Um Pessimismo Necessário

O exercício de ver cinema como arte é fascinante. No entanto, uma segunda função – ou um complemento à primeira -, é seu trabalho impecável de retratação da nossa realidade e como ferramenta antropológica e social.

O cinema vem da fotografia, e assim como ela, imortaliza em imagem o que fomos, o que somos e palpita sobre o que seremos – ou o que queremos ser. E cinema e fotografia, assim como qualquer outra arte, tem sua interpretação variada de acordo com o contexto a qual é inserida e a bagagem cultural de seu apreciador.

Esta semana fui submetido a dois filmes diferentes, mas que assistidos em um intervalo de um dia revelaram grandes semelhanças e questionamentos. O primeiro é um documentário: “O Sal da Terra” (2014), dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado e que conta um pouco da história de Sebastião Salgado, o já consagrado fotógrafo brasileiro que viveu sua vida retratando o mundo em fotografias em preto e branco. Salgado se destaca pelo olhar sagaz de suas imagens e pela bravura de seus ensaios. Ele esteve aonde a história acontecia, viu de perto a histeria de Serra Pelada, a miséria na Etiópia, o genocídio em Ruanda e documentou tudo. E isto, quando eternizado em forma de arte e apresentado ao público, dói.

Não há como sair bem do cinema depois de uma experiência de duas horas assistindo a este documentário. Wenders opta por retratar o fotógrafo em si, não por sua biografia cronológica, mas por meio de sua arte. Salgado é o que fotografa e não o que vive. A partir disso, inclusive, é curioso notar que o filme só ganha cor quando a vida do fotógrafo é contada. Quando que, ao partir para o seu ofício, o tradicional preto e branco de suas imagens volta a imperar na tela. Os relatos contados pelo próprio Salgado e que “invadem” as fotografias parecem demonstrar isso também. Sebastião Salgado se funde com sua arte. Ele e a fotografia são sinônimos.

Os relatos inclusive, aprofundam ainda mais o olhar cruel que só a imagem já transmitia. O depoimento forte, de fala pesada e os olhos cansados transmitem toda a dor que aquele homem sentiu durante tantos anos e que se fez presente por meio de sua arte.

Como um todo, o serviço social prestado por Salgado é importante e precisa ser visto. Atualmente o fotógrafo volta de seu trabalho mais primoroso, Gênesis (2013). Como ele próprio diz, Gênesis é uma homenagem ao Planeta Terra. Salgado viajou pelos cinco continentes buscando lugares que não sofreram nenhum intervenção humana desde o princípio de tudo. É uma obra apaixonante, impecável.

No entanto, seus trabalhos antigos, como “Êxodos” (2000) e “Sahel: O Homem em Agonia” (1986), merecem muita atenção e motivam esse texto. Ali temos o extremo da miséria humana. Nada pode superar tanta dor e desilusão. É por meio de obras como estas que nos damos conta do quão insignificantes e pretensiosos somos e que temos muito a evoluir do ponto de vista humano.

Essa questão leva ao segundo filme assistido, o argentino “Relatos Selvagens”, de 2014. Nele o diretor Damián Szifron questiona a que ponto chegamos quando enfrentamos situações limites. O cenário do filme é a nossa sociedade atual, nosso cotidiano, o dia a dia do ser humano no século 21. O roteiro é dividido em seis história distintas. Passageiros em uma viagem de avião, um restaurante de estrada, um pneu furado em uma rodovia, um cidadão comprando uma torta, um milionário negociando com seu advogado e um casamento. Todas as histórias levarão a situações limites, onde os instintos mais selvagens dos protagonistas, por virtude das ocasiões expostas, serão aflorados. A direção de Szifron é extremamente competente e o clima de tensão crescente do filme consegue a incrível façanha de atingir um clímax eufórico em todas as cinco histórias. O diretor consegue muito bem e de forma rápida (visto que as histórias são curtas) apresentar seus protagonistas, criar uma certa intimidade com o público e conduzir a história ao seu término. Ao mesmo tempo que quando passamos de uma história para outra, conseguimos nos desprender rapidamente da empatia criada pelos antigos personagens, muito em virtude da também rápida ligação com os próximos. Uma aula de roteiro e edição.

No entanto o trunfo de Szifron é justamente na explosão dos personagens. Não à toa, cada um deles é apresentado como um animal no início do filme. Em Relatos Selvagens, os humanos em questão, mesmo engomados, de terno e gravata, vivendo em uma sociedade, em tese organizada, liberam seus instintos mais pré-históricos e vulneráveis. Raiva, vingança, desejo de morte, ganância, ódio, tudo está ali, escondido, mas que o diretor dá a entender que pode ser acionado de forma absurdamente simples. Como um simples apertar de botão, se ligado a sequencias de dinamite tem a capacidade de implodir um prédio gigantesco. A sociedade por nós criada então serve como uma fachada, uma tentativa de nos contermos e protegermos de nós mesmos. Condutas, regras, normas, bom senso, não são nada mais que medidas para controlarmos nossos próprios instintos que carregamos de nosso ancestrais.

E aí voltamos para “O Sal da Terra”, e os relatos feitos por Salgado na África. Alí esta retratado não centenas, nem milhares, mas milhões de vidas abandonadas e mortas. As causas são fome, miséria, doenças diversas, descaso, falta de compaixão, desinteresse, esquecimento. A África foi e continua sendo um continente abandonado ao acaso do destino. E não há como negar que a culpa seja minha e sua. Não digo aqui que somos mal intencionados ou optamos por isso. Apenas não demos a devida importância. Não tenho dúvidas de que, se os mesmos massacres ocorressem na nossa cidade teríamos uma visão diferente dos fatos. A questão então é que o nosso lado “humano” ainda não evoluiu a ponto de atravessar o Atlântico. Nesse caso, ainda temos muito instinto selvagem para queimar.

