Para o CEO da Netflix, Reed Hastings, a televisão que conhecemos terá vida útil até 2030. Ano passado, o executivo previu a soberania do domínio das redes streaming e a extinção da TV em, aproximadamente, 15 anos. É difícil dizer se ele está certo ou errado. A verdade é que, lá no fundo, gostaria que ele estivesse certíssimo. Deixando de lado a espiritualidade, apliquemos a Lei do Progresso aos bens materiais: VHS, DVD, controles com fio, entre tantos outros objetos, caíram em parcial ou completo desuso. A televisão convencional, seja ela aberta ou a cabo, pode seguir o mesmo caminho de obsolescência. É a lei natural.
Ao fazer tal declaração, Hastings não se referia apenas à Netflix, mas a todas as redes streaming que estão no mercado — Hulu, Amazon, iTunes. Entretanto, colocar o reinado da Netflix em discussão é tolice, pelo menos no atual panorama mundial. No termo vulgar, a ”locadora” oferece uma variedade absurda de filmes, documentários, séries, shows e desenhos animados que, dificilmente, será superada por uma concorrente. Além disso, os conteúdos originais são um show à parte. No atual momento, são poucas as suas produções, contudo, a qualidade empregada a cada uma delas dá de dez a zero em muitas criações de grandes emissoras norte-americanas. As minhas favoritas são Orange Is the New Black, House of Cards e Daredevil. Vale a pena sentar para conferir cada episódio, cada minuto, cada personagem das três séries — e das demais também. Na verdade, gostaria de sentar para assisti-las na sede da Netflix, em Los Gatos, lá na Califórnia, e ainda ganhar um belo dinheiro por isto.
Quando comecei a assistir as séries originais da rede, em 2013, também comecei a traçar um comparativo maluco entre canais genéricos (ABC, Fox, NBC) e a mesma na minha cabeça. O sucesso de público que a Netflix registrou, apesar de não revelar a audiência de suas produções, foi um absurdo. Da noite para o dia muita gente que desconhecia o serviço se tornou assinante — ok, isto não se deve apenas às séries da rede, e sim de todo o conteúdo oferecido. Desde 2013, então, o número de assinantes só aumenta ao passar dos dias, seja no Brasil ou fora dele. Na minha cabeça, naquelas comparações malucas que mencionei acima, cheguei a três conclusões para justificar a glória conquistada pela Netflix. Tal glória se projeta por muitos e muitos anos à frente.
1. Interferência zero no conteúdo das séries
Ao contrário dos tradicionais estúdios de Hollywood, a Netflix dá carta branca aos produtores e diretores contratados. Caso um roteiro ou projeto seja aprovado, a etapa de desenvolvimento é pulada, seguindo direto para a produção, ou seja, a série não precisa se adaptar ao estúdio. Isto implica bastante no conteúdo que será levado ao público. Por exemplo: o que vemos nas séries da HBO, de uma forma geral, não seria visto em um canal aberto como a ABC ou a Fox antes de passar por todo um processo de seletividade, o qual executivos das emissoras dão as ordens. Nos é dado na HBO um overwhelming de sexo, sangue, entre tantos outros temas polêmicos. A restrição que ocorre em um também ocorre no outro, contudo, o limite imposto às criações atendem a demanda chamada público. Um é canal a cabo, o outro é canal aberto. Há uma grande diferença. A Netflix se encaixa (ainda bem!) na categoria da HBO, ainda que de uma forma mais branda. Mas isso significa que canais abertos não nos mostram temas polêmicos? Claro que não. Mas experimente comparar os dois.
2. Tempo de produção
No dia primeiro de fevereiro de 2013 estreou House of Cards; apenas no dia 14 de fevereiro de 2014 o segundo ano da série foi disponibilizado. Este período agonizante (o famoso hiatus) que dura pouco mais de um ano para o lançamento de uma nova temporada é um fator determinante para as séries originais da Netflix. Os 13 episódios oferecidos por temporada — eles seguem um padrão de 13 episódios por temporada, não me recordo se há alguma produção com menos ou mais episódios — têm um prazo mais do que suficiente para serem produzidos. Os roteiristas, produtores e diretores podem errar uma, duas, cinquenta vezes até acertar; o produto final terá um selo de qualidade, uma vez que o tempo investido no mesmo é amigo. O bom é que o resultado final compensa os árduos meses de espera. O ruim é que quando acaba os 13 episódios você volta a definhar.
3. A qualidade a qual as produções são condicionadas
Jenji Kohan, David Fincher, Eric Roth, Jodie Foster, Aaron Paul, Kevin Spacey, Natasha Lyonne, Kate Mulgrew, Robin Wright e Kate Mara são alguns nomes que estão por trás das séries, seja na produção ou no elenco. É uma galera de peso que assina contrato com a Netflix, logo o resultado só poderia ser, para dizer o mínimo, satisfatório. Esta palavra, na verdade, é eufemismo para ”do cacete”. O investimento da empresa em figuras de renome tem o retorno desejado, tanto em qualidade quanto em público. Muitas séries gostariam de ter seu elenco substituído por metade desse pessoal. Além do elenco, as locações, a fotografia, a trilha sonora, o tom, são elementos em que estas séries acertam fácil a mão.
A dominação mundial se dá por vários meios. A Netflix trilha seu caminho já como a suprema detentora desse sistema de redes streaming. Reed Hastings acha que a TV morrerá daqui a 15 anos, e que seu império, junto a outros pequenos reinados, ascenderá a um topo inalcançável. Quem comanda a indústria da televisão é aquele pessoal que nunca vemos, sabemos que existe e que age como uma força onipresente e irrefreável. É só pegar os jornais como exemplo: com o surgimento da internet, e dos jornais digitais, o fim do jornal impresso foi declarado com veemência. Ainda compro o O Dia na banca perto de casa. Por isso acho utópico a TV sair de cena. Mas tomo os dias atuais como exemplo do que já acontece e que só tende a crescer: na TV só assisto aos jogos do Fluminense e as partidas de tênis. Fico zapeando de canal em canal e depois de dez minutos desligo a televisão. (Mentira, também assisto algumas coisas no NOW e no Telecine).