Kurt Cobain

Cobain: Montage of Heck tem olhar intimista e perpetua mito de Kurt Cobain

Cobain: Montage of HeckAntes de assistir a Montage of Heck, acho que vale a pena dar uma olhada no documentário da BBC Kurt Cobain: All Apologies, na Netflix, para ter um apanhado geral de parte da vida do músico e do Nirvana. No mais recente, e oficial documentário, nos é dado um olhar completamente intimista dos 27 anos de vida de Kurt Cobain. O projeto começou em 2007 quando Courtney Love, a ex-mulher de Cobain e, talvez, a pessoa mais criticada em relação à morte do marido, trouxe a ideia para o diretor Brett Morgen. Daí, o documentarista teve total acesso aos arquivos pessoais da família e de Cobain, desde sua infância até seus últimos anos de vida.

A estrutura que Morgen utilizou para montar o filme tem uma certa pegada de doc fiction, num mix de fitas caseiras intercaladas com áudios do músico ou do Nirvana por cima de desenhos, com animações da adolescência de Kurt em seu quarto escrevendo letras ou fumando maconha. Acompanhar as fitas feitas pela família quando ele ainda era um bebê e, posteriormente, aquelas de sua fase jovem/adulta contribui bastante para nos questionarmos a respeito das conveniências do destino para a produção do documentário. É uma trajetória singular, a vida de Kurt, registrada em diversos momentos ímpares.

Cobain: Montage of Heck

Pode-se dizer que o filme é dividido em três atos, mas não há uma sequência fixa para tais, pois está sempre voltando em uma memória de alguma época diferente da vida de Kurt. A vida de Kurt Cobain parecia ser uma série de predestinações. Sua infância é, definitivamente, a fase mais branda de sua turbulenta vida. Através das fitas de vídeo da Super 8 da família Cobain assistimos a um pequeno Kurt Cobain inquieto, hiperativo, cheio de energia, e cercado de pessoas que veneravam o bebê de cabelos louros e olhos azuis. Sua família era de Aberdeen, uma cidade de Washington, onde divórcios eram vistos com maus olhos.

Nas primeiras falas de sua entrevista, Wendy Cobain (a mãe) revela que, após uma ida ao médico, Kurt tomou uma dose de Ritalina e sua reação foi intensa, estranha. O médico disse que havia algo esquisito com ele. Sua relação com o pai, Don Cobain, era complicada. Sua autoestima era constantemente afetada pelo menosprezo e humilhações as quais o pai o submetia. O divórcio dos pais foi o ponto de partida para a rebeldia e sentimentos conflituosos que estavam por vir. Pulou de casa em casa de familiares, mas não conseguia se encaixar na família que tinha — o controverso é que, apesar de não se ajustar nela, queria ter uma. Segundo sua irmã, Kim, ”Kurt lutava contra o que queria”, uma família. O verdadeiro esteriótipo do adolescente causador de problemas, entretanto, incompreendido.

Na puberdade encontrou sua válvula de escape de seus infortúnios: a maconha. Vale elogiar a cena animada do primeiro contanto com a droga, em que o instrumental de Smells Like Teen Spirit é o plano de fundo para a narração da sequência. Como dito no início da crítica, o suicídio sempre o rondou e, obviamente, ele o tentou na adolescência. Fica muito claro que desde esta época o pensamento de tirar sua vida sempre fervilhava em sua mente. Seu encontro com o underground foi mais uma predestinação, afinal ele procurava por algo que não o fizesse se sentir sozinho, e achou no submundo das letras depressivas e das drogas um companheiro. Prestando atenção, nota-se mais uma nuance de sua mente desequilibrada: sua fixação por bebês (a capa do Nevermind, a barriga de grávida explodindo etc). O contexto de seu crescimento, vulgarmente falando, foi bem ferrado. Juntando a isso sua depressão crônica, há grandes estimulantes para sua mente brilhante trabalhar em cima do punk. Nasce aí o Fecal Matter e, conseguinte, o Nirvana.

Cobain: Montage of Heck

Foi em 1987 que experimentou a heroína, usando-a, segundo o relato do mesmo, dez vezes entre 1987 e 1990. Foi uma automedicação por conta de constantes dores no estômago, graves o suficiente para considerar o suicídio. Olha aí. Sua vida tresloucada foi intensificada com a chegada de Courtney Love, amada por Kurt e odiada pelos fãs do mesmo. Courtney foi bem liberal ao deixar toda a intimidade do casal ser mostrada no documentário. É evidente o carinho que sentiam um pelo outro, o que torna a película bem densa a partir do momento que as fitas do casal perambulam pela tela. O estado de loucura causa certo desconforto a quem assiste porque é a partir daí que Kurt começa a trilhar o caminho até sua morte.

O fato de Love ter usado heroína durante a gravidez é mostrado sem receios. O olhar transmitido pelo filme na vida amorosa deles pode ser um tiro pela culatra: aqueles que culpam Love pela morte de Cobain têm seus argumentos ainda mais reforçados com as video tapes do casal. É bem salientada a perseguição que Love sofria da mídia, sendo tachada como a vilã por várias razões. A vida desregrada de ambos acarretou no fim de um deles. Kurt nasceu em uma família disfuncional e construiu outra talvez mais ainda, mas é notório que com Courtney e sua filha ele achou o que procurava na primeira. Mas sua mente perturbada falou mais alto. Kurt Cobain foi mais um daqueles grandes nomes que carrega uma genialidade absurda nas costas, encanta o mundo com ela, mas que o responsável para tal é um prego pressionando suas feridas. O prego de Kurt foi sua tendência autodestrutiva, sua depressão crônica, o uso deliberado de drogas, e uma mente perturbada. Ele era uma bomba relógio.

Cobain: Montage of HeckA ausência de Dave Grohl, com quem Love não se relaciona bem, é explicada pela agenda do músico. Mas sabemos o real porquê. Sua filha, Frances Cobain, serviu como co-produtora do documentário. Montage of Heck foi uma compilação de quatro fitas gravadas por Kurt em 1988, com duas versões.