Colocamos isso nos contextos de hoje, com políticos institucionalizando o caixa 2, dirigentes desviando dinheiro de doações para uso particular, estatais transbordando de corrupção, sem falar as inúmeras páginas policiais com crimes estúpidos e fúteis e temos aí a verdadeira visão do que somos. Ok, soa um pouco pessimista, mas não deixa de ser um alerta de que não somos superiores a ninguém e a nada. Talvez um dia seremos (tenho convicção de que seremos), mas até lá, de alguma forma precisamos aprender a conviver com esses instintos selvagens que ainda fazem parte de nós. É uma pena que até essa resposta surgir, um continente inteiro precisa pagar a conta.

The Vaccines – English Graffiti: ainda sem saber o que esperar

No ano de 2011 fui surpreendido pelos The Vaccines. Os caras já chegaram chutando o balde e fazendo um puta som bom, rock de garagem, indie dançante e tudo mais. O disco de estreia já levantava a questão que até hoje acompanha a banda “What Did You Expect From The Vaccines?” ou “O Que Você Espera dos Vaccines?”.

Já o segundo disco do grupo inglês “Come Of Age”, lançado em 2012, chegou mostrando a banda num processo de amadurecimento e, honestamente falando, muito me agradou e novamente me surpreendeu, pois eu não sabia muito bem o que esperar dos The Vaccines.

Agora, após três anos sem discos novos, Justin Young e sua turma lançam o terceiro disco da carreira intitulado “English Graffiti”. Os caras conseguiram novamente surpreender. Com produção de Dave Fridmann (MGMT, OK GO, Tame Impala, entre outros), o álbum deixa transparecer algumas influencias que anteriormente não eram tão notáveis. Com uso de sintetizadores a banda consegue permear entre o punk, o psicodélico e o rock anos 80.

English Graffiti - The Vaccines - Capa

Por mais ‘diferentão’ que o “English Graffiti” possa soar dos seus antecessores, não é nem de longe o melhor trabalho da banda, é notável que os rapazes estão preocupados com o futuro da banda, seria muito cômodo não se arriscar e lançar discos idênticos (assim como fazem algumas bandas do indie rock, que eu prefiro nem citar nomes pra não comprar briga com meus amigos).

Inovar, por mais que seja buscando referências do passado, sempre é valido, e os The Vaccines conseguiram me deixar mais uma vez sem saber o que esperar deles.

O que o Hip Hop pode mudar na vida de uma criança

A formação de um ser contestador começa na infância. A base dessa capacidade de enxergar tudo que nos cerca e rebater de forma pessoal, enxergando valores próprios e o que é imposto socialmente, é clara principalmente nesta fase.

Viver em uma favela impõe muitas situações que tiram a criança do conforto, como falta de estrutura básica para a prática de um esporte ou mesmo o básico para que consiga ter educação. Mas por outro lado, aproxima a criança a uma realidade que só quem vive naquele meio consegue aproveitar.

“Final da década de 80, uma criança, numa favela, a única certeza é que você vai ser nada” (Criolo)

A realidade de ser um jogador de futebol bate à porta, e quem nunca sonhou em ser jogador de futebol? Sair dali e dar uma casa para a mãe num lugar melhor. Esse sonho funciona até a hora que ele vê a realidade batendo à porta, até a hora que o dinheiro da condução é contado e o coleguinha da escola oferece um caminho mais fácil.

Essa falta de oportunidade e também o excesso de pressão sobre alguém que só deveria ter ‘coragem’ no desenho do cão na televisão, e não pra ser inspiração e cuidar dos irmãos, faz com que ele assuma uma responsabilidade que não cabe à sua idade, decretando assim uma pressa da vida para que um garoto ou garota assumam compromissos que não lhe cabem.

Encarando toda essa realidade de frente, nem mesmo um ser humano que já perdeu todos seus dentes de leite conseguiria não fugir disto.

E assim que se faz a influência que o RAP tem sobre as crianças. Mais do que um ritmo legal que faz elas balançarem a cabeça, mas um estilo musical que mexe com os seus mundos.

Sempre que se representa a infância em contato com o RAP, se representa repetindo as letras em alto e bom tom, todos os relatos saindo com raiva desses pequenos sobreviventes, sendo praticamente expulsos das bocas das crianças.

Não que as crianças devam reproduzir tudo que a RAP incita, não que a criança tenha capacidade de distinguir perfeitamente tudo que lhe chega aos ouvidos, mas ter numa roda de RAP o entretenimento que não lhe é oferecido. Para a criança é nada mais que um relato social, um pesar sendo exposto.

E nem todas as crianças que nascem na favela são necessariamente do RAP, RAP é um movimento, só se segue se você tem afinidade pelo que ele expõe.

Mas viver em uma favela te expõe absolutamente a tudo que se retrata naquelas letras e te inclui neste movimento, te fazendo viver essa vida que narram as histórias, mesmo que ainda na infância.

“Se tiver um livro para uma criança da favela ler, quem tem que escrever esses livros são os próprios pais deles” (Sabotage)

As coisas mudaram, pra melhor, mas não estão ideais. A criança não tem espaço pro lazer e para a escola. A rua ainda é a principal saída, e na rua ainda existem as mesmas tentações, menores, mas ainda presente.

E ter o contato com o RAP tão na pele induz a criança e a faz viver sob o RAP. Tendo como fundo a música, sendo em carros passando, ou como seja, a cultura musical é exposta até mesmo aos ouvidos que não querem a ouvir.

É comum ouvir o relato de que o RAP fez parte da vida de muitos, sendo palavra de consolo em momentos complicados. No radinho dentro do ônibus ou de fundo na sua quebrada, a criança engole o choro ao ouvir a realidade batendo no tímpano, mas engole o ódio e segue tentando, pois sente que ser um herói para a própria mãe é o que basta.

O RAP não é prejudicial para uma criança, a quantidade de influências musicais e de relatos sociais contidos em um único som é algo que chega a ser absurdo. Cabe aos tutores ensinarem o que na letra são metáforas e o que é relato puro.

