Percorrer mais de 12 mil quilômetros para conhecer uma cidade, sozinho, carregado com uma bicicleta, uniforme de triathlon, roupa de neoprene para natação, sapatilha para o pedal e tênis para a corrida foi o desafio que tracei para minha vida no dia 21 de maio de 2017.
Embarquei na rodoviária de Passo Fundo rumo a Porto Alegre para pegar o voo para Lisboa e posteriormente para a cidade de Barcelona, onde iria participar do IronMan na distância média (113 quilômetros entre natação, ciclismo e corrida).
Antes de seguir com o relato tenho que agradecer amigos e professores que ajudaram na preparação para encarar a prova. Ao total foram três meses, somando 45 treinos de ciclismo, 44 de corrida e 26 de natação, seja o amigo Leonardo auxiliando nos treinos durante os fins de semana na barragem do Capingui, amigos nos pedais, orientações dos professores Tomaz Bigliardi e Vinicius de Moura, embarcamos neste projeto além fronteiras.
Também fundamental, diria mais, pilares que solidificaram este sonho, foram os patrocinadores Viv Mizik e Villa Vergueiro Hotel, apoiadores Win Natação e Assessoria Esportiva, Rodrigo Arenhart Bike Fit, Med Call, Sicredi, Wagner & Cia, La Parola, Correria e Center Care.
Mas seguindo, um voo tranquilo até Portugal, porém preocupado com o horário de embarque da escala para Barcelona pois o tempo estava apertado. Antes do embarque era necessário enfrentar um trecho de ônibus no interior do aeroporto de Lisboa (trecho da área de desembarque para área de embarque), encarar a fila da imigração, encarar a fila dos detectores de metais e ainda encontrar o portão 17 onde ocorreria o embarque. Fiz este trecho correndo, consegui chegar a tempo e embarcar para Barcelona.
Mais uma hora e meia de voo, estava eu finalmente em solo catalão. A missão era buscar a bicicleta. Pense num aeroporto grande, agora multiplique. Após percorrer o saguão, já de cara encontrei uma loja do time de futebol do Barcelona, segui como meta a busca da mala onde estava a bicicleta, a mala das roupas não era uma preocupação.
Eis que existem muitas esteiras para entregar as malas aos passageiros, eis que a minha esteira era a de número 8, começou a girar a esteira e lá veio a minha mala de roupas girando… e nenhum movimento da mala que tinha a BICICLETA.
Passou o tempo, o suor, o frio na barriga começou a tomar conta, porque todo mundo pegou suas bagagens e eu estava sem a minha principal bagagem, afinal era a minha bicicleta que iria me conduzir 90 quilômetros pelo desafio do IronMan Barcelona.
Imediatamente avistei um posto de informações. Corri. Naquele momento não sei se falei em inglês, português ou castelhano. Quando o funcionário entendeu as palavras “bicicleta” e “pacote grande” disse: já verificou na esteira de bagagens especiais que fica ao final do corredor das esteiras?
Corri outra vez. E por sorte e competência da empresa de transporte aéreo lá estava a minha bicicleta, meu Corcel Negro. Pensei: agora só falta montar a bike.
Procurei um carrinho para poder transportar as duas malas grandes e a mala de mão. Um detalhe: todos estes equipamentos como malas e outros foram emprestados por amigos de Passo Fundo, obrigado.
E agora como vou para o local da prova? Já havia pesquisado que era uma localidade chamada Calella (que na pronúncia é Caleia, mas isso demorei três dias para aprender a falar). Segui em busca de um ônibus, saí do aeroporto, atravessei a rua, escapei dos táxis e encontrei um rapaz com uma bicicleta, segui até ele e puxei conversa: algo como IronMan!!!
Me falou que era da República Tcheca e que vivia em Dubai, e às vezes participava de provas de triathlon. Logo em seguida chegou outro rapaz com uma bicicleta, chamava-se Manuel, este era venezuelano. Meus Deus, mais um latino-americano perdido aqui, pensei.
Enfim o ônibus chegou, seguimos conversando sobre a vida, um pouco em inglês outro pouco em espanhol, chegamos a Calella e cada um seguiu para a sua hospedagem.
Tive muita sorte, descolei um dos melhores hotéis da costa e distante 300 metros do local da prova. O hotel me custou, na beira da praia, com elevador panorâmico (vista para o mar), quarto com banheira, terraço com duas jacuzzi, mais café da manhã: R$ 190 por dia, parcelados em 10 vezes.
