Mustache & Os Apaches lançam o single Chuva Ácida/Todo Trem

Esses músicos, que reunidos integram um grupo – de belo nome – chamado Mustache & Os Apaches, gravaram um belo single. Chuva Ácida/Todo Trem está sendo lançado em praticamente todas as plataformas digitais. Em formato físico, o single só estará disponível em um compacto de 7 polegadas, lançado pelo Selo 180. O trabalho gráfico é caprichadíssimo. Olhe só:

Masterizado em Oxford (Reino Unido), Chuva Ácida/Todo Trem é uma espécie de interlúdio entre o primeiro e o segundo álbum, que deverá ser lançado no primeiro semestre de 2015. Escute:

A poesia analógica de Tom & o lado louco de Zé

Dentre as várias memórias que tenho em meu HD cerebral uma sempre se destaca das demais. Em um dia comum estava em casa brincando com meus bonecos e ouvi na TV uma das coisas mais interessantes, cientificamente falando. Não me lembro o nome do fulano, mas sei que este cidadão morreu, porém antes de o fazer deixou claro que gostaria de doar seu cérebro para estudos do ramo das ciências.

Quando ouvi a repórter falando isso até parei de brincar. Fiquei imaginando a cena e tentando entender como os cientistas iriam tirar algum tipo de conclusão. Passados mais ou menos dez anos desse dia ainda não tenho a mínima ideia de como isso é feito, mas sei que se o Tom Zé deixasse eu seria um dos primeiros na fila para ver como sua cabeça funciona, e não, não estou querendo matar o gênio, quero apenas saber como sua brilhante mente funciona. “Vira Lata na Via Láctea” é, para variar, um dos discos mais interessantes do ano.

Quando comecei a publicar textos na internet sempre tive um objetivo, ficar satisfeito com meu conteúdo. Escrever requer muito mais do que apenas tempo, ou até mesmo vontade. Aprendi gradualmente a prestar atenção em tudo que ouvia, e foi ai que a MPB ganhou mais destaque nas minhas playlists.

Logo de cara fui apresentado ao Tom Zé, e já faz bastante tempo que tento captar algo de sua música e colocar em minhas linhas. Tom fala pouco e diz muito, diz tanto que já ouvi sua discografia uma par de vezes e sigo sempre repetindo os discos pois faltam detalhes a serem pescados.

Tom pode ser direto, possui classe para fazer rodeios, fala por metáfora e usa um palavrão tal qual um lord inglês. Ele domina a língua, e em sua mão as palavras dobram, torcem, viram do avesso. Ele tem pleno controle e seu discurso sai exatamente do jeito que ele bem entende.

Tom Zé (2)
Foto: André Conti

E disco após disco ele segue manipulando seu discurso de uma forma impressionante, com rimas que a princípio surgem relaxadamente estabanadas, mas que com a conexão de apenas uma palavra já torna uma estrofe genial. E neste novo trabalho, seu décimo quinto de estúdio, a criatividade se mantém pulsante e sua vontade em se reinventar no alto de seus 78 anos é contagiante.

O disco abre com “Geração Y” e os ET’s dento dos HD’s, passa por “A Quantas Você Anda” e uma das três participações da Trupe Chá de Boldo, conversando o novo com o velho, ambos de forma bem freak-fresca e atual. Faz um pit stop no Grajauex do Criolo e mete uma sambeira raiz….Chama O Terno em duas oportunidades, faz o Milton Nascimento bater cartão e ainda segura o Caetano Veloso pra fechar o disco.

O disco é muito cristalino na audição dos arranjos e na qualidade dos mesmos, Tom segue voando baixo e repete a fórmula de um disco recente (e também de sucesso) dentro de sua óbra, falo sobre “Tropicália Lixo Lógico”, lançado em 2011. Tom além de continuar mostrando que é gênio abre espaço para as relevações. Está pra nascer um baiano mais arretado que esse. Som para gratinar o vocabulário, obrigado pela oportunidade, Zé!

Tom Zé - Vira Lata na Via Láctea - 2014 - Capa

Track List:

1. Geração Y
2. A Quantas Você Anda – Trupe Chá de Boldo
3. Banca de Jornal – Kiko Dinucci/Criolo
4. Cabeça de Aluguel – O Terno
5. Pour Elis – Kiko Dinucci/Rodrigo Campos/Milton Nascimento
6. Esquerda, Grana e Direita
7.  Mamon – Silva
8. Salva Humanidade – Trupe Chá de Boldo
9. Guga Na Lavagem – Filarmônica de Pasárgada/Tatá Aeroplano
10. Irará Irá Lá – Trupe Chá de Boldo
11. Papa Perdoa Tom Zé – O Terno
12. Retrato Na Praça da Sé – Kiko Dinucci
13. A Boca da Cabeça
14. Pequena Suburbana – Caetano Veloso

Carta à Anne Frank

“Anne,

Essa carta é pra te agradecer e pra te homenagear. Nunca uma criança (ou pré-adolescente, como você iria preferir) escrevera tão bem, com tanta alma, tanta verdade e com uma ligação palavra-coração tão próxima. Eu, como aspirante à escritora e amante das palavras, da literatura e da história, não poderia deixar de te ter como mais uma referência. Não é bem uma evolução que se é observada no seu diário, é um início já muito marcado pelo bom texto e pela sensibilidade com as letras.