“O quê?  Cê não dizia? Seu filho quer ser preto? Há, que ironia; Cola o pôster do 2Pac ai, que tal? Que cê diz?” (Edy Rock / Mano Brown)

Como em qualquer outra arte pura e contestadora, a interpretação é pessoal. Portanto, conter uma pessoa, principalmente nesta fase, ter preconceito com qualquer movimento artístico e proibir alguém de ter contato com aquilo é cortar qualquer gosto ou habilidade que aquele ser possa vir a desenvolver.

Emicida começando com cinco anos:

Criolo falando sobre a infância e crescer na quebrada, entrevista dada ao lado do seu pai:

Sabota falando o que o rap deve representar pras criança:

Vida de fotojornalista: os bastidores de uma cobertura fotográfica da final da Champions League

O fotógrafo sueco Joel Marklund, da agência de fotografia Bildbyrån, esteve no Estádio Olímpico Berlim no dia 6 de junho de 2015 para fazer a cobertura fotográfica da final da Champions League, entre Juventus e Barcelona.

Junto às fotografias, Joel registrou e editou um vídeo mostrando os bastidores de uma cobertura fotográfica esportiva, desde o levantar cedíssimo, antes das 5 horas da manhã até a correria na hora de enviar rapidamente as fotos recém feitas para a agência.

Assista:

Sherlock Holmes e a Arte da Dedução

Sherlock Holmes é um dos personagens mais incríveis da Literatura e também do Cinema. A brilhante criação do escocês Sir Arthur Conan Doyle está no Guinness Book como “o personagem mais explorado na história do cinema”. Cerca de 200 atores já o interpretaram.

Além de servir como fonte de inspiração para a indústria literária e cinematográfica, o personagem Sherlock Holmes fornece conteúdo de interesse para o enredo de séries televisivas, peças teatrais, shows musicais e vários romances de suspense que fascinam tanto quanto a obra original.

Ao todo, Conan Doyle desenvolveu 60 histórias de Sherlock Holmes (sendo 56 casos e 4 novelas). O primeiro caso oficial se chama A Study In Scarlet (1887), que ele escreveu baseando-se na obra Murders In The Rue Morgue, de Edgar Allan Poe.

O escocês faleceu em 1930, deixando para trás um cânone valioso que continua alimentando ideias de escritores, roteiristas, produtores e artistas de vários setores do entretenimento.

Poucas pessoas comparam Sherlock com outro personagem parecido. De fato, a grande maioria dos críticos literários concorda que o personagem de Conan Doyle é uma criação original e pioneira.

A persona de Sherlock Holmes é tão fascinante quanto os métodos empregados por ele na investigação de casos criminais. E, mais de 100 anos após a última história publicada (em 1914), sua figura continua sendo um símbolo do poder do intelecto que incentiva as pessoas a imitarem-no.

O detetive elementar

O personagem Sherlock Holmes tem residência em Londres, onde também trabalha, na maioria dos casos como consultor criminal para a agência de investigação Scotland Yard.

Holmes não é pago pelos serviços que presta e, portanto, não precisa responder a ninguém além de si mesmo. Ele mantém relações estritamente informais com quem trabalha, e se comunica com os envolvidos nos casos apenas quando é realmente necessário. Qualquer distração compromete o fluxo de seu raciocínio, razão pela qual ele valoriza o silêncio e se mantém em isolamento periódico.

Sherlock é racional, lógico e analítico. Ele exibe humor instável (geralmente ácido), possui temperamento explosivo, é egocêntrico e narcisista, e tem grande aversão a melodramas emocionais. É obcecado por curiosidades e detalhes, tem baixíssima tolerância ao tédio e uma necessidade urgente de estímulo. Hoje, se psicólogos o avaliassem, decerto muitos o diagnosticariam como bipolar, sociopata e obsessivo-compulsivo. No entanto, em total desacordo às limitações de seus distúrbios, Sherlock Holmes explora suas aparentes vulnerabilidades de forma a transformá-las em vantagem na execução de seu trabalho, o que ele faz com destreza, precisão e excelência exclusivas.

Sherlock não brinca de ser detetive. Apesar da egolatria e misantropia, ele acredita em justiça e quer que ela prevaleça, mesmo que precise arruinar destinos ou desrespeitar a lei para garantir essa causa. Ele desafia a autoridade, insulta agentes retardatários e passa dos limites éticos sem sofrer tanto pela consequência de crises morais.

Embora seja defensor da filosofia de que humanidade e civilização são incompatíveis, nunca lhe falta motivação para ajudar as pessoas nos casos em que trabalha. Pelo menos intencionalmente, Holmes não é diferente de um herói.

A essência do raciocínio dedutivo

Sherlock Holmes é um mestre na arte da dedução, uma técnica cognitiva infalível quando existem evidências de crime e as premissas são verdadeiras. Quando as teorias por ele feitas são utópicas e eventos surgem de forma inesperada, Sherlock adota então outro tipo de raciocínio, a indução, para reduzir bruscamente as possibilidades de errar em suas conclusões de caso.

Vários fãs acham que Sherlock Holmes adivinha as coisas, algo impossível de fato. Na verdade, o que ele faz é “simplesmente” observar e depois deduzir, num processo de decodificação ambiental.

Muitas pessoas também acreditam que ele se aproveita da sorte para resolver os problemas. Mas Sherlock também não confia na sorte, o que ele considera um conceito ofensivo e abominável. Para ele, a ideia de que existe uma força no universo conduzindo eventos em sua vantagem ou desvantagem é ridícula.

Usando sua formidável capacidade de concentração, Holmes analisa provas e evidências, reconstrói eventos e traduz o meio. Ele perpetra o ambiente com o olhar, elabora as teorias que puder explicar e depois considera todas as possibilidades do que espera encontrar, e o resultado desse raciocínio incandescente acaba por ser um infalível captor da realidade.

