Antes de tudo uma reflexão: o cinema nacional é constantemente alvejado com críticas conotativas sobre ser tudo putaria. Que carecemos de poder monetário e das grandes ideias que fazem do cinema americano pioneiro e dominante nas salas de cinemas. Nada poderia estar mais errado. O mercado audiovisual, independente do seu país de origem, produz filmes pífios e pautados nas bobeiras e na putaria, como muitos gostam de afirmar, mas também, por vezes, é capaz de nos contemplar com algo mais puro no sentido cinematográfico. Infelizmente, no caso do Brasil, ainda somos preconceituosos e possuímos poucos profissionais dispostos a quebrarem regras, realizando e comercializando histórias realmente tocantes e essenciais. Que Horas Ela Volta? é mais um, e não são poucos, que podem figurar nessa janela pontual e gostosa que o cinema tupiniquim desperta.
Anna Muylaert novamente mostra extrema sensibilidade no seu mais recente trabalho. A cineasta paulistana já havia sido bastante elogiada pelo ímpar “É Proibido Fumar”, estrelado por Glória Pires e pelo titã, Paulo Miklos, mas com Que Horas Ela Volta?, Muylaert joga no ventilador as fragilidades da nossa cultura e, numa atuação tocante de Regina Casé, faz coro por todos os amantes da sétima arte espalhados pelo território nacional que almejam uma oportunidade de contar uma estória. Assim como também vale um adendo para Casé, pois acima das suas opiniões e posturas frente assuntos cotidianos, brinda o espectador, tornando identificável diversos personagens reais em apenas um. Se é o suficiente para uma indicação ao Oscar, não sei, talvez seja até exagero por parte de muitos, mas é inegável a entrega da atriz no papel da empregada Val.
Val mudou para São Paulo, assim como inúmeras brasileiras, para vencer recomeçar. Por sua família, por sua filha. No novo lar, o instinto maternal fez-se presente na figura de Fabinho (Michel Joelsas – o garoto cresceu, mas você deveria tê-lo visto no lindíssimo O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de 2006). Mas um dia, ao receber o telefonema de sua filha, vivida pela ótima Camila Márdila, Val precisa recebê-la, porque a jovem irá prestar vestibular. Vivendo no trabalho, e com a permissão dos patrões, a filha vai morar com ela. É aí que tudo se complica.
Mas sinopse e conteúdo de lado, o importante é ressaltar a quebra de estigmas e a ruptura, sem qualquer exagero, deste muro persistente na sociedade como um todo. Das formalidades e empregos errôneos nas formas de tratamento, diferenciado cada cidadão, muitas vezes, da forma mais pejorativa possível, logo no chamado “país de todos”, onde todos deveriam abdicar de certos valores para nos unirmos, para sermos mais sentimentais, indo desde um simples bom dia, passando até mesmo pelo gesto de encher as forminhas de gelo após a mesma terminar.
Por fim, ficam reflexões e sensibilidades não muito distantes dos dias reais, mas fundamentais e necessárias para um maior olhar para dentro de si. Que Horas Ela Volta? é um filme a ser visto. Não pelo burburinho, mas porque é bom, não engorda e faz bem ao coração sentir compaixão, e para perceber, que nem tudo está certo. É tempo de mais sorrisos e menos lágrimas.