Não escrevo essa carta simplesmente pelo término da leitura do diário. É por um dia em especial. É pelo dia em que eu me senti Anne e senti, também, orgulho pela pessoa você foi. Cinco de Abril de 1944. Quatro meses depois você estaria sendo levada para um campo de concentração. Após tantos medos, o pesadelo tornou-se realidade e o Anexo foi descoberto. Mas nesse dia você sonhou, Anne. E apenas com 14 anos descobriu o que queria ser quando a vida recomeçasse.

Escolho esse dia para te agradecer por se refugiar num meio em que, futuramente, todos iriam ler (por desejo até seu mesmo). Por colocar pra fora uma vida tão íntima, tão fechada em quatro paredes e ao mesmo tempo tão escandalizada em sentimentos à flor da pele, desejos extraviados e um coração pulsando liberdade. Anne, você é um pouco de todo mundo. Aliás, todo mundo é um pouco de você. E, sim, você nasceu pra ser um exemplo e pra tornar viva a ideia de que dá pra sonhar, não importa o lugar, não importa o momento.

“Quando escrevo consigo afastar todas as preocupações. Minha tristeza desaparece, meu ânimo renasce! Mas – e esta é uma grande questão – será que conseguirei escrever alguma coisa grande, será que me tornarei jornalista ou escritora?”

Foi quando eu descobri, Anne, que essa seria a sua profissão se os alemães não tivessem te descoberto. Não porque era o que você desejava, mas porque era o que você fazia de melhor. Dos oito moradores do Anexo Secreto, ninguém, nem o mais velho da quadrilha, era capaz de questionar tão bem. E melhor: questionar tudo. E estudar em cima dos próprios questionamentos. Anne, você foi um exemplo de grandiosidade, quando todos se mostraram tão pequenos, frágeis e vulneráveis aos barulhos das bombas.

14 anos e uma vida completamente formada para o futuro. Por que tirar do mundo pessoas tão incríveis? Hoje, talvez, tivéssemos um exemplo forte de jornalista judia que relata as guerras a partir de suas próprias experiências. Ops! (Anne fazia Jornalismo Gonzo com seus “diários de viagem” e nem ela mesmo se dava conta disso). É no momento da inocência e da não percepção de grandiosidade que os grandes feitos são realizados. Anne sabia do seu potencial, mas houve dias em que achava que morreria ali, sem salvação.

“Preciso ter alguma coisa além de um marido e de filhos a quem me dedicar! Não quero que minha vida tenha sido em vão, como a da maioria das pessoas. Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte! E é por isso que agradeço tanto a Deus por ter me dado este dom, que posso usar para me desenvolver e para exprimir tudo que existe dentro de mim!”

Talvez você não tenha alcançado o sonho que desejava e talvez – ou melhor, tenho certeza – não tenha sido esse o caminho da vida que você sonhou. O seu futuro parecia metodicamente traçado pelo seu diário, mas ao mesmo tempo todas aquelas linhas se entortavam pelo caminho, sendo metralhadas pelo exército alemão. Talvez não da forma que você esperaria, mas você vive e sobrevive todos os dias, mesmo depois da morte, Anne. E esse é o seu legado, essa é a sua contribuição ao mundo: mostrar que tudo que é externo pode ir muito além do que supostamente se conhece.”

Escrevi sobre O Diário de Anne Frank recentemente, mas seria egoísmo não dedicar um dia da minha vida para agradecer a essa mina de ouro perdida no tempo. O diário de Anne é atemporal. Ultrapassa os limites do espaço físico e perfura a alma e o coração, atingindo os pontos mais frágeis e que talvez você nem conhecesse. É leitura fundamental, assim como tê-la como referência é tarefa indispensável após ter adentrado tão vivamente em sua vida.

A geometria impressionante da moradia pública de Hong Kong

Hong Kong é uma das cidades mais densamente povoadas do mundo, e em nenhum outro lugar isso é mais aparente do que nas estruturas habitacionais públicas da cidade.

O fotógrafo australiano Peter Stewart mostra em sua série “Stacked” a beleza geométrica destes incríveis edifícios. Por um lado, as moradias – empoleiradas cuidadosamente uma em cima da outra, como Legos – são provas concretas da superpopulação Chinesa – a cada quilômetro quadrado, estão cerca de 6,4 mil pessoas. Se olharmos por uma visão pessimista, parece um amontoado de gaiolas claustrofóbicas. Mas essa não é a visão de Stewart, as imagens do fotógrafo inspira uma sensação de calma em meio ao caos, transmitindo simetria entre as linhas geométricas e cores vibrantes dos edifícios.

“Tudo o que precisamos realmente é um olho afiado para encontrar a beleza no monótono”, disse o fotógrafo ao The Creators Project  – “Parar para ver as estruturas do cotidiano que nós muitas vezes deixamos de apreciar.” Ele explica que pela noite foi o melhor horário para ter acesso a determinados espaços, quase sem interferência humana. Stewart usou uma Canon EOS 5D Mark II para esta série.

Se quiser ver mais desse e de outros trabalhos, acesse a página pessoal do fotógrafo.