Sherlock une as pontas soltas, ligando um fato a outro automaticamente, mesmo quando as circunstâncias não permitem qualquer tipo de associação. Ele encontra propósitos onde nada faz sentido, e faz as perguntas certas para as respostas que precisa. E o mais importante: ele sabe reconhecer uma causa perdida quando a vê.

Sua memória fotográfica é outro fator que o diferencia dos demais. Ele consegue acessar imagens e informações que todos já esqueceram. Nada lhe passa despercebido.

Quando os casos se mostram particularmente complexos e Sherlock se depara com uma infinidade de dados confusos e informações distorcidas, ele age então através do processo de eliminação. Que nem ele diz:

“Quando você exclui todo o impossível, aquilo que permanece, mesmo sendo improvável, deve ser a verdade.”

Holmes também é muito bom com pesquisa. Além de atuar em campo e fazer desk-research, ele também costuma realizar experimentos químicos para embasar algumas de suas teses e, às vezes, se dispõe a ser a cobaia. Por ter uma forte tendência a alterar sua consciência, ele não liga de se entorpecer se isso for para o bem da ciência.

Sherlock não se sente confortável compartilhando eventos de sua vida passada. Mesmo sendo um sociopata funcional, Holmes até consegue ser sociável. Ele é capaz de construir e manter relacionamentos significativos, mas ele tem medo disso, e geralmente se afasta. Sherlock Holmes nutre a independência, o que lhe garante uma vida ideal aos seus prazeres.

Por sua forma intrincada de pensar, ele é visto como louco pela maioria das pessoas. Mas, apesar de receber acusações diretas e represálias constantemente, ele não dá a mínima para isso. Sua autoconfiança reflete em produtividade, e ele raramente decepciona nesse quesito.

Mas nem tudo é trabalho para Sherlock Holmes!

Ele também tem seus hobbies: adora tocar violino e fumar tabaco para relaxar; pratica boxe, artes marciais e joga golfe eventualmente.

Pensando como Sherlock Holmes

Em seu livro Mastermind: How To Think Like Sherlock Holmes, a psicóloga russa Maria Konnikova decifra os métodos de raciocínio “Sherlockianos” por meio de uma linguagem neurocognitiva e comportamental.

Para ela, Holmes é o exemplo ideal de pensamento consciente.

De acordo com a pesquisa que suportou seu livro, existem algumas técnicas que podemos treinar para observar e deduzir como Sherlock:

1. Observar os detalhes

Na primeira vez que se encontrou com o Dr. John Watson, Sherlock percebeu de onde seu futuro parceiro viera. Ele observou a cor escura da pele (que não estava no tom natural), o rosto desfigurado (que mostrava sinais de doença), o braço esquerdo totalmente cicatrizado (que se movimentava rigidamente), e não por acaso lembrou que na ocasião a Inglaterra fazia excursões militares pelo Afeganistão. Então ele deduziu que Watson, um médico do exército inglês, esteve naquele país.

Konnikova explica:

“Essa é a observação de profundo nível. Holmes enxergou sintomas através da aparência e histórico pessoal, e combinou-os com conhecimentos que tinha de regiões trópicas para chegar a conclusão do paradeiro de Watson.”

2. Prestar atenção ao básico

Quando Holmes brinca que um caso é “elementar”, ele está de fato se referindo aos fundamentos, aos elementos básicos e estruturais da situação. Konnikova afirma:

“Da mesma forma que um físico começa resolvendo problemas tendo como base as leis relevantes, um detetive começa elucidando os fatos antes de fazer interpretações. Você precisa definir o problema da forma mais específica possível, e depois preencher as lacunas com as experiências passadas que foram capturadas pela observação.”

Segundo ela, não há nada de novo sob o sol, tudo já foi feito antes.

3. Permanecer ativo durante uma comunicação

Quando Sherlock está conversando com alguém, ele não cede às tentadoras distrações e sustenta o foco.

“Holmes se concentra em todas as faculdades do tema que está sendo discutido. Ele ouve e observa, como de hábito. Ele não se distrai com outra tarefa assim como observadores passivos; ao invés disso, ele presta atenção nas expressões corporais para obter todas as informações não-verbais, aquelas que são facilmente ignoradas na comunicação.”

4. Manter-se entretido

Quando Sherlock está enfrentando um caso particularmente espinhoso, regularmente ele para para refletir, relaxar e praticar hobbies – fumar cachimbo ou tocar violino, por exemplo:

“Fumar cachimbo é uma atividade feita por Holmes para se distrair de forma construtiva a partir de seu pensamento. Da mesma forma que tocar violino estimula sua mente, fumar cachimbo lhe dá soluções imaginativas ao mexer com seu corpo.”

5. Administrar energia

Sempre que Watson pergunta se Sherlock quer comer, ele responde:

“As faculdades mentais se refinam quando você as priva. Certamente, meu caro Watson, você deve admitir que os ganhos digestivos na forma de fornecimento de sangue se perdem para o cérebro. Eu sou um cérebro, Watson, o resto é apêndice. Você já conhece minha prioridade.”

Segundo Konnikova, essa evidência de Holmes sugere que suas habilidades cognitivas se ativam a partir de uma fonte finita de energia, que deve ser gerenciada com precisão e disciplina.

6. Desligar-se do meio externo

Aqui, não se trata apenas de obter um pouco de privacidade ou descanso, mas também de permitir que a mente filtre as informações importantes das irrelevantes. Daí a necessidade de solidão. De acordo com Konnikova:

“O mundo não dá folgas, então você precisa buscar a própria tranquilidade de espírito. Pensar através de ações passadas para criar planos futuros impulsiona a criatividade e mantém a sanidade.”


*Com informações da BBC, Smithsonian e Business Insider.


Livros relacionados para você saber mais

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Boa leitura!

Uma madrugada explorando o mundo pelo Periscope

No início desse ano comecei a ler a palavra “Periscope” com bastante frequência na internet, mas não me seduzi por ela. São tantos aplicativos disponíveis aqui na appstore que é preciso que ele chame muito a atenção para que seja instalado.

