Maomé: “É difícil ser amado por idiotas!”

O massacre em Charlie Hebdo deixou um luto na liberdade de expressão. Na manhã de 7 de janeiro de 2015, três terroristas invadiram o prédio do semanário e, armados com kalashnikovs, assassinaram 12 pessoas, fugindo na sequência a bordo de um carro, dirigido por um quarto envolvido.

O diretor da publicação Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, foi uma das vítimas. Outros três cartunistas também foram mortos: Cabu, Tignous e Georges Wollinski, esse último, em especial, referência para muitos ilustradores.

Não é preciso ser Sherlock Holmes para atribuir esse crime a radicais islâmicos, mesmo antes de já ter sido provado.

Charlie Hebdo
‘O amor é mais forte que o ódio’. Charlie Hebdo nº, 1012, 9 de novembro de 2011.

1) Charlie Hebdo é uma das publicações mais destemidas do mundo. As charges provocativas do semanário têm irritado os seguidores de Maomé há anos. Não por menos, a religião é um dos principais alvos da metralhadora satírica do Charlie.

2) Os homens encapuzados procuraram os cartunistas pelos seus nomes e gritaram “Vingamos o Profeta”antes de dispararem os tiros.

Fundado em 1970, o Charlie Hebdo é uma das principais vozes alternativas França. Alternativa de verdade. Vivendo sempre no atrito e cutucando em todas as polêmicas do planeta, recebia eventuais proteções da polícia desde 2011, ano em que sua sede, em Paris, sofreu um incêndio criminoso, “misteriosamente” após publicar uma edição com Maomé na capa. A resposta ao ataque veio na edição seguinte (imagem ao lado).

Charlie Hebdo - Capa (4)
Charb posando com a capa polêmica. ‘100 chicotadas para quem não morrer de rir’, dizia Maomé, na charge. | Foto: Alexander Klein (AFP)
Charlie Hebdo - Capa - Dezembro 2014 (2)
Charlie Hebdo nº 1.176, 31 de dezembro de 2014

Um semanário que muitas vezes age com a mesma acidez contra o governo da França recebe ao mesmo tempo sua proteção. No Brasil da década de 1970 aconteceu algo parecido, mas um pouco ao contrário (entenda como quiser), já que quem tentou assassinar os jornalistas d’O Pasquim foi o próprio governo.

É provável que franceses e viciados em quadrinhos e em jornalismo conheçam o Charlie Hebdo. E só. Até na França sua popularidade vinha caindo nos últimos anos. As vendas diminuíam a passos largos e o semanário só se manteve íntegro e vivo até hoje por puro amor à camisa.

As críticas que o Charlie Hebdo fazia não só ao islã, mas a todas as religiões, nunca foram tão disseminadas no mundo como hoje. Jamais a internet movimentou tantas capas profanas e perturbadoras do semanário. Os responsáveis pelo crime aumentaram a popularidade da publicação em escala gigantesca. Nunca na história o Charlie Hebdo foi tão lido e comentada como hoje. A página do Charlie Hebdo no Facebook antes do atentado concentrava pouco mais de 300 mil seguidores. Olhem agora como está.

Ficou evidente que na tentativa de silenciá-los, acabaram por amplificar suas vozes. Deve ser difícil ser amado por idiotas.

Charlie Hebdo - Capa (3)
Charlie Hebdo edição especial. ‘É difícil ser amado por idiotas’, diz Maomé.