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A vingança de Sue Mingus

Quando eu entrei nessa de gostar de Jazz eu já imaginava que seria um terreno muito vasto para explorar. Eu sabia que antes de me considerar  um fã de Jazz teria que procurar muitos artistas e álbuns, além de ler muita coisa a respeito. Nos últimos anos venho fazendo um pouco de cada uma dessas coisas e já penso diferente: o terreno vasto é um parque da Disney do tamanho da África, e eu sou um menino de 5 anos.

Há um tempo atrás eu estava me dedicando a reunir álbuns de grandes nomes, com a finalidade de experimentar e conhecer a música de cada um deles. Um destes álbuns foi Revenge! de Charles Mingus, que adicionei no Deezer. Trata-se de uma seleção de concertos gravados em Paris, durante uma tour que ele e seu conjunto realizaram em 1964. É uma obra excelente e uma daquelas provas que se pode ouvir um álbum por toda a vida.

A riqueza das peças e a beleza intrigante da capa me levaram a pesquisar a origem do álbum. Por algum motivo pensei que se tratava de um álbum político ou étnico, já que o título e o rosto de Mingus, coberto por uma jalaba, davam boas margens sugestivas para isso. Sim, pode-se dizer que é um álbum político, mas não da forma que pensava.

Revenge - Charles Mingus - Capa

A ladra de discos

No site oficial de Charles Mingus você pode conhecer o relato de Sue Mingus, viúva do grande baixista. Ela conta que, acompanhando todas as tours de marido ela sempre se dedicou a procurar nas lojas de discos por gravações piratas ou não autorizadas das composições de Mingus e seu sexteto. Em Paris, como ela conta, foi a primeira vez que ela foi pega roubando um disco de uma loja.

The first time I was caught stealing records was in Paris in the autumn of 1991. I’d passed through the front door of the city’s largest record store and was standing outside on the Champs Elysees when three store guards sprang out of nowhere and surrounded me. They were waving walkie talkies and shouting in French to someone inside the store. I had about 20 stolen Mingus CDs under my arms

Sue fazia isso para defender os direitos autorais de seu marido. Segundo seu relato naquela época era muito usual as pessoas gravarem sem autorização as apresentações do sexteto e reunirem em discos algumas dessas apresentações para depois venderem como discos legítimos. Pensando como um fã isso poderia ser algo genial, já que traria a tona gravações únicas que apenas algumas pessoas puderam ter o privilégio de ouvir. Por outro lado, o dinheiro arrecadado com elas nunca seria visto pelos músicos e compositores originais.

Para combater a pirataria sobre as composições de Charles ela decidiu , como ela mesma disse, “continuar a luta em um nível mais alto”. Ela reuniu gravações ilegais de um dos dois concertos realizados em Paris e através de um novo selo, o Revenge Records!, lançou o Revenge!

Charles e Sue Mingus
Charles e Sue Mingus

O Álbum

Revenge! é composto por seis números que foram apresentados na Salle Wagram, no dia 17 de abril de 1964. O concerto contou com  Eric Dolphy (sax alto, clarinete baixo e flauta), Johnny Coles (trompetes em So Long Eric), Clifford Jordan (sax tenor) Jaky Byard (piano), Dannie Richmond (bateria) e, é claro, Charles Mingus (contrabaixo); e foi considerado o ” lendário concerto de Paris” de Mingus.

Segundo o que conta o site, tal concerto é muito confundido com outro que foi realizado um dia depois, no Theatre des Champs Elyseés que também teria sido amplamente pirateado, através da Prestige Records, um selo americano de Jazz, que mais tarde foi vendido para a Fantasy Records e hoje integra a Concord. Naquela época tanto o sexteto de Mingus quanto outros músicos sabiam que algumas pessoas estavam indo aos concertos para gravarem as apresentações, mas os músicos não podiam fazer nada a respeito.

Por mais errado que isso tenha sido, pessoalmente tenho muito a agradecer a estes pilantras. Se tivesse vivido naquela época eu provavelmente teria sido um deles, não com a finalidade de fazer grana (talvez), mas distribuiria livremente o resultado das gravações entre outros fãs. No final das contas todo o esforço não parece ter compensado: hoje você vai poder conhecer cada faixa e baixar na internet a qualquer momento (nem preciso dizer como né?).

Os números apresentados também guardam boas histórias. Todo gênero de música puramente instrumental é fascinante pela enorme margem de imaginação que proporciona ao ouvinte. Sem a presença de letras cantadas é possível imaginar inúmeros significados para cada música, assim como muitas sensações e ambientações podem ser experimentadas, não importando muito quantas vezes você ouviu a faixa. Tudo bem que alguma canção possa ter assumido determinado papel emocional para você (não importa quando nem onde, sempre que escuto Milestonescomeça a chover – literariamente, claro), mas a princípio você sempre tem liberdade pra ditar o que se passa na sua cabeça quando os acordes começam a se desenhar, principalmente quando se trata de Jazz instrumental. Ainda assim creio que muitos já tentaram buscar pelo significado dos títulos das músicas de Jazz, e descobrir o que os compositores queriam dizer com isto.