Todas as notícias diziam que era um aplicativo de transmissão de vídeo em tempo real. Pensei no Skype, no SnapChat, no Twitcam e outros apps do tipo. “Nada que já não exista, nada demais isso”, pensei. Ledo engano.

O Periscope é um pouco diferente de tudo isso. Imagine o Twitter. Agora imagine que em vez de você ficar escrevendo mensagens curtas em tempo real você está fazendo um vídeo em tempo real. A diferença é essa, o alcance que as transmissões atingem, não sendo limitadas apenas aos amigos, mas a um público global, literalmente.

Quando você baixa o app e faz o login, abre-se um mapa. Nesse mapa há vários balões com números, indicando quantas pessoas estão transmitindo vídeos em determinadas localidades. Vi muitas transmissões no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas um outro local com um número grande de vídeos sendo transmitidos também me chamou a atenção.

Periscope - Mapa
Escolha um destino e boa viagem.

Bizarrices árabes nos Emirados

Pensei então em ver o que estava rolando em Abu Dhabi e então abriu-se um vídeo de uma estrada em meio a um deserto. A transmissão acontecia de dentro de um carro em movimento, a música era esquisitíssima e o locutor do vídeo falava em um inglês carregado de sotaque. Pense no Borat. Agora multiplique por 50. Às vezes era possível ver as mãos do dono do celular, que estava no carona do carro. Ele fazia uns gestos como se estivesse dançando. Figura.

A principal diferença dos outros aplicativos de transmissão é que você não precisa também estar conectado visualmente. Você só assiste e interage com o visor do celular, seja enchendo a tela de corações – o que tecnicamente é uma espécie de like – ou conversando pelo teclado. A pessoa lê o que os Perispectadores estão escrevendo e assim interage.

No Brasil só tinha gente filmando a si mesmo

Não durou mais que dois minutos, porém. Resolvi mudar de ares e explorar as transmissões brasileiras. A primeira mostrava uma moça de uns 14 anos, aparentemente deitada numa cama. “Insônia” era o título da transmissão. E ela não falava nada, ficava apenas olhando para a tela. Diferente do árabe, ela usava a câmera frontal do celular para mostrar seu rosto e não o que estava à sua frente. Era bem escuro e bem íntimo. Me senti dentro do quarto dela. E isso foi, de certa forma, assustador. Saí fora e fui pra outra transmissão. “Só boyz” era o nome da outra. Um nome curioso. Fui ver qual eras. Mais uma vez, uma moça, essa com 16, respondendo a perguntas da galera. Mas a galera estava mais preocupada em pedir nudes. “Mostra o peito”, “mostra a calcinha”, “deixa eu ver seu quarto”, “deixa eu ver sua bunda”. A gurizada não é fácil. Enfim, não rolou nada disso e estava tudo muito chato. Saí fora daquela perda de tempo depois de um minuto.

Não tem nada a ver com a descrição acima. Não tirei print screens dos streamings pois não achei que fosse apropriado. Esse aqui eu achei no google mesmo.
Não tem nada a ver com a descrição acima. Não tirei print screens dos streamings pois não achei que fosse apropriado. Esse aqui eu achei no google mesmo.

Transmissões piratas

Depois dessa perdi a vontade de ficar vendo transmissões brasileiras. Fui pra Nova Zelândia e lá estava um cara repassando os playoffs da NBA. Pra quem não tem os canais, é uma ótima. Aliás, o Periscope já foi criticado por isso quando, em maio, a “luta do século” entre Floyd Mayweather Jr. e Manny Pacquiao, que estava sendo transmitida apenas por canais pagos, foi amplamente retransmitida por usuários do Periscope. Além de lutas e NBA, tem acontecido também em episódios de Game Of Thrones.

Na Itália, um streaming que valeu a pena ter baixado o app

Enfim, a qualidade de vídeo estava muito ruim. Resolvi parar de ver aquela NBA em pixels e ir para a África, mas não achei nenhum streaming por lá. Peguei então um voo para a Itália e vi a melhor transmissão até agora. Um italiano caminhando por Roma e, em vez de egocentricamente usar a câmera frontal, usava a câmera normal para filmar a cidade e conversar com as pessoas, tirando dúvidas e dando dicas sobre pontos turísticos da cidade. Dizia ele, em inglês, que o Periscope havia mudado sua vida, pois antes disso ele caminhava pela cidade sozinho e agora caminhava com a companhia de centenas de pessoas. Interessante, ele parecia se divertir muito e conhecer a cidade como só um nativo conhece.

O streaming do italiano foi o que mais me prendeu a atenção. Fiz uma caminhada virtual com ele, começando pela Piazza Navona, se desenrolando por ruelas estreitas e acabando no Pantheon, quando eu, pra falar a verdade, já havia cansado de ficar olhando para coisas tão bonitas pela tela do celular.

Só que antes de encerrar resolvi dar mais uma espiada. Fui pra San Diego e abri mais um streaming filmado de dentro de um carro. Parecia ser uma galera que estava dando um giro por bairros suburbanos, fumando um e ouvindo um gangsta rap no som, creio que era Snoop Dogg.

Periscope (3)
Essa imagem (também ilustrativa) é mais pra mostrar como você interage com quem está transmitindo o vídeo.

Uma mudança nas comunicações e no jornalismo

Achei legal o Periscope, mas como qualquer coisa na internet é cheio de lixo. A maior parte das transmissões não tem nada a ver. É gente dando mamá pra criança, olhando pra câmera sem falar nada, filmando uma festa árabe bizarra que você não gostaria de estar participando, uma aula no colégio ou gente cantando. Sim, esqueci de falar que abri o Periscope em São Luiz Gonzaga (aqui no Rio Grande do Sul) e tinha um cara tocando violão e cantando bem baixinho para “não acordar os pais”, segundo ele.

