A poesia analógica de Tom & o lado louco de Zé

Dentre as várias memórias que tenho em meu HD cerebral uma sempre se destaca das demais. Em um dia comum estava em casa brincando com meus bonecos e ouvi na TV uma das coisas mais interessantes, cientificamente falando. Não me lembro o nome do fulano, mas sei que este cidadão morreu, porém antes de o fazer deixou claro que gostaria de doar seu cérebro para estudos do ramo das ciências.

Quando ouvi a repórter falando isso até parei de brincar. Fiquei imaginando a cena e tentando entender como os cientistas iriam tirar algum tipo de conclusão. Passados mais ou menos dez anos desse dia ainda não tenho a mínima ideia de como isso é feito, mas sei que se o Tom Zé deixasse eu seria um dos primeiros na fila para ver como sua cabeça funciona, e não, não estou querendo matar o gênio, quero apenas saber como sua brilhante mente funciona. “Vira Lata na Via Láctea” é, para variar, um dos discos mais interessantes do ano.

Quando comecei a publicar textos na internet sempre tive um objetivo, ficar satisfeito com meu conteúdo. Escrever requer muito mais do que apenas tempo, ou até mesmo vontade. Aprendi gradualmente a prestar atenção em tudo que ouvia, e foi ai que a MPB ganhou mais destaque nas minhas playlists.

Logo de cara fui apresentado ao Tom Zé, e já faz bastante tempo que tento captar algo de sua música e colocar em minhas linhas. Tom fala pouco e diz muito, diz tanto que já ouvi sua discografia uma par de vezes e sigo sempre repetindo os discos pois faltam detalhes a serem pescados.

Tom pode ser direto, possui classe para fazer rodeios, fala por metáfora e usa um palavrão tal qual um lord inglês. Ele domina a língua, e em sua mão as palavras dobram, torcem, viram do avesso. Ele tem pleno controle e seu discurso sai exatamente do jeito que ele bem entende.

Tom Zé (2)
Foto: André Conti

E disco após disco ele segue manipulando seu discurso de uma forma impressionante, com rimas que a princípio surgem relaxadamente estabanadas, mas que com a conexão de apenas uma palavra já torna uma estrofe genial. E neste novo trabalho, seu décimo quinto de estúdio, a criatividade se mantém pulsante e sua vontade em se reinventar no alto de seus 78 anos é contagiante.

O disco abre com “Geração Y” e os ET’s dento dos HD’s, passa por “A Quantas Você Anda” e uma das três participações da Trupe Chá de Boldo, conversando o novo com o velho, ambos de forma bem freak-fresca e atual. Faz um pit stop no Grajauex do Criolo e mete uma sambeira raiz….Chama O Terno em duas oportunidades, faz o Milton Nascimento bater cartão e ainda segura o Caetano Veloso pra fechar o disco.

O disco é muito cristalino na audição dos arranjos e na qualidade dos mesmos, Tom segue voando baixo e repete a fórmula de um disco recente (e também de sucesso) dentro de sua óbra, falo sobre “Tropicália Lixo Lógico”, lançado em 2011. Tom além de continuar mostrando que é gênio abre espaço para as relevações. Está pra nascer um baiano mais arretado que esse. Som para gratinar o vocabulário, obrigado pela oportunidade, Zé!

Tom Zé - Vira Lata na Via Láctea - 2014 - Capa

Track List:

1. Geração Y
2. A Quantas Você Anda – Trupe Chá de Boldo
3. Banca de Jornal – Kiko Dinucci/Criolo
4. Cabeça de Aluguel – O Terno
5. Pour Elis – Kiko Dinucci/Rodrigo Campos/Milton Nascimento
6. Esquerda, Grana e Direita
7.  Mamon – Silva
8. Salva Humanidade – Trupe Chá de Boldo
9. Guga Na Lavagem – Filarmônica de Pasárgada/Tatá Aeroplano
10. Irará Irá Lá – Trupe Chá de Boldo
11. Papa Perdoa Tom Zé – O Terno
12. Retrato Na Praça da Sé – Kiko Dinucci
13. A Boca da Cabeça
14. Pequena Suburbana – Caetano Veloso