Carl Barks: O Mestre Das Histórias em Quadrinhos

Em 2004, a Editora Abril iniciou um projeto chamado ‘O Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks’. A ideia desse projeto foi comemorar os 70 anos do Pato Donald e, por tabela, homenagear seu magnífico criador, Carl Barks, o mestre das histórias em quadrinhos.

Essa coleção compreendeu mais de 25 anos do trabalho de Barks, reunindo o melhor do conteúdo produzido por ele.

De todas as tiras de jornal publicadas desde o século XX, de todas as revistas em quadrinhos criadas até hoje, os trabalhos do roteirista e desenhista Carl Barks constam entre os melhores.

Quando se fala de quadrinhos divertidos, incrivelmente imaginados, genialmente elaborados, inspiração para crianças e adultos no mundo todo, o mestre Barks é insuperável.

Inventivo, sagaz, criativo, inovador, preciso, detalhista. Assim ele era como profissional e como pessoa.

Carl Barks vendeu mais gibis do que qualquer outro quadrinista de sua época. Ele não era o que mais faturava, considerando os ínfimos U$0,15 que custavam seus primeiros gibis. Mas, com o tempo, esse valor foi aumentando em proporção ao sucesso: hoje, cada gibi é vendido por, no mínimo, U$2.000,00.

Filho de trabalhadores rurais, Barks passou a infância entre o Oregon, seu Estado natal, e a Califórnia, onde morou por muito tempo em um rancho alugado por seus pais. Frequentou escolas precárias, sujas, de uma sala só, afastadas da cidade grande.

Durante as aulas e também no intervalo entre elas, Barks gostava de desenhar, coisa que raramente abria mão de fazer. Seus primeiros esboços foram feitos em uma velha lousa de ardósia que ele encontrou no fundo de um depósito de lixo.

Após concluir o colegial, Barks trocou a rotina de estudante pela de agricultor, uma vez que a I Guerra Mundial estava em curso e os jovens que se alistavam no exército recebiam até $5 dólares/dia por serviços nos campos de cultivo.

Barks nunca foi adepto da vida urbana. Como reflexo de sua personalidade, ele preferia a vida rural, menos agitada e mais pacífica.

Em suas obras, Barks flerta com a ficção científica, fantasia, mitologia, ecologia, política e economia. Inclusive, muitas de suas histórias são ainda hoje aplicadas em aulas de economia como estudos de caso.

O americano faleceu em 25 de agosto de 2000, não resistindo à devastadora quimioterapia que vinha se submetendo para controlar a leucemia, diagnosticada um ano antes. Após pedir aos médicos a suspensão dos medicamentos que o mantinham vivo, Barks morreu em casa, tranquilamente, enquanto dormia (como era seu desejo).

Contudo, antes de falecer, ele tratou de deixar um legado imortal de pura magia e entretenimento para os fãs de storytelling animado.

O legado de Carl Barks na Disney

De 1935 a 1942, Barks trabalhou nos estúdios de cinema Disney como intercalador de imagens, e depois como argumentista de gags. Em 1943, abandonou o mundo cinematográfico para se dedicar exclusivamente aos quadrinhos do Pato Donald, sua primeira criação.

Ao longo da carreira, o americano desenhou nada menos que 6 mil páginas e mais de 500 histórias, influenciando com elas incontáveis artistas em diversos campos do entretenimento.

Os escritórios administrativos da Disney para os quais Barks respondia ficavam em Nova York e, portanto, toda a comunicação entre ele e seus superiores era feita pelo correio, esse era o maior fator limitante da relação.

Em vários anos de serviço nos estúdios Disney, Barks acabou desenvolvendo um método criativo peculiar, como ele mesmo conta:

“A construção de uma história sempre começava com a inspiração de uma situação engraçada envolvendo os patos. Então, eu pensava em pequenas gags que se aplicavam àquele contexto, e escrevia tudo numa folha de papel. Às vezes, eu acordava no meio da noite com uma boa ideia e tomava nota para usá-la em alguma história. Depois de reunir gags suficientes para fazer uma história interessante, eu as colocava em sequência para redigir uma sinopse com começo, meio e fim.”

Barks criava seus roteiros à mão, em papel pautado, e não os mostrava a ninguém. Depois, ele organizava os argumentos em painéis contendo descrições de ação dos personagens. Só então os diálogos eram incluídos em cada quadro.

“Eu lapidei e lapidei os scripts e desenhos até que tivesse feito o melhor possível no tempo disponível. Não foi genialidade nem qualquer talento incomum que tornou as histórias boas. Foi paciência e um grande cesto de lixo.”

O americano geralmente ambientava suas histórias em Patópolis (lar da maioria de seus personagens), ou então em ambientes bucólicos e rupestres, praias e campos verdejantes, planícies assoladas e montanhas nebulosas, mares tempestuosos e ilhas paradisíacas, pântanos uivantes e geleiras monumentais, cidades abandonadas e cavernas espectrais.

Suas maiores referências de conteúdo eram a revista National Geographic – de onde tirou mais da metade das informações visuais de suas histórias –, e a Enciclopédia Britânica.