Se você souber filtrar bem é um aplicativo e tanto. Tem gente já usando o Periscope para transmitir palestras, manifestações, dicas turísticas, o trânsito e outras coisas. Não sei nada sobre isso no Brasil, mas nos Estados Unidos e na Europa alguns jornalistas já usam o aplicativo para fazer jornalismo em tempo real, uma revolução nas comunicações e na forma como nos relacionamos.

Essa outra imagem também não reflete os relatos desse texto, mas mostra como pode ser interessante transmitir uma palestra em tempo real para várias pessoas.
Essa outra imagem também não reflete os relatos desse texto, mas mostra como pode ser interessante transmitir uma palestra, aula ou reunião em tempo real para várias pessoas.

Sobre o Periscope

O app tem origem turca. Seu CEO e fundador é Kayvon Beykpour, que enxerga o Periscope não como um lance de streaming ao vivo, mas como uma máquina de teletransporte.

O desenvolvimento do aplicativo aconteceu em um período vital da história turca, durante as manifestações na Praça Taksim, em Istambul. A ideia dos desenvolvedores era criar uma ferramenta capaz de mostrar em tempo real o que estava acontecendo em qualquer parte do planeta.

A ideia colocada na prática. Periscope sendo usado na cobertura de protestos nos Estados Unidos, em abril de 2015

O Periscope é como uma televisão, mas com a verdadeira interatividade prometida desde o advento da TV digital. Interatividade não é responder a enquetes com o controle remoto ou pausar a programação, mas poder fazer perguntas e obter respostas em tempo real, e é isso que faz o aplicativo.

Outro detalhe importante lembrado por Beykpour é a época da história em que o Periscope foi criado. Para ele, teria sido um fracasso se fosse desenvolvido anos antes. O Periscope só existe graças à popularização das conexões móveis de alta velocidade. Antes disso não seria possível transmitir vídeos com tanta facilidade, a ideia não seria um sucesso e o Twitter não teria comprado o aplicativo por 100 milhões de dólares.

O Periscope é gratuito e está disponível para iOS na appstore e Android na Google play.

Um último dia quente | Contos #3

As costas de Jack estavam ardendo, derretendo. Seu couro se uniria ao da poltrona. O sol se fazia mais presente do que nunca.

Gabe, no volante, tirou um óculos de sol da gaveta do painel. Ligou o rádio.

– Você disse que pega carona todos os dias? – ele perguntou ao Jack.

– É – ele respondeu –, todos os dias. Não é um caminho muito longo, você sabe. Eu poderia ir a pé. Eu poderia ir de ônibus. Mas dou sempre a sorte de arrumar uma carona logo que saio da relojoaria.

– Todos os dias?

– Todos os dias.

– O que você faz?

– Você conhece a relojoaria no centro? Se você tem um relógio que não funciona, ou uma pulseira que arrebentou, ou um alicate de unha pra amolar, você vai me ver. Entendeu?

– Sei onde é.

Jack nunca tinha andando num caminhão daqueles antes. Era grande e barulhento e lento naquele trânsito da cidade. As ruas estreitas e cheias de gente, andando de um lado para o outro, atravessando na sua frente, gritando, com suas sacolas de compras e maletas. Loucura.

Já eram quase uma e meia da tarde e Jack ainda estava naquele caminhão. Um grupo de rock arrebentando na rádio.

– O trânsito tá foda hoje, amigo – resmungou Gabe.

– Só esta. Eu costumo estar em casa às… – ele consultava o relógio – … Bom, eu deveria ter chagado há uns dez minutos.

– As caronas costumam te deixar em frente de casa?

– Não. Eu desço no acostamento e entro na rua dos bancos. Ando cinco minutos e pronto: lá vejo as luzes acesas da varanda e o cachorro preso na corrente.

– A patroa cozinhando?…

– Não, não, eu moro sozinho.

– O que houve? O que aconteceu com sua patroa? Você já teve uma patroa, né?

– Sim, mas ela morreu.

– Me desculpe, cara.

– É, essas coisas acontecem. Acho que ninguém pode passar muito tempo com a mesma pessoa. Melhor um morrer do que um matar o outro.

– E filhos?

– Um. Mora fora do país.

– Hum… Deve ser um garoto inteligente. É bom, o seu garoto?

– Não sei. Ele foi embora um dia e nunca mais o vi. Recebi uma carta, e ele dizia que estava bem, não precisaria que eu fosse encontrá-lo.

Jack usava um macacão pesadão. O cinza estava desbotado e sujo de óleo. Ele tinha uma espécie de bolsa, uma mochila. Precisava aparar bigode e costeleta.

Passaram uns cinco minutos sem que ninguém dissesse nada. Jack olhou para Gabe. Este era um sujeito forte, típico caminhoneiro. Devia ter uns quarenta anos.

– Você viaja muito nesse caminhão? – perguntou Jack.

– Durante a semana eu entrego essas chapas de granito para as empresas aqui da redondeza. Eles me pagam o frete. Mas não é o suficiente. O caminhão é meu, eu tenho todos os gastos com gasolina, manutenção, impostos, você sabe.

– Sei.

– Então a cada quinze dias, se tudo correr bem, eu viajo três mil quilômetros e faço um frete especial pra essa outra empresa. Vou na quinta, carrego o caminhão, almoço lá, durmo lá, e volto no domingo com o caminhão carregado com as novas chapas.

– Eles vão te sugando de qualquer maneira…

– Ninguém fica sadio por mais que trinta anos nessa vida.

Faltava pouco para o destino de Jack. Ele tirou um maço de cigarros do bolso do macacão.

– Você tem um isqueiro por aqui?

Ele ia procurando na porta, no painel, abrindo o porta-luvas…

– MAS QUE PORRA?

Gabe assustou-se com o grito e quase perdeu a direção do caminhão.

Jack se encontrou pela primeira vez com aquele revolver sujo de sangue e talvez uns dez mil em dinheiro. E seu coração quase parou quando viu o carro avançando pela calçada. É, seu coração quase desceu no pit stop.

