Quando o Bowie ressurgiu das cinzas e interrompeu um hiato de 10 anos sem um novo disco de inéditas, muitos já haviam dado o britânico como acabado. Sua longa carreira, formada por uma imensa constelação de clássicos, merece respeito, só que fazia tempo que ele não gravava algo impactante de fato.

Mas aí é que está o grande lance, se ele não tivesse gravado o ótimo ”The Next Day” (2013), a súmula desse genial senhor seguiria intacta. Afinal de contas, pouquíssimos músicos trabalharam com tantas vertentes e obtiveram o sucesso que esse excêntrico monsenuer.

art-fund-id01

Só que os gênios não param. Mentes como a do Bowie (”Bawie” para os britânicos), não encerram o expediente, tampouco atingem o sepulcral patamar do silêncio, ainda mais depois de voltar com um disco do nível do ”The Next Day”.

Por isso, se você achou o trabalho anterior do Thin Withe Duke especial, espere até ouvir os experimentos de ”Blackstar”, o disco mais transgressor que o músico lançou desde ”Low” e sua soberana fase Berlim. Essa é pra quem dizia que o Aladdin Sane não manjava de Jazz. Amadores…

Line Up:
David Bowie (vocal/violão/arranjos)
Tim Lefebvre (baixo)
Mark Guilliana (bateria/percussão)
Donny McCasling (saxofone/flauta)
Ben Monder (guitarra)
Jason Lindner (piano/órgão/teclado)
James Murphy (percussão)

David-Bowie-Blackstar

Track List:
”Blackstar”
”Tis A Pity She Was A Whore”
”Lazarus”
”Sue (Or In A Season Of Crime)”
”Girl Loves Me”
”Dollar Days”
”I Can’t Give Everything Away”

O Bowie sabe tanto de Jazz, que manipular o estilo sem nenhum aditivo seria meio monótono, por isso que aqui ele misturou as camadas conservadoras com experimentos eletrônicos, e até um pouco de Free Jazz pra dar uma liga.

Esse disco cumpre a tarefa de ser melhor que o ”The Next Day”, mas perto dos feitos de ”Blackstar”, isso talvez seja pouco. Mais do que uma nova dose de criações inspiradíssimas, David volta para nos lembrar que a música boa, a que fica para ser resenhada nos livros de história, é absolutamente intrigante.

71mlZsHpkuL._SL1500_

E se tem alguém que ninguém consegue definir é o Sr. Bowie, e agora, sua mais nova cria, a incógnita chamada Blackstar. Mais um dos heterônimos de um mestre que brincou com a prosa imaginária de Fernando Pessoa.

Um visionário que criou um exército de faces subversivas que, mais do que mostrar novas perspectivas, criou incontáveis elos que dialogam com diversos públicos. Fazendo com que várias pessoas gostem de outros David’s, mesmo ele sendo apenas um Bowie.

Por isso, não importa se ele soltou esses 40 minutos de pérola lunar no dia de seu aniversário de 69 solstícios, pois se o aniversário é dele, o presente foi nosso. E aqui o ”mimo” é, se dúvida alguma, o disco mais sinuoso desde o transgressor ”Low”, liberado em 1977.

helden

Provando que mesmo após décadas na música, rompendo a barreira do espaço tempo entre a era analógica e o estardalhaço da digitalização, David mais uma vez foi além e trabalhou com as ferramentas disponíveis utilizando tudo com 100% de capacidade.

Seja em ”Sue (Or In A Season Of Crime)”, single gravado especialmente para o lançamento do box, ”Nothing Has Changed” ou para o conto épico que virou um chapante curta conceitual, ao som da faixa título.

Não importa, ver o Sir desfilando suas vozes sem efeitos, harmonizando outras (com efeitos), junto com a piração da bateria eletrônica, e uma união de músicos fantásticos entre sax e guitarras, resultou num CD que espanta pela classe, domínio de repertório e refrescância.

eno_fripp_bowie

Por que meu rapaz, se a arte imita a vida ou vice versa, pode crer que essa tal de biologia do cotidiano fez sample do Sr. Ziggy lá atrás, e hoje também. Os metais envenenadíssimos de ”Tis A Pity She Was A Whore”… A bateria nos tempos quebrados, o tilintar de fritações Frippianas ao fundo nas teclas. O menino aprendeu com os melhores, fala ai Brian Eno?!

E aprendeu tudo. É capaz de colocá-lo de joelhos com ”Lazarus”, talvez sua lestra mais bonita em décadas, como também consegue criar ambientações que descontroem a palavra ”instrumental”. O riff da guitarra em ”Lazarus” é tudo, menos um riff comum. A guitarra queima sua veias, a bateria vira um contratempo dos beats programados e o sax eleva o ouvinte de uma forma que parece que você vai levitar.

Deixa você em frangalhos, lhe mostra o que é ser livre. Questionando dogmas finitos como o tempo em ”Girl Loves Me”. Contando o troco de mais uma sublime balada ao som das lágrimas de ”Dollar Days” e remodelando o status da morte para o ápice de proeza artística no tema que finaliza um dos trabalhos mais marcantes desse milênio. Um clássico mesmo, pra fazer frente às glórias de outrora e nos fazer concluir:

O A.C & D.C eram códigos para: antes do camaleão e depois do camaleão. O gosto é metálico, parece fuligem com Kraftwerk e, não, não foi o Moisés quem dividiu o Mar Vermelho. Aladdin Sane precisava de um tom mais escuro.