Ao contrário do tom sério e contemplativo que Christopher Nolan emprega a Interstellar, Ridley Scott — o mestre do sci-fi horror — constrói uma ficção científica positiva e divertida, sem nenhum vínculo de compromisso com sua obra-prima Alien. Baseado no livro homônimo de Andy Weir (ótima leitura, aliás), Perdido em Marte é uma grata surpresa, com algumas falhas, diga-se, mas que entrega ao público a direção impecável de Scott, uma das melhores atuações de Matt Damon em sua carreira e uma fotografia que nos remete, de leve, a 2001: Uma Odisséia no Espaço. Um bom pacote de entretenimento.
O que o trailer não conta, apesar de mostrar basicamente toda a história, é que Perdido em Marte é um filme muito engraçado, em que o humor consegue equilibrar bem com o drama da narrativa. A verdade é que Ridley Scott não pesou a mão e, com eficácia, entregou um longa leve e alegre, ao contrário de algumas de suas obras, como Blade Runner e o próprio Alien, onde sua marca registrada, a densidade, se faz presente. Pelo menos três quartos da comicidade do filme só são possíveis graças a excelente performance de Matt Damon. Ele dá vida a Mark Watney, um astronauta em missão no planeta vermelho que, após uma tempestade, se perde de sua equipe e é dado como morto. Está aí a premissa: descobrir se ele ainda está vivo, fazer contato e traçar um plano para buscá-lo.
Matt Damon consegue sustentar seu personagem com muito carisma, mesmo estando sozinho em cena em mais da metade do filme, o que lhe dá mais mérito. Chris Hadfield, astronauta da NASA, ficou mundialmente conhecido ao gravar vlogs diretamente do espaço. O roteiro utiliza este artifício no filme e, ao invés de soar como algo forçado, tem um resultado de naturalidade: Watney registra todos seus passos e progressos em vídeos. Uma imperfeição na construção do personagem é a falta do he lost it, ou seja, não o vemos perturbado o suficiente para alguém que está completamente sozinho em outro planeta. Outra preocupação do roteiro é a da sintetização da ciência, tornando viável e simples o entendimento do público para com questões científicas — o que Interstellar, por exemplo, detalhou ao extremo.
Perdido em Marte não tem um vilão, e a figura que mais se aproxima de um — porém é apenas um asshole engomado — é Jeff Daniels, que interpreta o diretor da NASA, e que está muito bem no papel. No filme de Nolan o grande vilão era o tempo; no de Scott, o antagonista é a situação. Há, também, um excesso de personagens que não acrescentam significativamente em nada ou quase, como o papel de Kristen Wiig. O exagero no número de personagens secundários fecha todos os defeitos do filme. A cada um é dado um mínimo momento de relevância, entretanto, a falta de continuidade quebra um pouco o ritmo, mas nada que prejudique o todo. Ao decorrer do filme a sensação de aflição aumenta gradativamente quando você se pega se questionando em que momento, de fato, Mark Watney será resgatado de Marte. O filme é um tanto quanto econômico em cenas de ação, o que fica muito claro no ato final.
A trilha sonora inclui várias referências à cultura pop, a fotografia de Dariusz Wolski é colorida e vibrante (ao contrário de Prometheus, em que trabalhou ao lado de Ridley Scott) e o 3D não é empolgante, sendo até dispensável, mas é competente. É um consenso entre a mídia especializada de que Perdido em Marte é o melhor trabalho de Ridley Scott em anos. Para mim, uma obra despretensiosa, divertida e redonda. Vale o ingresso e a pipoca. Welcome back, Ridley.