Semana passada, voltava de trem para casa, quando uma senhora parou e brincou com uma criança no colo de outra senhora sentada. Quando voltou-se para a senhora que carregava o pequeno ser, perguntou: “Você é babá dele?”. Quando me virei para a situação vi uma senhora negra e uma criança branca. A moça calmamente respondeu: “Não, ele é meu filho”. A primeira moça, tentando se explicar, disse que por ter visto uma negra segurando um recém-nascido branco, logo presumiu que era a babá da criança. Sem entender esse prejulgamento sem nexo tão reincidente, resolvi escrever este texto.

Para tentar entender como chegamos a essa situação, é primeiro preciso entender a própria história não só de diferenças raciais, mas principalmente das lutas raciais do movimento negro contra as injúrias que sofreu. Conhecer revoluções e resultados das mesmas são bases essenciais para se discutir e brigar por algo sem que a luta se torne algo fútil e sem fundamento.

Yummy e Maju (mencionados no título), são apenas dois personagens de uma gigantesca história de muita opressão e injustiça, com muitos outros envolvidos, como James Brown, Mandela, Martin Luther King, Ali, TuPac, Malcom-X, todos fazem parte de muita luta e algumas vitórias, de um período longo e atordoante.

Yummy infelizmente não teve chance alguma e não pode sobreviver à limitação, talvez seja sinal de mudança dos tempos, ou só seja questão de localização do berço.

Mas uma coisa conecta com a outra. Se agora temos berços, antes fugíamos do cabresto, a prisão da alma e do corpo foi perdida com o tempo e a chance de lutar não está mais só na Benção da Capoeira mas na luta que levanta a poeira e ergue a mão, luta que durou muito e ainda tem muito para acontecer.

Tudo começa com essa história de que animais e negros são iguais, não tendo almas, pregado pelo cristianismo ao ‘descobrir’ os negros, indo para países mais quentes e os vendo como ‘ETs’ da época.

Jesus ser branco e de olho azul? Num lugar onde o Sol queimava fortemente?

Não é a única referência ‘branca’ que gera dúvidas. Antes do Elvis ‘revolucionar’ o Rock’n Roll muitos outros negros já tinham feito passos extravagantes e vozes únicas em cima dos palcos ao lado de riffs de guitarra.

Até mesmo em uma arte que é popularmente conhecida por ter nascido em um meio negro, como o Hip Hop, Eminem é um ícone, sendo que foi precedido por dezenas com rima tão rápida e de forma tão lírica como o mesmo faz. Quando voltamos os olhares para as premiações, o assunto já toma um patamar absurdo, Emmy, Grammy, Oscar, são premiações quase segmentadas para apenas uma única raça.

Entretanto, principalmente na esfera nacional, é perceptível o ‘combate ao racismo’, promulgado pela mídia e apoiado pela população.

É possível julgar que o racismo está ‘fora de moda’, que não está sendo abolido e coagido, mas sim tratado com algo perverso e de má índole, começando a se implantar a ideia de que segregar e diminuir alguém pela quantidade de melanina que tem na pele é algo inaceitável.

Porém, mesmo com essa ideia entrando na ‘moda’, a população negra não se mostra a maioria (como é na realidade) em todos os âmbitos.

Ocupando a classe C e classes de escolas públicas de ensino defasado, o jovem negro é comumente visto com preconceito, seja na hora de ser aceito em uma classe das melhores universidades do país, ou a uma hora da manhã quando é enquadrado pelos defensores da lei.

A melhor revolta contra o racismo é ainda, claro, repudiar toda e qualquer forma de preconceito que se vê ou se escuta, mas além disto, sendo negro ou não, buscar de forma insistente que a maior parte da população tome seu lugar em todas as áreas, fazendo parte da maioria não só na classe C, mas dentro das melhores Universidades, dos Parlamentos, das artes, da música, de capas de livros e, principalmente, que as mansões não se restrinjam a uma minoria.

“Não, Obama, nós não podemos, eu já cansei de sonhar, Martin, eu quero justiça e igualdade, não quero viver nesse Apartheid, quero que meu voo como uma borboleta e minha ferroada de uma abelha tenham a mesma força de qualquer outro, não nasci para morrer BIG, nasci para ser a noite escura que brilha com as estrelas, nasci para honrar minha pele linda cor da noite, somos todos iguais, sentimos calor alegria e dor.“

Exemplos citados acima, como Pelé e James Brown, deixaram claro que faziam seu trabalho apenas para entreter seu público, e não tinham empenho ou cunho social. Analisando friamente, é uma forma de revolta social. Crescer por meio da sua arte e figurar entre os maiores é sim lutar pelo seu povo. O grito para o mundo da injúria racial não serve para alertar os agressores, mas sim acordar os reprimidos, fazer com que a falta de oportunidade seja motivo de luta e a barreira seja trampolim, para que o próximo, ou mesmo o próprio filho, tenha tantas chances quanto qualquer outra pessoa.

“Por qualquer meio necessário, Malcom, vamos nos libertar, não vou odiar a minha cor, meu cabelo, a forma do meu cabelo e do meu nariz, ninguém vai conseguir me ensinar isso mais, minha cor é mais forte que tudo isso e se precisar, John Brown, derramo meu suor e meu sangue para que tudo seja igual, seja eu branco ou negro, a desigualdade não resistirá à luta, e essa terra há de ceder.”

É pedir demais para o pequeno Yummy descubra sua arte em outro lugar que não entre o dedo e o gatilho. O pequeno fio que difere o racismo que Maju Coutinho sofreu pro racismo que o pequeno jovem das gangs de Chicago é a capacidade de encarar a pancada.

A repressão que Yummy sofreu vinha da mãe usuária, da família corrompida por uma realidade que não lhe cabia e não cabe a ninguém. A luta ainda é a mesma, sobrevivência. O povo negro não luta hoje por mudança de pensamento, independente da revolta ou do movimento, a busca é sempre a mesma: ‘viver, conseguir construir uma vida honesta e criar seus filhos.’

Mas a mesma porrada, a mesma luta, tudo se repete. Enquanto o movimento não for levado a sério, enquanto o crime de racismo não for realmente crime, em âmbito nacional, as coisas não vão mudar. O nosso momento é ainda de muito Yummy pra pouca MaJu, e a cor do sangue que se esvai ainda é a mesma. A luta não será filmada nem assistida, a luta deve começar em cada canto, em cada teto, para que o negro ocupe a maioria que lhe é cabida por espaço, não seja bloqueado e reprimido, que lhe caiba o que merece, não lhe interrompam caminhos nem lhe imponham barreiras.

* Todas as citações são junções de frases de grandes figuras do movimento negro.