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Mingus fumando um bombaiano

1. Peggy’s Blue Skylight

Até pouco tempo eu não sabia o que era claraboia. Quando me deparei com o título da faixa que abre o álbum não sabia dizer do que se tratava em bom português, mesmo quando li sobre sua composição: Charles estava na casa de sua amiga, Peggy Hitchcock, quando compôs o tema.

“I wrote it on the piano at Peggy Hitchcock’s house. We were friends. She wanted to take the blue plastic shield from the cockpit of a fighter plane and replace her skylight with it so the sky would always be blue. The government wouldn’t let her do it.” (Mingus quoted in Charles Mingus: More Than a Fake Book, Jazz Workshop, Inc., 1991, distributed by Hal Leonard).

Um dia desses minha namorada falou a palavra “claraboia” e eu perguntei se era algo usado em cursos d’água. Ela me explicou e então percebi que ideia genial teve essa tal de Peggy. Gostaria de ter uma claraboia azul no meu quarto também.

2. Orange Was the Color of Her Dress Then Blue Silk

Acredita-se que esta faixa tenha alguma relação com  a música Song with Orange, que Mingus teria composto para uma TV Show. A musica teria sido criada para contar  história de um compositor que atende o pedido de uma jovem rica, para que composse uma música dedicada ao seu vestido de cor laranja. Baita viagem né? Viagem mesmo foi o que aconteceu no começo desse número.

Antes da apresentação do sexteto um circo russo havia se apresentado no Salle Wagram, e em virtude dessa apresentação o palco estava “um tanto” mais alto do chão. Jhonny Coles, o trompetista do sexteto, teria contado vinte e dois passos do chão. Como conta a história, Coles só teria conseguido executar a faixa So Long Eric, pois um tempo depois de ter tocado um solo começou a sentir algumas dores, resultado de algumas úlceras, e procurou os bastidores atrás das cortinas. Sim, ele caiu e desceu todos aqueles vinte e dois passos de uma maneira trágica. Isso aconteceu no começo da faixa.

Não se sinta culpado, eu também ri da história. O resultado, no entanto, não foi engraçado para Coles, que foi hospitalizado e só acordou três dias depois. Ao vê-lo o médico teria dito “É bom ver você vivo”. Coles fez uma cirurgia e não pode seguir na tour.

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Coles se fodeu

3. Meditations On Integration

Esta talvez seja a melhor música de todo o álbum. Claro que cada uma tem suas peculiaridades, mas esta tem uma força especial. O tema é frio mas estranhamente animado, algo palpitante e aventureiro que quase ninguém percebe. Uma cena perdida em um filme de ação. Trata-se de uma variação de Meditations que Mingus escreveu para as pessoas que estavam sendo segregadas in the South (não saberia dizer se Sul dos EUA ou África do Sul). Ele brincou com a ironia de que “as pessoas não tinham fogões ou torneiras à gás, mas já tinham cercas elétricas”. Em nome dessas pessoas escolheu três títulos para o tema: Meditations On Integration,  Meditations for a pair of wire-cutters e Meditations on inner peace.

4. Fables of Faubus

A faixa é conhecida do álbum Ah-Um e é endereçada ao então Governador do Arkansas, Orval E. Faubus, que em 1957 ordenou que a Guarda Nacional evitasse que um grupo de crianças negras entrasse na Escola de Ensino Médio de Little Rock. Mingus e o baterisa Dannie Richmond teriam criado versos para entoar durante a música, mas a Columbia Records impediu-os de gravar. Nesta apresentação parece ser possível ouvi-los cantando (ainda não consegui).

Oh, Lord, don’t let ‘em shoot us!
Oh, Lord, don’t let ‘em stab us!
Oh, Lord, don’t let ‘em tar and feather us!
Oh, Lord, no more swastikas!
Oh, Lord, no more Ku Klux Klan!
Name me someone who’s ridiculous, Dannie.
Governor Faubus!
Why is he so sick and ridiculous?
He won’t permit integrated schools.
Then he’s a fool!
Boo! Nazi Fascist supremists!
Boo! Ku Klux Klan (with your Jim Crow plan)
Name me a handful that’s ridiculous, Dannie Richmond.
-Faubus-Rockefeller-Eisenhower
Why are they so sick and ridiculous?
Two, four, six, eight: They brainwash and teach you hate.
H-E-L-L-O–Hello.
(From Charles Mingus: More Than a Fake Book.)

5. So Long Eric

O tema teria sido criado para convencer Eric Dolphy a permanecer no sexteto depois da tour. O saxofonista planejava abandonar o grupo e passar a viver na Europa. A musica seria no entanto um adeus manhoso, uma vez que o grupo sentiria a ausência de Eric. De fato sentiram ainda mais: Dolphy veio a falecer meses depois.

6. Parekeriana

Trata-se de uma homenagem a Charlie “Bird” Parker, que em algumas gravações é intitulada Ow ou Dedicated to a Genius. Segundo o site musicologista Andrew Homzydiz tratar-se de uma colagem de temas bebop, algumas de Bird e outras que, creio eu, teriam sido conhecidas por sua execução. No artigo ele identifica mais de oito temas. Já eu aqui sou apenas um garoto que suja as calças de vez em quando.

Espero que tenham gostado, apesar da postagem quilométrica. Cuidado com os degraus.

