A primeira leitura do ano. Para os amantes dos livros, o prazer de escolher o primeiro a ser lido é um ato decisório que deve ser feito com muito cuidado. Afinal, essa escolha influenciará o nosso estado de espírito para as próximas leituras. Por isso, nada melhor do que iniciarmos o ano com uma dica bem ao gosto daqueles que gostam da tranquilidade de uma literatura serena, humana, descritiva e sentimental, e que ainda por cima nos propõe magia e encantamento. Bastante? Sim, o livro é curto mas a poesia desta prosa é vasta. Estamos falando de um pequeno livro publicado em 2001 e que ainda parece muito vivo e cheio de força mesmo ao leitor de hoje. Trata-se de Nenhum olhar, do escritor português José Luis Peixoto. É um dos mais traduzidos livros do escritor, disponível inclusive em e-book.

O livro é um assombroso romance em que o autor ao mesmo tempo cria e destrói o mundo e a paisagem mítica do seu Alentejo, Portugal, sua terra natal. É um romance onde é possível encontrarmos aspectos do mundo de hoje transpostos para o romance de forma cuidada e excelentemente retratada através das personagens. Através deste romance, assim como de outros livros de José Luís Peixoto, pode-se viver ou reviver emoções que dificilmente conseguimos encontrar em outros livros; é também uma escrita em que podemos encontrar a força do ser humano e ao mesmo tempo a sua mais extrema fragilidade, a força com que se criam amizades ou uma relação e a fraqueza que pode quebrar esse laço. Tendo sido escrito como se fossem pequenos flashes da vida das personagens, Nenhum olhar é uma viagem pela vida de pessoas que tanto podem compartilhar conosco momentos de alegria como momentos de tristeza e solidão. Sua força está desde a primeira frase de cada capítulo, como neste: “Olhou-me muito sério”. E por aí vai. Apesar de a  narrativa se passar num espaço rural, ela não está restrita a esse mundo agrário e primitivo, em que os homens se confrontam entre si e com a natureza. Há fantasia. Isso porque ao longo do livro gigantes e assombrações e até mesmo o Diabo vem bater à janela dos personagens, ou sentar ao nosso lado na mesa de um bar para tomar aguardante. Essa duplicação entre o mundo real e o imaginário é utilizada pelo autor para nos colocar a seguinte dúvida: o que é real num romance, e o que é fantasia?

A presença da escrita contundente de um escritor português na preparação de Nenhum olhar realmente faz uma diferença fundamental. Se nesse pequeno romance  temos um autor estreante e ao mesmo tempo já maduro, o fato é que José Luís Peixoto enquadra-se em uma nova geração de escritores que veio no vácuo dos consagrados e idolatrados Agustina Bessa-Luís, José Saramago, António Lobo Antunes e José Cardoso Pires. Em Nenhum olhar, o lirismo do que é narrado, o uso culto das palavras e as construções intrigantes e diferenciadas dos escritores portugueses estão presentes nessa história composta por esse artesão da palavra chamado José Luís Peixoto. Um jovem narrador português que já naquele ano 2001 lançava esse seu primeiro romance com apenas uma narrativa na bagagem (o pequeninho e emocionante Morreste-me, espécie de crônica-depoimento em que narra a perda de seu próprio pai), veio depois a se consagrar como uma das promessas das letras portuguesas ao lado de nomes como Inês Pedrosa, Gonçalo M. Tavares, Miguel Sousa Tavares e João Tordo. Entre os livro que escreveu estão, entre outros: Uma casa na escuridão (2002), Cemitério de pianos (2006) e o elogiadíssimo Livro (2010).

Por estarmos diante de uma promessa literária, é importante que o leitor brasileiro apanhe essa primeira sugestão de leitura do ano como experiência agradável, misteriosa, intrigante e ao mesmo tempo lírica. O livro do português José Luís Peixoto nos deixa a certeza de termos feito a boa escolha. E escolher bem o primeiro romance do ano é a garantia de começar a amá-lo desde a primeira frase.

Boa leitura.