Carta à Anne Frank

“Anne,

Essa carta é pra te agradecer e pra te homenagear. Nunca uma criança (ou pré-adolescente, como você iria preferir) escrevera tão bem, com tanta alma, tanta verdade e com uma ligação palavra-coração tão próxima. Eu, como aspirante à escritora e amante das palavras, da literatura e da história, não poderia deixar de te ter como mais uma referência. Não é bem uma evolução que se é observada no seu diário, é um início já muito marcado pelo bom texto e pela sensibilidade com as letras.

Não escrevo essa carta simplesmente pelo término da leitura do diário. É por um dia em especial. É pelo dia em que eu me senti Anne e senti, também, orgulho pela pessoa você foi. Cinco de Abril de 1944. Quatro meses depois você estaria sendo levada para um campo de concentração. Após tantos medos, o pesadelo tornou-se realidade e o Anexo foi descoberto. Mas nesse dia você sonhou, Anne. E apenas com 14 anos descobriu o que queria ser quando a vida recomeçasse.

Escolho esse dia para te agradecer por se refugiar num meio em que, futuramente, todos iriam ler (por desejo até seu mesmo). Por colocar pra fora uma vida tão íntima, tão fechada em quatro paredes e ao mesmo tempo tão escandalizada em sentimentos à flor da pele, desejos extraviados e um coração pulsando liberdade. Anne, você é um pouco de todo mundo. Aliás, todo mundo é um pouco de você. E, sim, você nasceu pra ser um exemplo e pra tornar viva a ideia de que dá pra sonhar, não importa o lugar, não importa o momento.

“Quando escrevo consigo afastar todas as preocupações. Minha tristeza desaparece, meu ânimo renasce! Mas – e esta é uma grande questão – será que conseguirei escrever alguma coisa grande, será que me tornarei jornalista ou escritora?”

Foi quando eu descobri, Anne, que essa seria a sua profissão se os alemães não tivessem te descoberto. Não porque era o que você desejava, mas porque era o que você fazia de melhor. Dos oito moradores do Anexo Secreto, ninguém, nem o mais velho da quadrilha, era capaz de questionar tão bem. E melhor: questionar tudo. E estudar em cima dos próprios questionamentos. Anne, você foi um exemplo de grandiosidade, quando todos se mostraram tão pequenos, frágeis e vulneráveis aos barulhos das bombas.

14 anos e uma vida completamente formada para o futuro. Por que tirar do mundo pessoas tão incríveis? Hoje, talvez, tivéssemos um exemplo forte de jornalista judia que relata as guerras a partir de suas próprias experiências. Ops! (Anne fazia Jornalismo Gonzo com seus “diários de viagem” e nem ela mesmo se dava conta disso). É no momento da inocência e da não percepção de grandiosidade que os grandes feitos são realizados. Anne sabia do seu potencial, mas houve dias em que achava que morreria ali, sem salvação.

“Preciso ter alguma coisa além de um marido e de filhos a quem me dedicar! Não quero que minha vida tenha sido em vão, como a da maioria das pessoas. Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte! E é por isso que agradeço tanto a Deus por ter me dado este dom, que posso usar para me desenvolver e para exprimir tudo que existe dentro de mim!”

Talvez você não tenha alcançado o sonho que desejava e talvez – ou melhor, tenho certeza – não tenha sido esse o caminho da vida que você sonhou. O seu futuro parecia metodicamente traçado pelo seu diário, mas ao mesmo tempo todas aquelas linhas se entortavam pelo caminho, sendo metralhadas pelo exército alemão. Talvez não da forma que você esperaria, mas você vive e sobrevive todos os dias, mesmo depois da morte, Anne. E esse é o seu legado, essa é a sua contribuição ao mundo: mostrar que tudo que é externo pode ir muito além do que supostamente se conhece.”

Escrevi sobre O Diário de Anne Frank recentemente, mas seria egoísmo não dedicar um dia da minha vida para agradecer a essa mina de ouro perdida no tempo. O diário de Anne é atemporal. Ultrapassa os limites do espaço físico e perfura a alma e o coração, atingindo os pontos mais frágeis e que talvez você nem conhecesse. É leitura fundamental, assim como tê-la como referência é tarefa indispensável após ter adentrado tão vivamente em sua vida.