Gabe pôs o ponto morto e parou ali mesmo.

– Que porra você está fazendo? – ele gritou.

– Que porra VOCÊ está fazendo, com essa porra aqui? – gritou Jack.

Gabe retomou a primeira marcha e voltou para a estrada. Olhou para os lados e não vinha ninguém. Tudo em paz de novo. Ambos ficaram em silêncio. Jack suava limpava as mãos úmidas no macacão. Depois, limpava o suor do rosto com as mãos.

– Olhe só, cara, eu não queria que você tivesse visto isso – disse Gabe.

– “Isto”? Isto é uma porra de uma arma suja de sangue!

Gabe não respondeu.

– É o seguinte, Jack – ele disse –, você vai ter que me desculpar, mas não tem outro jeito.

– Jeito de quê? Do que você tá falando?

– Da arma! Você não devia ter achado a arma. Você podia ter ficado quieto aí, eu te deixaria onde quer que você tem de ficar, e você iria pra casa. Você podia ter evitado isso tudo, cara.

– Como eu ia saber que tinha uma porra de uma arma ali? Eu estava procurando um maldito isqueiro.

O cigarro ainda estava em seus dedos. Apagado. Sujo de suor.

Era só uma tarde quente. Gabe só queria tomar uma cerveja.

– O carro é roubado, Jack…

E daí, ele só queria uma cerveja.

– O carro é roubado – ele repetiu. – Eu acabei de sair da delegacia. Me pegaram por latrocínio.

Jack continuava quieto. O trânsito fluía melhor e o vento entrava pela janela e lhes refrescava.

– Diga alguma coisa, porra!

Ele riu. Jack olhou assustado e se manteve quieto.

– É o seguinte, Jack, vou ter que te passar.

– Me passar?

– É, você sabe… Você tinha visto meu rosto, mas agora você sabe quem eu sou. Vão falar de mim nas rádios daqui a pouco. Eu não posso correr esse risco, você sabe…

– Porra! Porra! Porra! Você vai me meter uma bala na cabeça? Você vai pegar essa arma e meter uma bala nos meus miolos, seu fodido?

– Ei, Jack, qual é a sua? Foi você que abriu o maldito porta luvas, não foi?

O caminhão rodava devagar. Gabe olhava fixo para a estrada. Jack estava quieto e muito pálido. Sua pele parecia pele murcha de lula. Parecia alguma coisa morta. Suas costeletas lembravam pernas de inseto. Era um enorme bagre morto, sentado na carona do caminhão.

– Então você tem que me matar?

– Me desculpe, Jack, mas não posso correr o risco.

– Você mentiu sobre a história do frete e das viagens e…

– Eu tive! Você entende, Jack, eu tinha que me esquivar.

– Você tem uma patroa em algum lugar?

– Tenho várias por aí, Jack. Uma para cada cidade – respondeu Gabe, rindo.

– E filhos?

– Mesma resposta, Jack.

– Hum.

–Eu tenho muito mais a perder do que você.

– Acho que faz sentido.

– A morte não é uma coisa ruim, Jack. Diz a verdade: você gosta de ser um relojoeiro e morar sozinho? Sem uma mulher, sem crianças, sozinho com seu cachorro…

– Meu cachorro tá muito velho…

– A morte não vai ser ruim pra você, Jack. Você pode até dizer que é um presente que eu te dou. Não se preocupe com nada, não vai doer nada.

– Como você pode ter certeza? Você já tomou um tiro antes?

– Vários, Jack. Um em cada cidade.

– Você deve ser um cara muito popular, então.

– E muito querido também.

– Então… – disse Jack, meio amedrontado –, como vai ser?

– Bom, pode ser na cara, no peito…

– Eu gosto da minha cara. Minha mulher gostava da minha cara.

– No peito, então?

– Dói?

– Muito pouco. E por pouco tempo, eu garanto!

– No peito então.

– Você não é um cara muito normal, né, Jack?

– Acho que não tenho muita escolha aqui. Como eu disse, as pessoas nunca devem ficar muito tempo juntas. Alguém sempre sai caído.

– Ei, Jack, não torne isso pessoal. Um cara tem de fazer o que for preciso para ser lembrado. Meu nome estará nos noticiários. Se você quiser, eu posso inventar uma história sobre sua morte, o que você acha?

– Uma história heroica?

– Claro, claro! Bom, sem exageros, naturalmente.

– Como?

– Eu conheço muita gente, Jack. Eu posso espalhar o boato de que você me viu saindo da delegacia e roubando o caminhão, e então você veio tentar me segurar e eu te dei um tiro. “Morte trágica de um cidadão de bem, um herói.” O que você acha?

– Acho bom. Veja só, é logo ali.

Gabe pisou o freio e estacionou perto da rua dos bancos. Ele pegou a arma e verificou as balas. Três. Apontou para o peito de Jack.

– Escuta só, eu tenho uns dois charutos aqui… – disse Jack –, por acaso você…

– Você não está armando pra cima de mim não, né, Jack?

– Porra, claro que não!

Gabe deixou o revolver sobre seu colo e pegou um charuto. Acenderam. Jack fumava e soltava a fumaça em círculos, enquanto olhava para o nada. Ele tinha olhos incógnitos, sem expressão.

– Você vai manter a palavra? – ele perguntou.

– “Cidadão recebe medalha post-mortem. Será erguida uma réplica de seu busto na praça central da cidade.” Você será famoso, Jack.

– Obrigado pela carona, Gabe.

Versão do diretor do clipe de “I’m Outta Time”, do Oasis, foi divulgada 7 anos após a original

Em 2008, o Oasis gravou o último álbum de estúdio antes da dissolução. Foi o fantástico Dig Out Your Soul, que teve entre outros singles a baladona I’m Outta Time, composição (uma das poucas) de Liam Gallagher.

A música ganhou um clipe na época com a direção do renomado W.I.Z., que comandou também os clipes de Stop Crying Your Heart Out, The Hindu Times Falling Down – o single final da discografia da banda.