8 Motivos Para Abraçarmos as Críticas

Receber críticas não é divertido, e muito menos prazeroso. Mas evitar o prazer eventualmente precipita o crescimento.

Nós temos a péssima mania de julgar absurdo aquilo que não passa por nossa cabeça e, quando somos desafiados por alguém, é bem comum que nossa reação seja negativa, o que é um sério problema.

Todos os dias somos alvo de uma crítica (senão dos outros, de nós mesmos). Por isso, aquele que é capaz de lidar com críticas possui uma habilidade para poucos.

Não podemos controlar o que as outras pessoas nos dizem, mas podemos administrar a forma como interpretamos aquilo que ouvimos.

A maneira como resistimos ao receber críticas é o fator determinante para reconhecermos ou não seus benefícios. Reagindo a uma crítica com hostilidade, diminui a nossa autoestima e aumentam a raiva e o estresse. Reagindo a uma crítica com gratidão, nós evoluímos.

Se tivermos a competência de suportar a pressão das críticas, as recompensas serão satisfatórias. A seguir constam oito motivos pelos quais devemos valorizar o mínimo que seja de cada uma das críticas que recebemos:

1. Elas nos fazem crescer

Para aproveitarmos bem os feedbacks, é muito importante diferenciarmos as críticas construtivas das destrutivas.

As críticas construtivas são muito úteis e benéficas. Elas focam no aperfeiçoamento, na melhoria de atitudes, na correção de falhas e na consideração de novas perspectivas. Esse tipo de feedback é positivo.

As críticas destrutivas são cancerígenas. Elas têm a finalidade única de ameaçar, ferir ou desestabilizar. Esse tipo de feedback é negativo.

Críticas construtivas são frutos; críticas destrutivas são pedras. O ideal é ouvi-las sempre abertamente para podermos discernir se elas pretendem nos ajudar, ou apenas prejudicar.

Como afirmava o presidente Abraham Lincoln:

“Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar.”

2. Elas ampliam o pensamento

As críticas abrem portas para lugares antes inimagináveis. Elas nos fazem sair da caixa: enxergar o mundo de outras formas e conhecer diferentes pontos de vista.

Toda vez que somos desafiados, ampliamos o nosso pensamento. O jornalista Walter Lippman dizia:

“Quando todos pensam igual, ninguém está pensando.”

3. Elas nos lembram que não somos perfeitos

O perfeccionismo é uma das principais causas de desilusão, e uma crítica pode ser exatamente aquilo que precisamos para lembrar que somos imperfeitos.

As pessoas que se cobram sempre ao nível da perfeição subestimam o fracasso, e como consequência podem acabar inconsoladas ou deprimidas.

O mestre Stephen King sempre diz:

“Se você se irrita com os críticos, pode ter certeza de que quase sempre eles estão certos.”

4. Elas nos ensinam a ser mais tolerantes

Reagir defensivamente à uma crítica costuma ser um ato recorrente.

Se enxergamos uma crítica como ofensiva, é porque estamos vestindo uma espécie de armadura e, se pararmos pra pensar, muitas vezes não precisamos carregar esse peso.

Quando sabemos lidar com feedbacks de forma produtiva, com o tempo vamos aprendendo a respeitar diferenças e aceitar nossas limitações, o que nos torna mais racionais e compreensivos.

Dale Carnegie escreveu:

“Qualquer tolo pode criticar, condenar e reclamar, mas é preciso caráter e autocontrole para ser compreensivo e indulgente.”

5. Elas nos protegem de perigos

Cada um de nós faz aquilo que acredita ser o certo, mas uma crítica tem o poder de nos fazer parar um instante para refletir se vale mesmo a pena agir da maneira que nos convém.

Se estivermos agindo de maneira autodestrutiva, críticas podem ser a salvação.

Comentava Norman Vincent Peale:

“O mal de quase todos nós é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica.”

6. Elas diminuem a necessidade de aprovação

Qualquer relacionamento que tenha a necessidade constante de aprovação acaba sendo desgastante para todos os envolvidos.

Quanto a isso, críticas também nos ajudam: elas dão a chance de desafiarmos nossa obsessão por agradar todo mundo.

Bem disse Lori Deschene:

“É libertador deixar as pessoas pensarem o que quiserem, já que elas vão fazer isso de qualquer forma.”

7. Elas nos tornam mais produtivos

Críticas geralmente nos deixam mais proativos, pois elas estimulam nossa capacidade de resolução de problemas e nos induzem à ação.

Todo feedback acaba nos tornando mais produtivos de uma forma ou de outra. Mesmo que não exista motivo algum para agirmos frente à uma crítica, nós sempre gostaremos de fazer alguma coisa pra provar que a pessoa que nos criticou estava errada.

Segundo o poeta Oscar Wilde:

“Aqueles que não fazem nada estarão sempre dispostos a criticar os que fazem algo.”

8. Elas nos incentivam a explorar questões mal resolvidas

Todo mundo têm seus problemas (medos, traumas, rixas, manias, etc).

Em todos os casos, se vermos as críticas com bons olhos, sempre teremos uma oportunidade de nos libertar daquilo que está nos fazendo mal.

