Isa subiu as escadas e sentou-se ao meu lado na sala de tevê. Nós tínhamos desdobrado o sofá, transformando-o numa cama. Era confortável e o vento entrava pela janela, nos esbarrando e deslizando em nossas peles e nas paredes. As plantas ornamentais balançavam. Era bom ter Isa comigo, mesmo que por um dia ou por algumas horas. Era bom sentir seu cheiro e seu aroma, perceber sua pele macia encostada na minha. Eu gostava, principalmente, quando ela vestia sua camisa branca do Skynyrd, uma camisa amarrotada e com cheiro de manhã fresca; era o cheiro de Isa, o cheiro que eu havia esquecido e, agora, podia sentir outra vez.

– Que filme a gente vai ver? – ela perguntou.

– Não sei – respondi. – Acho que você pode colocar qualquer um.

– Pode ser um musical? Pode ser The Sound of Music? Ou Chicago? Ou Grease?

– Não, por favor. Nenhum deles.

– O que houve com “qualquer um”?

– Eu disse que não importava qual fosse o filme, mas tenha uma escolha decente, por favor.

– Essas são escolhas decentes, amor!

– Tudo bem, mas não vou prestar atenção nas cenas.

Isa foi até o fim do sofá e apagou as luzes. Chicago.

Eu nunca fui um entusiasta por musicais nem mesmo entendia como alguém poderia gostar daquilo. Era tudo muito simples para mim: eu simplesmente não gostava. Mas dessa vez não era um filme que chamava minha atenção; era Isa.

Com a cabeça encostada em meu peito, ela sorria e acompanhava as falas dos personagens. Ela gostava daquilo. Ela entendia a arte daquilo e simpatizava com as intenções.

A cada três meses eu voltava para casa e passava um ou dois dias com Isa. Eu normalmente fazia uma surpresa e a esperava em casa, mas depois da segunda vez tive de parar. Motivo: Isa queria estar produzida quando eu chegasse. Porra, ela estava linda até quando não queria estar.

– Você podia ficar feia hoje, baby. Que tal?

– Você não iria aguentar me ver feia!

– Eu preciso! Talvez eu sinta menos sua falta.

– Tá difícil assim?

– Tá, sim. Você sabe, minha cabeça dói quando eu fico contando os dias pra te ver. É bem complicado mesmo.

– Eu sei, amor. Mas é o único jeito.

E ela continuava linda e mais linda, não importava se eu chegava de surpresa ou não. Eu me perguntava se Deus estava fodendo com a minha cara, criando uma garota tão especial, mas como eu não acreditava em Deus e Ele nunca respondia, parei de me preocupar com qualquer porcaria de castigo ou benção divina que ela pudesse significar. Ela estava ali comigo.

Com o tempo, foi ela quem começou a me fazer surpresas. Eu abria a porta e entrava quieto pela cozinha. Ela sempre me esperava no quarto, dentro da banheira. Eu entrava pela cozinha e via os bolos de chocolate com menta e tortas de biscoito e empadas de frango e lasanhas me esperando sobre a mesa. E eu me dava conta das seguintes coisas: eu jamais iria abandoná-la; e, se um dia o pior acontecesse, ela jamais deveria sair magoada, porque uma garota como aquela era algo raro e único e valioso demais para ser magoado. Eu não queria despedaçar um anjo e jogar suas asas sob as rodas de um caminhão.

Antes da primeira hora de filme, me levantei e fui para a varanda. Isa quis pausar e vir comigo.

– Vou fumar – eu disse.

– Que nojo! – respondeu.

– Você beija minha boca nojenta.

– Eu te amo. Odeio seus vícios. Amo você e seus vícios, mas não queria você se matando.

– Você não ama meus vícios. Você deveria amar meus vícios, porque fazem parte de mim e você precisa me amar como um todo, mas eu sei que você não ama meus vícios.

Odeio seus cigarros.

– É só um cigarro, querida.

Abri a porta de vidro da varanda e sentei na cadeira de balanço. Atrás de mim, lá em baixo, estava a cidade viva e vermelha e suja de lama e jogos e prostituição. Aquilo era vida. Prostituição e guerra e vícios são vida e são prazeres. Isa e filmes eram outros tipos de vícios e prazeres, portanto eram vida.

Acendi um cigarro e dei um trago forte. Soltei a fumaça contra a luz. A luz amarela vinda do teto iluminou o jato que subia e perdia sua forma.

– Nojento! – Isa gritou.

Eu sorri e fiquei observando a fumaça disforme que preenchia algum espaço acima de mim. Então voltei a encarar Isa sentada no sofá, as pernas juntas e contraídas, procurando abrigo da brisa fria que entrava na sala. A cabeça apoiada pelo braço e cotovelo, apoiados no sofá, com o cabelo pendendo para um lado. A camisa branca e velha do Skynyrd, larga e amarrotada, contornava a cintura de Isa. Novamente me perguntei se Deus estava pregando uma peça comigo. Era absurdamente doloroso ter um grande presente da vida e só poder tê-lo a cada três meses. Era absurdo e era doloroso e não podia ser verdade; pelo menos não podia ser verdade por muito tempo. Como da outra vez, Deus não respondeu.

– Você quer alguma coisa para comer? – me perguntou.

– Ainda tem bolo de chocolate?

– Sim. Você quer?

– Por favor.

Ela sorriu e piscou um olho e desceu as escadas.

Voltei para a sala e deitei no sofá, esperando…

Uma hora e vinte de filme. Eu realmente não entenderia a beleza daquelas coisas, daquelas cenas intercaladas com falas e músicas e danças. Era confuso demais, aleatório demais, eu não aprenderia a gostar. Mas eu gostava das atrizes do cinema antigo, gostava das pernas grossas e dos sorrisos emblemáticos. Eu achava falso, mas gostava.

Isa veio subindo as escadas. Dois pedaços de bolo num prato.

– Oh, você é ou não é linda de morrer? – eu disse.

Ela deixou o prato sobre o braço do sofá e se pôs parada diante de mim. Ela ficou de pé sem dizer nada, sem se movimentar, apenas compartilhando o mesmo metro quadrado que eu. A luz da tevê ofuscava os detalhes do corpo de Isa, e eu via apenas o corpo delineado e os contornos de braços e mãos, do pescoço e rosto. O vento entrava com menor intensidade, mas era suave e jogava o cheiro de Isa em minha direção. Eu tinha sombra e aroma, mas não uma imagem definida. Era a perfeição admirando a calamidade. Uma garota como aquela nunca poderia sofrer.

Ela começou a dançar, o cabelo balançando ao vento, os braços subindo e descendo, as mãos alisando meu rosto e ombros. Aquilo não era um sonho nem nenhum castigo, mas continuei esperando por alguma resposta.