O ano de 2018 já vale por séculos. Desde janeiro, muito já se falou sobre as eleições presidenciais de outubro, os escândalos de corrupção envolvendo a cúpula do presidente Michel Temer, a nomeação de Cristiane Brasil ao Ministério do Trabalho e o impedimento quatro dias depois e, enfim, a condenação do ex-presidente Lula em segunda instância.
“Vai ser difícil para os historiadores compilar todo esse momento do Brasil e contar às gerações futuras”, comenta o cientista político Humberto Dantas, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP). Alguns, no entanto, podem ajudar a entender como chegamos aqui e, não à toa, já são destaques em livrarias online e físicas.
A seguir, três sugestões que podem ajudar:
Raízes do Brasil (1936) – Sérgio Buarque de Holanda
Em um dos livros fundamentais para compreender o brasileiro, o que Buarque busca são explicações sobre as origens culturais e sociais dos cidadãos do nosso país na história da colonização portuguesa.
Para ele, Portugal não se preocupou em investir meios tecnológicos e novas capacidades de produção nos seus territórios além-mar, mantendo-os apenas como uma espécie de “troféu” aos europeus. O comportamento descompromissado durante o período colonial contrasta com a conquista holandesa no Nordeste, que se baseava no investimento em meios avançados para exploração da terra.
O conceito mais famoso do livro, porém, é o de homem cordial. Inspirado na obra do sociólogo alemão Max Weber, um dos escritores mais importantes da história da Sociologia, Sérgio Buarque demonstrou que, por uma série de aspectos históricos, os brasileiros não se ajustaram à impessoalidade do Estado moderno, baseado na burocracia e na racionalidade. Ao contrário, eles observam esses processos de forma pessoal – ou cordial.
“A ideia do homem cordial é do homem que reage conforme seu coração, tanto para o bem como para o mal: é capaz de grandes efusões amorosas, mas também de inimizades violentas. O brasileiro ainda tem a inclinação de levar tudo para esse lado. É incapaz de obedecer uma hierarquia muito rígida, de disciplina rigorosa. Ele tende a travar contatos amistosos, encurtar distâncias”, analisou o cantor e compositor Chico Buarque, filho de Sérgio, no documentário Chico – Ou o país da delicadeza perdida, de 1990.
A ideia de cordialidade do brasileiro seria utilizada por muitos escritores contemporâneos para explicar questões como a corrupção na administração pública do país e o famoso “jeitinho brasileiro”, traço cultural estruturado na informalidade.
Negócios e ócios: histórias da imigração (1997) – Boris Fausto
O paulistano Boris Fausto tem uma carreira acadêmica quase totalmente dedicada à História. Ainda que tenha se formado em Direito pela Universidade de São Paulo, em 1962, concluiu ainda nos anos 1960 a licenciatura em História pela mesma universidade, onde também se fez Mestre e Doutor estudando aspectos históricos do Brasil.
Membro da Academia Brasileira de Letras desde 2001, ele possui uma vasta obra historiográfica do país, em que se destacam História do Brasil, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro Didático, e Negócios e ócios: histórias da imigração, que também levou o Prêmio Jabuti de 1998 na categoria Melhor Livro de Ciências Humanas.
Nessa obra, Fausto conta a história da imigração da sua família – mãe turca e pai romeno – para São Paulo, situando em paralelo os ajustes que a sociedade brasileira precisou fazer para receber estrangeiros durante a primeira metade do século XX.
Um livro essencial para entender como o Brasil se preparou para uma das mudanças mais significativas de sua sociedade durante aquele período.
Cidadania no Brasil (2001) – José Murilo de Carvalho
O mineiro José Murilo de Carvalho, por sua vez, tem em Cidadania no Brasil: O longo caminho, de 1991, seu grande livro. O autor se amparou na obra do sociólogo britânico Thomas Marshall, que, observando a história da Inglaterra, desenvolveu uma linha de evolução da cidadania em três níveis de direitos oferecidos aos governados.
Segundo Marshall, os primeiros direitos que a população inglesa recebeu foram os civis (ir e vir, se expressar), passando pelos políticos (votar) e chegando, enfim, aos sociais (educação, saúde).
Murilo, porém, percebeu que esse desenvolvimento não se deu da mesma forma no Brasil: também por uma série de aspectos políticos – como os fatos que envolveram o primeiro período Vargas (1930-1945), os brasileiros se apropriaram primeiro dos direitos sociais, exemplificado na criação da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).
Somente depois desse momento é que os brasileiros tiveram acesso aos direitos civis e, por fim, aos políticos, com a Constituição de 1988.
Em uma recente entrevista ao site El Papiamento, Murilo demonstrou pessimismo com a democracia brasileira.
Para ele, a última constituição não foi capaz de eliminar as pressões originárias de uma sociedade muito desigual com um maior acesso à representação política.
“Hoje, a briga é entre cidadãos comuns, amigos, colegas e parentes, o que pode deixar algumas cicatrizes”, analisou.