Neil Young & O Lado Orquestrado da Lua

Em 2014 o reverendo Neil Young estava me devendo uma. Consido realmente muita patifaria de minha parte ter pensado que o canadense me “devesse uma”, afinal de contas o trovador solitário me brindou com músicas estupendas, e se alguém deve algo para alguém este alguém sou eu… Aliás todos nós, fãs de sua música, estamos em débito com seu talento.

Gostaria de recomeçar a explicar a parte do “me devendo uma”. No começo deste mesmo 2014 que ainda vivemos, Neil gravou A Letter Home, e com ele me fez realmente espumar pelos ouvidos. Achei um dos piores trabalhos de sua carreira e um disco que tenta experimentar, mas além de chover no molhado, ainda o faz com uma cabina telefônia que pagava de Jukebox do Austin Powers, e que Neil VIVEU para poder utilizar, só que só resolveu operá-la mais de 40 anos depois de seu natural invento.

Mas, repetindo o que aconteceu em 2012, Neil surge com dois trabalhos para 2014, e com o segundo Storytone (a ser lançado dia 3 de novembro) ele enfim acerta o alvo novamente. Foi bem difícil ouvir A Letter Home depois do excelente Psychedelic Pill, além de um som completamente diferente foi uma ruptura de qualidade imensa, e com o ousado projeto de Storytone as coisas parecem se acertar. Inclusive considero este disco como o sucessor natural do trabalho com a Crazy Horse. Folk orquestrado e na viola com uma ótima versão deluxe.

Neil Young - Storytone Capa
Neil Young – Storytone

Track List

1. Plastic Flowers
2. Who’s Gonna Stand Up
3. I Want To Drive My Car
4. Glimmer
5. Say Hello To Chicago
6. Tumbleweed
7. Like You Used To Do
8. I’m Glad I Found You
9. When I Watch You Sleeping
10. All Those Dreams

O set list da versão standard desse trabalho faz uma mescla entre o Folk trovadoresco do mestre e as versões orquestradas, já na versão deluxe temos exatamente o mesmo conteúdo do set list, só que desta vez a viagem é completa. O primeiro disco apresenta as 10 faixas destacadas acima no formato acústico, e no segundo as mesmas dez faixas no padrão Villa-Lobos de excelência.

Ambas estão plenamente disponíveis na internet, e para efeitos de um texto mais abrangente resolvi falar sobre esta versão. Começando com a parte em que Neil é mestre Phd temos o lado Folk deste disco. Em termos criativos as faixas desse disco são ótimas, o som estimula o ouvinte a ficar sozinho e apreciar esse som da forma que o bom Folk sempre induz, “egoísta”, e sempre tirando algo das letras, que aqui se encontram especialmente inspiradas.

Outro detalhes que vale ressaltar é que mesmo com Neil tocando violão e fazendo os vocais, o som consegue atingir um grau de riqueza excelente. Fora que do ponto de vista estético, gostei bastante do espaço que o Canadense deu para o marfim, temos muitas faixas com sua voz no front das teclas e o resultado é lindo. I’m Glad I Found You é um dos grandes exemplos disso. As faixas são relativamente curtas, a impressão que se tem é que em vinte minutos o disco com Neil solo termina, mas não, são cerca de 35 minutos, outro sinal da qualidade do trabalho, flui muito fácil. É realmente delicioso.

Aliás escrever essas linhas foram muito prazerosas e paradoxalmente complexas, por que o som naturalmente lhe faz ficar recluso, e eu não poderia ficar calado com temas como Who’s Gonna Stand Up, Like You Used To Do ou All Those Dreams, por exemplo.

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Foto: Matt Kent/Getty Images

E para provar que Neil “quitou” sua dívida com meus ouvidos com juros e correção ainda tinha a parte orquestrada, e foi aí que tive uma das mais belas surpresas de 2014. Se esse trabalho tivesse chegado ao fim só com os temas solo já seria um grande registro, mas foi no orquestrado que Young mostrou seu valor diferenciado como músico e todo seu talento e feeling.

Pode reparar, em discos onde uma orquestra se faz presente sempre tem algum tema ou um par de momentos que soam exagerados. Parece que acaba ficando ‘”enfeitado demais”… Não existe muita explicação, só parece saturado, e acaba perdendo o mais importante dentro da música, sua verdadeira essência.

Essa foi uma das minhas maiores preocupações antes de ver o lado chique e com direito a 92 músicos presentes para a ode sonora de Storytone e seu som à la Mark Twain de “O Príncipe e o Mendigo”, começando “mendigo” com Folk, e terminando “príncipe” com a riqueza regida por Michael Bearden e Chris Walden.

Young montou suas músicas de uma forma grandiosa, ouvimos o disco rearranjado desta forma e só temos elogios a tecer. Temas simples se tornam verdadeiras wild tales, e enquanto repassamos a audição vemos como a riqueza instrumental dá outra cara para o som, e como isso ainda pode ser feito de uma forma simples, absolutamente sem exageros… Em Glimmer, por exemplo, a gaita de Young é o destaque, e lembrem-se, eram 92 músicos fazendo a parte de construção sonora… Quando o cara manja ele simplesmente manja, realmente excelente!

Inédita de Paul McCartney – Demons Dance – já pode ser ouvida

Demons Dance é uma composição que sobrou nas sessões de gravação do álbum New. Ficou de fora. Acertadamente, Paul McCartney lança uma edição bônus do disco não só com essa canção, mas com uma outra inédita – que ainda não vazou: Hell to Pay.