Sete anos após o lançamento do clipe, surgiu uma versão alternativa, chamada de versão do diretor, no perfil pessoal do Vimeo de W.I.Z.

Diferente da original, em preto e branco, aqui há cores e alguns takes diferentes. O vídeo não está disponível para incorporar em sites fora do Vimeo, portanto pra assistir você vai ter que clicar na foto abaixo. A descoberta é do Oasis News.

Oasis - I'm outta time (1)

Agora a versão original:

Sense8: O que é ser humano?

Oito pessoas minuciosamente “escolhidas” em oito cidades diferentes ao redor do mundo. Unidos por sensações distantes das simplicidades corriqueiras, buscando algo mais. Algo além. O caminho? Incerto. Científico, religioso, místico. Sense8 é a mais nova série original da Netflix, criada pelos irmãos Wachowski ao lado de J. Michael Straczynski, e algo que o programa de estreia com 12 episódios disponibilizados na íntegra pelo canal de streaming não pode ser tachado, é de uma série pautada em pré-conceitos estabelecidos, enraizados.

No final da década de 90, Andy e Lana Wachowski romperam com o conhecido em Matrix. De lá pra cá, duramente criticados pelo público e por especialistas por seus trabalhos posteriores, os irmãos nunca abriram mão de realizar algo que pudesse soar atemporal, intangível no palpar das mãos, mas tangíveis através do saudosismo, da criatividade e da ousadia. Fora assim com o colorido, mas heroico Speed Racer (2009), e ainda usando outro exemplo, com os sci-fis líricos Cloud Atlas (2012) e Jupiter Ascending (2014).

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Lana e Andy Wachowski

Erroneamente, diversos críticos e amantes das artes cinematográficas pouco deram importância para a estreia de Sense8, isso porque estes ainda estão acostumados ao sistema no qual uma série precisa surpreender e dar vazão para suas tramas no seu episódio piloto. Acontece que, a Netfix, encontra-se isenta desses parâmetros quando coloca à disposição do seu assinante a temporada completa. Funciona como um filme, onde num intervalo de poucos segundos após o término do episódio, outro começa. Isso é ousado. Assim como os irmãos Wachowski.

A princípio, Sense8 trata de tudo, mas na verdade ele é sobre tudo. O que é ser humano? Cultivar raiva, medo, amor, compaixão, heroísmo, egoísmo. Sensações diversas onipresentes nos bilhões de seres humanos, mas destacadamente, ampliados em oito indivíduos. Estes, diferentes entre si, conectados de formas das quais uma mente precisa estar aberta, receptiva para tais conceitos. Sexo e religião são algumas das facetas do programa, que mencionados sem exageros, fazem espectadores refletirem: O que é ser humano?

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Dirigido e escrito veemente para romper barreiras culturais sem desrespeitar nenhuma, Sense8 estreia avidamente, sedenta, mas sem apelos. Passeando, ela chega imprescindivelmente num momento obscuro da humanidade, onde a tolerância é escassa, o respeito não é mútuo e a efervescência do sentimento conhecido como amor é líquida. Escorre entre os dedos, deixando-nos à mercê das coisas realmente importantes.

Destacar diferentes culturas e opções sexuais não é polemizar, mas sim abraçar generosamente aquilo que nos torna humanos, sensitivos. Straczynski e os Wachowski redefinem parâmetros dos quais nem precisaríamos debater num mundo utópico. Seria como assistir ao nascer do Sol, e reconhecer, que na sua beleza vil, diversas cores estão juntas para contemplar um novo dia, uma nova voz.

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Sense8 inicia sua jornada de forma épica. Com um primor técnico invejável, mas acima de tudo, colocando sentimentos até então definitivos para serem desconstruídos. Refeitos. A série mostra enorme potencial para inúmeras discussões essenciais, além de mostrar ao mundo que Andy e Lana Wachowski sempre puderam ir além de Matrix. Eles só precisavam de liberdade e uma maior sensibilidade de todos nós.

Google Maps oferece Dragão e Monstro do Lago Ness como meios de transporte

Como você faz para, usualmente, chegar de um ponto A a um ponto B? Carro? Caminhada? Bicicleta? Ônibus? Avião? Barco? Patinete? Tapete Voador? Vassoura?

As duas últimas opções em parecem bastante interessadas, mas ainda não tive oportunidade de utilizá-las. Na verdade, estou mais interessado em outras formas de transporte que, segundo o Google Maps, são mais rápidas e seguras: Dragão e Monstro do Lago Ness.

Sabe quando você traça uma rota e escolhe a forma com a qual você vai percorrê-la? É nessa opção que o Google adicionou as duas formas inusitadas de carona.

A infelicidade é que as opções só estão disponíveis para apenas um trajeto específico cada.

via Dragão

No percurso entre as montanhas galesas de Snowdon e Brecon Beacons é possível escolher a opção dragão de viagem. Se de carro o trajeto leva 3 horas e 29 minutos, na garupa de um dragão são apenas 32 minutos. Não é exatamente mais seguro, mas é seguramente muito mais rápido.

Dance Of Dragons
#partiubreconbeacons

via Monstro do Lago Ness

A outra opção é no trajeto entre o Fort Augustus e o Castelo Urquhart, na Escócia. A diferença aqui é bem menor, enquanto um trajeto de carro leva 24 minutos, a bordo de um Monstro do Lago Ness a viagem é de 22 minutos. São só 2 minutos a menos, mas provavelmente sem trânsito e com afogamento grátis.

Bônus: via Carruagem Real

Se você for da família real – ou um convidado – pode também ver o trajeto entre o Palácio de Buckingham e o Castelo de Windsor no Google Maps via carruagem real. O tempo estimado é de 1 hora e 16 minutos, enquanto de carro é de 57 minutos. Leva mais tempo, mas as chances de você sair na capa de um tabloide inglês crescem 2500%.

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