Jorge”, e levantou a capa do disco por cima do muro. “Eu vim buscar o disco.”

Tim abriu o portão aliviado e sorridente e gritou para dentro:

“O Pi, pega um disco lá pro nosso cabo Jorge.”

“Pode ficar tranqüilo, Tim Maia, nós vamos ficar patrulhando a Rua aqui pra você. Boa noite.”

Tim Maia - Fotos (3)
Foto: Agência Estado

Quando Pi se preparava para dar a partida no carro, estacionado na contramão em plena Rua da Carioca, uma surpresa tão desagradável quanto previsível. Um fusca com dois PMs, um negão mais jovem ao volante e um coroa mais graduado ao lado. Pi não tinha sequer certidão de nascimento, quanto mais carteira de motorista.

“Documentos.”

“Eu não tenho documento não, chefe, estou dirigindo aqui pro Tim”, respondeu o Pi.”

O coroa não tinha visto Tim no banco traseiro, não gostou da resposta e nem da cara de Pi e falou grosso:

“Não sei quem é Tim, quero saber é dos documentos, senão vai todo mundo para a delegacia.”

Com Márcio Leonardo no colo, Tim ficou possesso e enfiou a cara pela janela:

“Olha aqui, mermão! Tem uma criança aqui!”

O PM ameaçou prender Tim por desacato. O negão que estava dirigindo o carro da Polícia e era fã de Tim tentava apaziguar o superior, mas o coroa não queria conversa, começou a juntar gente em volta do carro. O homem estava fervendo:

“Não me interessa se é o Tim Maia, vamos todos para a delegacia!”

O policial se mantinha irredutível, o negão se lamentava com os músicos:

“Pô, vou sair no jornal como o cara que prendeu o Tim Maia. Vou ficar malvisto no bailão.”

O PM mandou Pi manobrar o carro para sair da contramão, ir até a próxima esquina e voltar. Foi o tempo do negão apelar aos mais nobres sentimentos do superior, sugerindo que pegaria mal prender um artista querido como Tim Maia por uma contramãozinha banal.

Tim Maia - Fotos (2)
Foto: Agência Estado

Tim começou vida nova comprando um carro novo. Estava voltando para casa, com uma Brasília vermelha cheirando a tinta, com apenas uma licença provisória no pára-brisa, quando foi parado por dois policiais na Figueiredo Magalhães.

Eram velhos conhecidos de outras infrações e dos correspondentes levados.

A documentação era legal, mas como Tim não tinha carteira de habilitação e sempre estava com a vistoria atrasada ou outra ilegalidade qualquer, acabava funcionando como uma espécie de caixa automático para os PMs. Só que desta vez ele estava com uma trouxa de maconha escondida na cueca, e, pior, sem nenhum dinheiro para o levadinho dos homens as coisas poderiam se complicar. Parado no meio da Rua, no trânsito das cinco da tarde em Copacabana, tirou a chave da ignição e deu para o guarda:

“Então fica com o carro pra você, mermão.”

E saiu batido para casa, com medo de um fragoroso. Às sete da noite deu na televisão que a polícia estava atrás de Tim Maia, mas desta vez só para entregar os documentos que ele tinha esquecido no carro. Recebeu as chaves e os policiais com muita simpatia, e, na falta de um levadinho, deu a cada um uma capa de disco autografada, naturalmente vazia, e eles partiram satisfeitos.

Suas relações com os homens da lei continuavam intensas. Depois de uma gravação, estava voltando para casa com dois músicos, todos sem dinheiro e loucos para tomar uma cerveja, quando viu a mesma dupla de policiais na Figueiredo Magalhães. Parou o carro, saltou e dirigiu-se a eles, simpático e sorridente. Em alguns minutos de papo, tinha convencido a dupla a, lhe emprestar dez cruzeiros. Foi a primeira vez na história que um guarda de trânsito pagou uma cervejinha a um infrator contumaz.

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Autor: Nelson Motta
Editora: Ponto de Leitura
Nº de Páginas: 448