A reedição ainda tem a faixa Struggle, lançada na versão japonesa do disco, quatro músicas ao vivo (Save Us, New, Queenie Eye Everybody Out There) e um DVD com  clipes, performances ao vivo, imagens de bastidores e um documentário.

Escute Demons Dance abaixo:

http://youtu.be/DiEdmQd5h2g

‘Bite it, you scum!’

O doentio mundo paralelo de GG Allin segue assombrando o Rock N Roll.

Já antes dos primeiros acordes da música de abertura, percebe-se que o clube Space and Chase de Nova York não assistirá um show comum. A banda entra silenciosa no palco, e o vocalista usa uma indumentária de palco pouco usual: botas de vaqueiro, mais nada. Sem avisos, sem preâmbulos, começa a primeira canção. O show fica não mais do que alguns segundos em cima do palco: antes mesmo de terminar de cantar a primeira estrofe, o vocalista salta em direção à plateia e, ato contínuo, soca o rosto de um dos membros da audiência. O som seco do microfone contra o rosto desprotegido encaixa macabramente com o tempo da canção. Momentos depois, alguém é arrastado pelos cabelos, e o cantor começa a esfregar o pênis no rosto de sua vítima antes que alguém a arraste para longe dali. Em segundos, um enorme espaço se abre na primeira fila, com a audiência procurando ficar o mais longe possível do homem que dança de forma insana na frente do palco. Antes do fim do segundo refrão, esse homem terá defecado no chão, ingerido parte das fezes e esfregado o resto no próprio rosto e coxas. Quase ao final da canção, ele avança sobre o espaço reservado ao público – e as pessoas que normalmente se espremem na frente do palco agora se aglomeram no fundo do recinto, fugindo como podem de um personagem que está completamente fora de controle. Antes do final da terceira música, os donos da casa encerram abruptamente o show, com policiais surgindo para prender o vocalista e tentar colocar alguma ordem na enorme confusão.

GG Allin costumava chegar um tanto quanto esgotado ao fim de seus shows
GG Allin costumava chegar um tanto quanto esgotado ao fim de seus shows

Muitas pessoas gostariam de poder acreditar que histórias como essa são obras do exagero, lendas urbanas que se espalham no boca a boca, e até mesmo que o personagem dessas fábulas do grotesco nunca teria existido. Talvez a negação até funcionasse, não tivessem esses eventos sido registrados em vídeo, provando acima de dúvidas que GG Allin existiu e que seu legado repugnante não é fruto de relatos distorcidos e imaginações doentias.

Nascido na pequena cidade norte-americana de Lancaster, recebeu o nome Jesus Christ Allin de seu pai, que alegou ter sido visitado por um anjo que apontou o jovem como um novo Messias. Seu irmão mais velho Merle (companheiro de banda de Allin por muitos anos) não conseguia pronunciar direito “Jesus” e acabava chamando-o de “jeje”, surgindo aí o apelido que o músico levaria por toda a vida. A família Allin morava num furgão sem água e luz, e seu pai proibia qualquer conversação após o escurecer, além de ameaçar matar toda a família várias vezes.

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A imprensa sempre esteve à vontade para elogiar o talento musical de GG

Desde cedo um desajustado que praticava todo tipo de arruaça e ia para a escola usando roupas de mulher, GG Allin encontrou na música punk um caminho natural a seguir. Começou como baterista, e sua primeira banda foi o Malpractice em 1977. Pouco depois, uniu-se ao The Jabbers, primeiro como baterista e depois como vocalista, e com eles fez suas primeiras gravações. Nessa época, GG era uma figura relativamente normal e chegou até a se casar com uma namorada dos tempos de escola. Mas Allin foi mergulhando nas drogas, seu casamento fracassou e o The Jabbers não resistiu à excentricidade crescente de seu vocalista, encerrando atividades em 1984.

A partir daí, a trajetória de GG Allin se torna uma das mais doentias de que se tem notícia. Tocou com várias bandas e escreveu um sem-número de canções, registradas em incontáveis lançamentos – mesmo os mais devotados fãs ignoram o número exato de itens existentes entre vinis, CDs, fitas cassete e vídeos. Suas letras quase invariavelmente falavam de assuntos repugnantes para a maioria, e seus shows eram bizarros, para dizer o mínimo. Sempre drogado, Allin agredia o público, atacava mulheres que estivessem na platéia, evacuava no palco, destruía o que encontrasse na frente e não raro causava sérios danos a si mesmo. Em mais de uma oportunidade, o vocalista saía do palco direto para o hospital – em um evento que se tornou célebre, quebrou parte dos próprios dentes a golpes de microfone.

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Em paz, GG Allin prepare-se para sua última viagem

Os shows quase sempre eram encerrados prematuramente, ou pelos donos do lugar ou pela polícia. Allin foi preso inúmeras vezes – na mais grave delas, ficou dois anos detido por ter submetido uma mulher a tortura sexual, acusação que sempre negou alegando ter agido com o consentimento da vítima. A vida de Allin rendeu um documentário, “Hated”, dirigido por Todd Philips. A película acabou sendo uma espécie de canto de cisne de GG Allin, que morreu de overdose em junho de 1993, antes da conclusão do filme. Seu enterro foi um evento digno da vida que GG levou. Vestindo um tapa-sexo e jaqueta de couro, o cadáver (que estava sujo de fezes e, a pedido do irmão Merle, não foi lavado antes da cerimônia) tinha seus genitais apalpados e bebidas eram derramadas na sua boca pelos amigos que foram prestar sua última homenagem.

