Quando buscamos respostas para nossas perguntas, costumamos recorrer à conveniência do senso comum, aquele vasto conjunto de ideias e concepções geralmente aceitas como verdadeiras em um meio social.
A sabedoria popular é um direcional que facilita as ações no nosso dia-a-dia, mas esse conhecimento tão “óbvio” nem sempre é baseado em fatos. Assim, o senso comum pode ser tão fundamental quanto banal.
Em seu livro Discurso do Método, o filósofo francês Descartes também fala sobre o senso comum:
“O senso comum é a qualidade mais comumente distribuída no mundo, pois todos pensam que têm uma grande parte dela.”
Não devemos acreditar em tudo que dizem, assim como não devemos acreditar em tudo que pensamos.
Ciência e senso comum
O conhecimento científico moderno é uma conquista recente da humanidade, pois foi instituído na nossa sociedade há apenas algumas centenas de anos atrás. Já o senso comum (o conhecimento vulgar) é algo bem mais antigo; vêm dos primeiros grupos sociais da Antiguidade.
No início, a ciência moderna era exercida contra o senso comum, e depois passou a ser praticada através dele.
Todo exercício da ciência parte de algum conhecimento vulgar, mas, como todo conhecimento vulgar é findável, cabe ao meio científico a exclusiva responsabilidade de ultrapassar os limites do saber, uma causa de extrema importância que o senso comum não compartilha.
Usa-se a ciência muito mais para apoiar o senso comum do que o contrário.
Ao ouvirmos a frase “use o bom senso”, normalmente usamos senso comum para pensar ou agir. Mas, por exemplo, quando lemos a frase “estudos mostram que…”, geralmente somos mais resistentes e céticos, pois preferimos não acreditar no fato de que conhecimentos científicos podem contradizer aquilo que o senso comum nos diz.
O senso comum é visto como um importante roteiro de ações, mas a real importância disso não é facilitar a apreensão de conhecimento útil, e sim gerar insights valiosos para que a ciência sim possa capacitar o saber.
A ciência busca, por meio de sua ênfase na pesquisa, o debate e crítica de opiniões para afastar-se o máximo possível do senso comum, porém, sem nunca perdê-lo de vista. Dessa forma, o que diferencia o senso comum da ciência é basicamente o rigor.
Em 1854, o escritor inglês Aldous Huxley escreveu:
“A ciência é, acredito, nada mais que o treinado e organizado senso comum, diferindo deste apenas como um veterano pode ser distinguido de um recruta.”
A linha de argumento de Huxley é a seguinte: não importa quanto um conhecimento científico possa ser incontestável, basta a menor experiência sobre algo para pôr em cheque conclusões baseadas na ciência.
De fato, é muito mais fácil receber e emitir opiniões sem saber por que e o que significam. É muito mais fácil ser acrítico e conceber informações sem precisar atestar sua veracidade. É muito mais fácil julgar sem provar, e também é muito mais fácil ser condescendente quando corremos o “risco” de sermos contrariados.
É claro, a ciência também trabalha com conhecimentos parciais e provisórios, só que, diferentemente do senso comum, o meio científico não considera um conhecimento como definitivo.
A ciência tem olhar cíclico, o senso comum assume perspectiva linear. A ciência é aberta a uma hipótese, o senso comum desconsidera o benefício da dúvida. A ciência promove senso crítico, o senso comum preza o conservadorismo de intelecto. A ciência gosta de confrontar, o senso comum gosta de concordar. A ciência gosta de debates e questionamentos, mas o senso comum é preso a delimitações.
Enquanto o senso comum é fragmentado, precário, preso a preconceitos e tradições conservadoras, a ciência preocupa-se em provocar a verdade não sobre, mas além da realidade. A ciência produz conhecimento a partir da razão; o senso comum corrobora essa razão.
Por ser de extrema utilidade no dia-a-dia, devemos sempre considerar o senso comum, mas nunca superestimá-lo.
Devido ao forte apelo popular, o senso comum costuma gritar mais alto que a ciência, apesar de, ironicamente, muitas pessoas usarem (ou adaptarem) conhecimentos científicos a fim de defenderem argumentos que para elas são tão óbvios, mas que na prática não se mostram assim.
Sociologia e senso comum
A Sociologia costuma ter uma relação conturbada com o senso comum.
Muitas vezes, o senso comum acaba sendo uma poeira que encobre a visão. Como ciência que busca entender melhor as relações sociais, a Sociologia não pode (e nem deve) confiar em observações deturpadas.
A proposta aqui não é julgar o senso comum como sendo uma forma totalmente errônea de enxergar fenômenos sociais, mas limitada. A intenção é expor que esse modo de analisar as relações humanas não é suficiente para compreendê-las.
Embora seja rico e até interessante, o senso comum não se aprofunda à raiz dos fenômenos; não apresenta necessariamente uma explicação racional para a realidade do meio. Não vai tão longe.
Pela lei do mínimo esforço, acostumamo-nos a compreensões de mundo específicas e não mais as questionamos; tornamo-nos conformistas. Para combater isso, o pensar sociológico pode ajudar.