Diferentemente do que ocorre na grande maioria das novelas e histórias em quadrinhos, os enredos de Barks não necessariamente seguem uma cronologia. Os episódios narrados independem um do outro. Eles não deixam pontas soltas, nem âncoras para o que virá a seguir.

“Eu simplesmente construí cada história e as finalizei com uma conclusão cômica, sem me preocupar se ela faria algum sentido, e nunca pensei em remeter o leitor a um episódio anterior. Minhas histórias encerram-se em si mesmas, o que as torna livres de qualquer ordem cronológica.”

Em relação a humor, Barks era genuinamente atemporal. Sua comicidade sobrevive à passagem do tempo, afinal, suas obras continuam fascinando uma legião de fãs em todo o mundo. Sobre essa questão, o editor e pesquisador Bruce Hamilton afirma:

“A prova de fogo do humor clássico consiste em aferir se uma história permanece engraçada na segunda vez em que é consumida. Quem conhece o legado do Homem dos Patos sabe que suas histórias divertem mesmo após a décima leitura.”

O cineasta George Lucas complementa:

“As histórias de Barks têm movimento cinematográfico; começo, meio e fim bem definidos. Elas avançam em cenas, diferente de tantos outros gibis. As histórias de Barks não se movem simplesmente de um quadrinho para outro; elas fluem em tomadas ininterruptas, que conduzem a outras tomadas, como num filme.”

Desde 1987, Barks figura merecidamente no Jack Kirby Hall Of Fame, o Olimpo dos quadrinistas. E, em 1991, o Tio Patinhas, seu personagem mais icônico, foi elencado à condição de lenda pelos Estúdios Disney.

A crítica Barksiana

Barks era um profissional extremamente crítico. Sempre de forma sutil, para não beirar o sarcasmo, ele utilizava argumentos para criticar construtivamente temas que, para ele, impactavam (e ainda impactam) desastrosamente na sociedade.

Os temas que ele mais criticava eram os seguintes:

  • O método de conduta do típico capitalista: a individualidade, o sacrifício pessoal, a determinação no trabalho, a acumulação de capital e a ambição por poder do homem de negócios.
  • O superprotecionismo materno: o exagero no senso de responsabilidade de uma mãe para com o filho como aspecto retrógrado no desenvolvimento educacional na fase de criação.
  • A relação burguesia/proletariado: a supremacia de uns (os privilegiados) erigida pelo esforço e trabalho de outros (os explorados).
  • A superpopulação: a incompatibilidade entre a preservação da natureza e o progresso desenfreado, a exploração e uso inconsequente de recursos naturais e o comprometimento vital de ecossistemas.
  • A inflação: o aumento recorrente das taxas de impostos pelo governo sem garantia de retorno em benefícios e qualidade de vida para o povo. 

Os 10 personagens principais de Barks

Dezenas de personagens foram frutos da imaginação de Carl Barks, todos eles com personalidade bem definida e autêntica. Dentre suas criações, as 10 mais conhecidas são:

1) Tio Patinhas: um pato rico e avarento, que se preocupa tanto em ganhar dinheiro quanto em conservar sua fortuna mas, acima de tudo, um ser honesto, perseverante, determinado e de coração mole.

2) Donald: um pato impulsivo, irascível, descuidado e preguiçoso, mas muito caridoso e solidário.

3) Os Sobrinhos: os três patinhos mais inteligentes de Patópolis.

4) Professor Pardal: o grande inventor de Patópolis; maleável, ágil, resoluto e extremamente criativo.

5) Gastão: o pato mais sortudo de Patópolis; egoísta, preguiçoso, sarcástico e incrivelmente oportunista.

6) Margarida: uma pata mimada, exigente, muito doce e amável, exageradamente vaidosa e superficial.

7) Vovó Donalda: a avó do Donald; uma senhora bondosa, simpática e prestativa.

8) Irmãos Metralha: gangue criminosa que representa a maior ameaça ao Tio Patinhas e sua riqueza.

9) Mac Mônei: o segundo pato mais rico do mundo; magnata frustrado, intolerante e colérico, embora bastante ambicioso e pertinente.

10) Maga Patalójika: uma pata charmosa, atraente, provocadora e traiçoeira; a inimiga mais perigosa do Tio Patinhas.


Para concluir, cabe a frase carinhosa do músico Roger Moreira sobre a obra de Barks:

“Tive a sorte de crescer lendo as maravilhosas histórias de Carl Barks. Eu não sabia quem desenhava e escrevia aquelas aventuras, já que não havia créditos. Também não sabia quem era Barks, pois só vim a descobrir sua identidade muito tempo depois, mas eu era capaz de reconhecer seu estilo: o traço expressivo e bonito, os cenários realistas, as narrativas cativantes, com enredos inteligentes e um conhecimento preciso de geografia – o que conferia ainda mais credibilidade a suas deliciosas histórias e aumentava meu interesse por elas. Ter a obra completa do Homem dos Patos é ter um tesouro.”