Faço um comparativo, verifica quanto é o custo de um hotel na beira da praia em Itapema a diária??? HAHAHAHAHAH. Outro detalhe, a passagem ida e volta custou R$ 2.700, também parcelados em dez vezes, o que muita vezes parece ser inatingível, na verdade pode ser falta de planejamento.
De pronto já queria saber onde montar a bicicleta ou como faria isso, conversei com Ricardo, um dos gerentes do hotel, pessoa incrível, catalão puro como ele diz, me entregou um folder onde poderia montar a bike. Fiquei amigo de Ricardo.
Segui pela rua e encontrei o mecânico Alberto tomando um café, numa mistura de português com castelhano descobri que o custo para montar a bike era 20 euros. Pensei, nem vou arriscar montar, vou pagar 20 euros. Corri até o hotel, trouxe a maleta e Albert montou a bike. Ainda teve um momento de tensão: quando havia se perdido no interior da maleta um parafuso de uma das rodas, e ele dizia: onde está? Estamos mal, se não encontrarmos. Gelei a alma mais uma vez, mas em alguns segundos encontramos o tal parafuso. Fiquei amigo de Alberto.
Dia da prova
Tive sorte porque o colega de IronMan que estava hospedado no quarto ao lado era brasileiro e muito gente boa, Rogério, mora na Europa há bastante tempo e estava com a família para participar do seu vigésimo quarto Ironman (viveu um tempo na Bósnia e agora estava morando na Alemanha). Tomamos café e seguimos para a área de transição da bike e natação.
O dia estava lindo, nascer do sol pintava o céu com um vermelho incrível. Perdi minha touca de natação, até descobrir que para falar touca tinha que dizer gorro. Fui em busca de outra, consegui.
Deu a largada dos profissionais, desta vez as largadas foram feitas em ondas, quem achava que faria a natação em 25 minutos, 30 min, 35 min, 40 min, 45 min, 50 min, resolvi largar na onda dos 40 min.
A natação seguia na forma de retângulo, na primeira boia tomei um soco no olho, mas beleza segui forte, trabalhando bastante a braçada esticada. Na primeira curva já ultrapassava alguns competidores. Segui com a respiração 2 e 1, intercalando o lado da respiração, um pouco esquerda outro direita. O mar estava lindo, se enxergava os pés, cheguei até a segunda boia, da curva, agora era voltar.
Entrei num cardume e erramos 80 metros. Saí da água bem, fechando em 37 minutos, nos cem metros finais acelerei, achei que era o César Cielo (ahauhauah).
Chegou a bike, era a hora de pegar o Corcel Negro e enfrentar as montanhas da Europa.
Retirei a roupa de neoprene, coloquei capacete, meias e sapatilhas, esqueci de secar os pés, coloquei óculos de sol e segui (demorei seis minutos até chegar a parte da cronometragem do chip do tempo).
Segui, uma prova de bike dura, muita subida, quando pensava que havia vencido uma subida, lá estava outra subida, e ainda enfrentando frio, no pé da montanha é frio!!! A alegria era imensa, não havia nenhum veículo na rua, apenas triatletas percorrendo seu trecho de bike, cada um no seu ritmo. Após percorrer 45 km de subida, começou a descida, foi nesse momento que o Rogério passou por mim como um foguete.
Doce ilusão, ia ter mais subida à frente sim, intercaladas, com pouco menos de intensidade, faltando 10 quilômetros para o fim da prova, um rapaz estava parado, resolvi gritar “do you need something?” e ele gritou “yes”, havia furado o pneu, parei a bike e entreguei uma câmera, o CO2, equipo para usar o CO2, nunca mais me devolveu, fiquei feliz em ajudar.
Fechei a bike em 3h 36min. Levei a bike na moral, poupando para a corrida.
Calcei meu tênis, um baita tênis, macio e leve (New Balance, o que usei durante toda a preparação), coloquei a bandeira do Brasil (bandeira emprestada pelo amigo Dudu) em um compartilhamento na roupa e segui encarar os 21 km. Controlei o batimento cardíaco na casa dos 160, em alguns momentos forçava e em outros o corpo e a cabeça me pregavam peças, mas agora faltava pouco para que meu sonho se tornasse realidade.
Na última curva antes da linha da chegada, puxei minha bandeira e segui agitando a galera, chorei, sorri, enfim.
A adrenalina e a emoção de conquistar o que se almeja tem um sabor que somente aqueles que acreditam sempre e decidem seguir em frente conhecem.
Essa vitória não é só minha, é de todos os amigos e familiares que ajudaram a levar o nome do Brasil além fronteiras, sem que seja uma notícia de corrupção.