Em uma sociedade que exalta a produtividade como virtude e o desempenho como critério de valor pessoal, encontrar espaço para o lazer livre de cobranças pode parecer quase um luxo. Mas, na contramão dessa lógica, cresce o movimento que resgata o valor do hobby como aquilo que ele originalmente deve ser: um momento de prazer, e não uma obrigação.
Ter um hobby é mais do que apenas preencher o tempo livre. Ele funciona como um respiro no meio da rotina acelerada, um espaço de pausa em que não é preciso corresponder às expectativas externas. Especialistas destacam que atividades prazerosas e criativas podem ter impactos significativos na saúde mental e emocional, mesmo – ou principalmente – quando não estão ligadas à performance.
O problema surge quando essa lógica de produtividade começa a se infiltrar também nos momentos de lazer. O desejo de mostrar habilidade, monetizar ou até transformar o passatempo em carreira pode esvaziar justamente o que torna o hobby valioso: a liberdade. É aí que hobbies simples, como desenhar, tocar um instrumento, escrever ou fazer crochê, passam a ser julgados pelo seu “resultado final”, e não pela experiência em si.
A importância de “brincar” na vida adulta
Embora o brincar seja tradicionalmente associado à infância, ele é essencial também na vida adulta. Atividades lúdicas e manuais ativam partes do cérebro ligadas à criatividade e ao relaxamento, além de ajudarem no combate ao estresse e à ansiedade.
Um levantamento publicado pela American Journal of Public Health, em 2010, revisou mais de 100 estudos sobre o impacto das artes criativas na saúde. A análise mostrou que atividades como pintura, música e escrita criativa reduzem sintomas de ansiedade e depressão e promovem o bem-estar emocional.
A pesquisa foi conduzida por um grupo de pesquisadores da Universidade Drexel, nos Estados Unidos, liderados pela doutora Heather Stuckey. Mais recentemente, um estudo da Harvard Medical School, publicado em 2022, mostrou que dedicar tempo regular a hobbies está associado a níveis mais baixos de cortisol, o chamado “hormônio do estresse”.
A pesquisa acompanhou cerca de 1.200 adultos, durante 12 meses, com medições periódicas dos níveis hormonais e entrevistas qualitativas. Os participantes que mantinham hobbies ativos relataram melhor qualidade de sono, maior concentração e sensação de pertencimento.
Além disso, um levantamento feito pela empresa de investimentos Warren, em parceria com a consultoria MindMiners, em 2021, mostrou que 76% dos brasileiros afirmam ter algum hobby, mas apenas 38% se dedicam a ele de forma constante. Entre os principais motivos apontados para o abandono ou a descontinuidade do hobby, estão a falta de tempo e a sensação de que não são “bons o suficiente” na atividade.
O prazer de fazer por fazer
“Você não precisa ser bom no seu hobby” é mais do que uma frase reconfortante: é um lembrete necessário. Não é preciso cantar como um artista premiado para amar música nem ter uma técnica refinada para pintar aquarelas. A experiência de criar, errar, refazer, abandonar e retomar é parte da liberdade que o hobby proporciona.
E isso vale também para os hobbies manuais, como o crochê. No meio da popularização do “faça você mesmo” e do retorno aos saberes tradicionais, atividades como tricô, bordado e costura ganharam espaço entre mulheres de diferentes idades e contextos, e as agulhas de crochê se destacam como uma espécie de símbolo silencioso de reconexão consigo mesma.
Uma pesquisa de 2018 conduzida pelo University College London e publicada na revista BMJ Open investigou os efeitos das artes manuais na saúde mental de 8 mil pessoas com mais de 50 anos. Os participantes que se envolviam em atividades como crochê, tricô e pintura ao menos uma vez por semana relataram níveis mais baixos de solidão, estresse e sintomas depressivos.
O estudo sugere que o envolvimento regular em atividades criativas pode até mesmo retardar o declínio cognitivo. Muitas mulheres relatam ter encontrado no crochê uma forma de terapia pessoal. Sem a necessidade de alcançar um padrão de beleza nas peças produzidas, o simples ato de tecer com as mãos – linha por linha, ponto por ponto – se transforma em um ritual de calma. É uma conversa entre silêncio e movimento, entre paciência e presença.
O que importa é o tempo que te pertence
Em um mundo em que o tempo parece sempre escasso, reivindicar horas para um hobby é também um ato de autocuidado. É permitir-se viver momentos de prazer que não precisam se justificar. Não é preciso “melhorar” nem mostrar resultado. O tempo que se dedica ao hobby não precisa ser produtivo. Ele precisa apenas ser.
No fim das contas, o verdadeiro valor de um hobby está naquilo que ele traz de volta: descanso, criatividade e sensação de pertencimento.
Em tempos de redes sociais, em que tudo parece precisar de uma vitrine, os hobbies também passaram a ser alvo de comparação. É fácil se sentir inadequado ou inadequada ao ver alguém transformando um passatempo em fonte de renda, ou ganhando destaque por algo que, para você, ainda é tentativa e erro.
Mas é justamente nesse cenário que a resistência silenciosa de praticar algo sem pressa, sem intenção de expor ou lucrar, ganha força.