Sessão de terapia é uma adaptação de uma série israelense, Be Tipul, que também teve outras versões, americanas, argentinas, canadense, etc. E na versão brasileira, dirigida por Selton Mello, diga-se de passagem que somente por aí podemos esperar algo fora do comum.

A trama trata de histórias ambientadas no consultório de um terapeuta (Theo) e conta com mais quatro pacientes, um por dia, e na sexta quem faz terapia (supervisão) é o próprio terapeuta, porque psicólogo também precisa de terapia! E ele faz supervisão com uma ex professora da faculdade e amiga de longa data, a qual o mesmo tem certo ‘bloqueio’ e está sempre em competição, mesmo que de forma sutil.

O foco da série Sessão de Terapia não é centrado em apenas um personagem, mas capta um pouco de todos. O fato que difere é que também mostra a vida do terapeuta de forma humana. Afinal, terapeuta também é gente como a gente. Sofre, tem dilemas, crises, inseguranças, problemas. Passa por divórcio, crise com os filhos e todos as inúmeras intempéries que uma pessoa comum passa. E foi belo a série expor isso de uma forma bem arquitetada e envolvente. Sim, envolvente porque você se emociona, você cria empatia pelos personagens e reflete sua própria situação.

Além de uma interpretação excelente não só pelo terapeuta excelentemente interpretado por Zé Carlos Machado. Atuação boa é aquela que te convence que ator é de fato o que interpreta.

Sessão-de-Terapia-seriado

Os personagens mudam em cada temporada. Infelizmente foram apenas três temporadas, mas que valem a pena serem assistidas. Valem cada minuto, aliás, ouso dizer, cada segundo. Em resumo os personagens da primeira temporada são:

Uma médica, noiva que acha que tem uma vida perfeita e procura o terapeuta apenas por causa do noivo, e acaba se apaixonando pelo terapeuta. Um pouco clichê, admito. No entanto, julgo importante abordar a questão da transferência que é bastante comum nos consultórios, especialmente quando se tem o perfil de mulher fragilizada. Quase inevitável não projetar suas expectativas em alguém que tem um perfil ‘heroico’, então muitas vezes o psicólogo é visto como o herói capaz de salvar a bela adormecida com um beijo apaixonado. Não precisa nem dizer que é pura ilusão. Mas, sem dúvidas, a questão da transferência é uma situação muito delicada que exige perspicácia do terapeuta para saber lidar.

https://youtu.be/DxVEsaS_UIU

Um soldado de elite com aquele tipico esteriótipo de homem imponente, bravo, decidido e todas as demais qualidades que se pode esperar de um militar. No entanto, Sessão de Terapia quebra mais um paradigma aí. Ele não é nada do que aparenta. É na verdade um homem muito confuso, que não sabe tomar decisões sem o concedimento de alguém ‘superior’ e vive por pressão alheia, vivendo pelas expectativas dos outros. Aí se encaixa muito bem o velho dito popular: ‘Nem tudo é o que parece’.

Para completar o elenco da primeira temporada tem um casal em crise, onde os papéis de homem e mulher são ‘invertidos’: ela trai, ele sofre, ele quer mais um filho e ela não, e por aí vai nessa quebra de padrões da sociedade.

E fechando com chave de ouro, uma ginasta de 15 anos que só está lá fazendo um exame psicológico para saber se o acidente que sofreu de bicicleta foi tentativa de suicídio ou não. A adolescente tem problemas com a mãe, o que é até comum da idade, e tem um caso com o treinador casado… É, uma ”garota problema”, mas que tenta encontrar um caminho através do esporte.

https://www.youtube.com/watch?v=45CTq3x_uWw

Sessão de Terapia segue com uma segunda temporada mais madura, e com uma elaboração melhor que a primeira. Outros tipos de personagens surgem: uma paciente com câncer, um executivo já idoso demitido da própria empresa, o filho pequeno do casal da primeira temporada e uma advogada estéril, cujo marido não quer ter filhos. Menos clichês e mais acontecimentos, inclusive na vida do terapeuta. No entanto, ainda sim os personagens conseguem te cativar.

A segunda, embora tenha sido uma versão mais madura, com outras nuances, deixou a desejar em comparação a última temporada. A primeira foi uma surpresa, uma série adaptada, e venhamos e convenhamos não é um trabalho nada fácil adaptar. Selton fez isso com maestria por ser um diretor um tanto quanto inexperiente. Se pelo roteiro ou elenco deixou um pouco a desejar, a direção, fotografia e trilha sonora estavam de parabéns.

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A última temporada de longe foi a chave de ouro que fechou as temporadas dessa comovente série, tão única, com personagens mais densos, roteiro de tirar o fôlego, surpresas e reviravoltas inacreditáveis. Se tem uma coisa que não mudou desde o início e se acentuou ainda mais na terceira temporada foi a máxima que nem tudo é o que parece.

A personagem que mais me arrancou suspiros foi Bianca, interpretada majestosamente por Letícia Sabatella. Uma mulher que perdeu os pais cedo numa fatalidade, sofre violência doméstica e tem um filho pequeno para criar. Porém, ela é muito mais que isso, indo além do que se pode perceber.

Ainda outros personagens como uma paciente com TOC, questão digníssima de ser abordada numa série como essa, tendo em vista que muitos brasileiros sofrem com essa doença ainda tão discriminada. Um adolescente alcoólico que é emancipado, órfão de mãe e pai ausente, o que o levar a ter uma relação admirável com o psicólogo. Um engenheiro homossexual que vive um relacionamento de fachada com a namorada por medo do julgamento da mãe, e também por estar preocupado com o seu ambiente de trabalho e as influências que poderia perder por preconceito, algo triste, porém ainda sim muito real. Por fim, nessa temporada, a terapeuta com quem Theo fazia supervisão está mais ausente, uma vez que ele resolveu fazer supervisão em grupo.

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Precisa falar mais? Uma direção magnífica, um roteiro inovador de Jaqueline Vargas, que rendeu até um livro, por sinal excelente, escrito pela mesma. E nomes como: Zé Carlos Machado, Maria Fernanda Cândido, Letícia Sabatella, Bianca Comparato, Selma Egrei, Milena Toscano, entre tantos outros grandes atores e atrizes. Séries como Sessão de Terapia nos fazem acreditar na produção cinematográfica e cultural brasileira. Porque não, aqui nós não temos apenas besteirol.

”Qual parte você gostaria de apagar em você, qual parte é o seu inimigo?”