Existem incontáveis exemplos de senso comum. É recorrente ouvirmos que “bandido bom é bandido morto”, “só lê quem é culto”, “a redução da maioridade penal é a solução para a violência”, “casamento de verdade é entre homem e mulher”.
Outro exemplo é o suicídio. O senso comum diz que o suicídio é um ato individual, impulsivo e egoísta, o que não é de todo verificável. Na obra O Suicídio, o sociólogo francês Emile Durkheim afirma que o suicídio não é uma atitude isolada de um indivíduo, e sim uma conseqüência situacional da sociedade que o cerca, ou seja, as causas do suicídio são sempre sociais (uma teoria que vai na contramão do senso comum).
É importante ressaltar que o senso comum é uma forma válida de conhecimento, pois realmente precisamos dele para suprir necessidades do dia-a-dia. Contudo, o senso comum se baseia demais na experiência coletiva das massas, o que nos leva a acreditar em muitas falcatruas.
H.L. Mencken, escritor underground americano, uma vez afirmou:
“Somos persuadidos a aceitar ou rejeitar as coisas com base no suposto senso comum. Olhe para fora, pense nas palavras “obviamente” e “naturalmente”, e você verá que há soluções tão bem conhecidas para cada problema humano – puro, plausível, e errado.”
O mito do senso comum
Duncan Watts é um sociólogo canadense, pesquisador social na Universidade de Columbia (EUA), professor de Sociologia nos institutos Santa Fe e Nuffield (Inglaterra) e principal cientista da Yahoo! Research.
Em seu provocante livro Tudo é Óbvio: Desde Que Você Saiba a Resposta, ele mostra como decisões baseadas no senso comum enganam nossos julgamentos, e como explicações que damos para acontecimentos do dia-a-dia, que nos parece tão óbvias, são bem menos confiáveis do que supomos.
De acordo com sua definição:
“O senso comum não é tanto uma visão de mundo quanto é um saco de crenças logicamente inconsistentes, por vezes contraditórias, cada qual parecendo apropriada em um momento, mas sem garantias de que estará certa em qualquer outro instante.”
Duncan começa o livro com algumas reflexões:
Por que o Facebook é um sucesso enquanto outras redes sociais fracassam? O conflito no Iraque ajudou mesmo a diminuir os índices de violência naquele país? Qual a verdadeira importância de CEO’s nas grandes empresas? Oferecer salários mais altos significa garantir funcionários mais comprometidos com o trabalho? A Mona Lisa é a obra de arte mais famosa do mundo, mas isso é mérito de seus atributos intrínsecos, ou devido às circunstâncias históricas?
Associando recentes pesquisas a diversos exemplos históricos e contemporâneos, Duncan prova como o senso comum nos faz falsamente crer que compreendemos mais sobre o comportamento humano do que de fato acontece. Ele mostra por que as tentativas de prever, gerenciar ou manipular sistemas sociais, políticos e econômicos costumam dar errado.
Duncan faz com que questionemos os nossos instintos sobre como as coisas funcionam. Para isso, ele diz, o primeiro passo é desaprender tudo sobre aquilo que queremos elucidar.
Duncan nos alerta que não importa quanto tentemos, o comportamento humano é suficientemente complicado e imprevisível para nos livrarmos da incerteza pelo senso comum.
Por mais que possamos entender bem cada uma das partes, isso não significa que adquirimos uma compreensão completa do todo.
“Por que perdemos a convicção de nossos argumentos simplesmente quando fazemos parte de um grupo que os rejeita, ou, por que confirmamos uma atitude ou um pensamento, com essa mesma convicção, quando a aceitação de todos se faz presente?”
O fato de que o que é evidente por si só para uma pessoa possa parecer idiota para outra ativa a oportunidade de se duvidar sobre a confiabilidade do senso comum como base para compreender o mundo.
É claro, podemos sempre tachar essas pessoas de loucas ou ignorantes, ou coisa do tipo, e assim dizer que elas não são dignas da nossa atenção. Mas, quando entramos nesse caminho, comenta Duncan, fica cada vez mais difícil justificar as razões de nós mesmos acreditarmos no que fazemos.
“Temos a impressão de que nossas crenças particulares são todas derivadas de alguma filosofia abrangente, mas a realidade é que chegamos a elas mais ou menos de forma independente, e na maioria das vezes, de forma desorganizada.”
Com esse livro, Duncan faz com que repensemos os aparentes benefícios da lógica do senso comum. Só pela compreensão de como e quando o senso comum falha, ele argumenta, podemos melhorar a forma como percebemos o presente e planejamos o futuro.
Em um mundo como esse, podemos realmente usar o bom senso como guia? Não. De acordo com Duncan Watts, o que precisamos é de um tipo de senso incomum.
Bibliografia Relacionada:
ARIELY, Dan. Previsivelmente Irracional
ROSENZWEIG, Phil. Derrubando Mitos
LILIENFELD, Scott. 50 Grandes Mitos da Psicologia Popular