O fim de GG Allin não será surpresa para qualquer um que conheça seus hábitos ultrajantes, mas muitos hão de se admirar com o status de lenda que o músico atingiu em vida e que talvez até tenha se fortalecido depois de sua morte. Aos poucos, foi crescendo um verdadeiro culto underground a GG, com várias bandas fazendo releituras de suas músicas e um comércio frenético de itens raros, que chegam a ser vendidos por centenas de dólares em sites como o eBay. A banda Murder Junkies (última a acompanhar GG e liderada por seu irmão Merle) segue fazendo shows, e eventos são organizados no mundo inteiro em homenagem a essa verdadeira lenda do submundo.

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GG Allin and the Murder Junkies, em um ensaio fotográfico casual

Em 2003, Florianópolis foi palco de um desses eventos. Organizado por estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), “Dez anos sem GG Allin” foi uma semana multimídia que envolveu exibição de filmes (“Hated” entre eles), palestras de figuras do submundo como o cineasta trash Peter Baierstoff, peças teatrais e um show de encerramento, em que cinco bandas fizeram o seu melhor (ou pior) para homenagear no palco alguém que fez dele um veículo para a infâmia. Como nota cômica, a estratégia de divulgação. Membros da organização foram até o programa televisivo do deputado estadual Cesar Souza e passaram alguns minutos contando no ar a história de GG Allin, enfatizando o posicionamento “contra as drogas” do músico (que inclusive teria, segundo os entrevistados, uma ONG para apoiar músicos afundados no vício) e sua postura “pacifista” diante do rock e da vida. Coerente com a trajetória de GG Allin, de certo modo.

http://www.youtube.com/watch?v=VPIfkWQ6_z4

Publicado originalmente em 2006 na revista experimental Sextante, de alunos de Jornalismo da Fabico-UFRGS

Hey, wait… E morreu

O quadrinista Jason tem este estilo de por cabeças de animais nos personagens.

Jon, o protagonista, é um cachorro, seu melhor amigo, Bjorn, é um coelho. Eles passam a infância numa pacata cidade do interior. Empinam pipa, jogam bola, colhem amoras, jogam pedras no rio, desenham. Se entediam, dão gargalhadas.

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Concordam que Neal Adams é o melhor artista que já desenhou o Batman. Aliás, decidem fundar um fã-clube sobre Batman.

Para ser membro do clube era preciso passar por um teste: se balançar num galho que ficava na beira de uma serra. A queda podia ser fatal. Por isso só os melhores fariam parte do clube.

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Não se engane, essa não é uma revista de super-herói, e sim uma graphic novel, uma história em quadrinhos com temática adulta e reflexiva.

Voltando, Jon conseguiu.

Bjorn não.

Jon vai ao enterro de Bjorn… O que encerra a primeira parte.

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A segunda consiste na vida de Jon adulto, operando uma broca num emprego chato na fábrica da cidade – justamente o que Bjorn não planejava para o seu futuro: ele queria ser jornalista e, ao invés de gastar seu dinheiro com mobília e quadros, viajar pelo mundo.

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Hey, wait… (Ei, espere…), ainda inédito no Brasil, na verdade é de 2001, mas são pouquíssimos sites em português que sequer citam a obra, uma das mais dramáticas de Jason, nome artístico do norueguês John Arne Sæterøy. Eu mesmo o conheci há poucos anos, e só recentemente li seus outros livros.

Esse em especial foi considerado pela Time.com como a melhor HQ daquele ano, mas só foi lançado 10 anos depois em língua inglesa, primeiro trabalho do autor, aliás, a sair nesse idioma, o que colaborou para divulgar sua obra. Ainda mais depois das indicações ao Oscar dos quadrinhos, o Eisner Award.

Ele também tem várias recomendações incríveis das mais variadas editoras e críticos, que inclusive chegam a comparar sua… carga poética com Kafka, Keats, Withman e Emily Dickinson. Mas não é nada disso, acho que a melhor recomendação possível desse livro é a do aintitcool.com:

“o trabalho de Jason irá atormentá-lo muito após tê-lo deixa-lo de lado”

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Primeira obra do autor, Hey, wait…  é uma grande oportunidade para conhecer esse artista que faz um uso excepcional da repetição de quadros, montando painéis com praticamente os mesmos quadros – sem nenhum balão de fala – só para demonstrar desconforto ou marasmo.

Mais que isso, é um retrato com pouquíssimos traços e muita economia de palavras pra tratar de temas humanos e urgentes como trabalho, solidão e sentido da vida.

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PS: no fim das contas ele tem uma ligação com os quadrinhos de super-heróis mesmo.

Em 2009 a Marvel convidou artistas indie para ilustrar seus personagens no que ficou conhecido como Strange Tales. Nessa inusitada antologia está Jason assinando Espetacular Homem-Aranha:

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