Steven Spielberg há anos intercala produções com temas mais sérios entre os seus blockbusters de apelo para grandes bilheterias. Faz parte da filmografia do cineasta conduzir o espectador numa jornada de leveza e humanidade. Pouquíssimos profissionais da indústria podem se dar ao luxo de transitar entre gêneros tão distintos e, justamente por isso, que Spielberg sagra-se um dos nomes mais respeitados e queridos por crítica e público. No caso de Ponte dos Espiões, vemos o Spielberg humanista, mas sem deixar de contar com resquícios para suavizar o impacto.
Para o espectador desavisado, Ponte dos Espiões emula seguir o caminho natural dos dramas de tribunais, tendo como pano de fundo a Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética no final da década de 50. Na trama, baseada em fatos, Tom Hanks encarna o advogado James Donovan, responsável pela difícil tarefa de defender um espião acusado de trabalhar nos EUA para os soviéticos. O espião, vivido de forma brilhante pelo até então desconhecido, Mark Rylance, é um show à parte. Mas voltando ao filme, Donovan necessita realizar uma defesa justa para o espião ao mesmo tempo em que uma subtrama vai ganhando vida: e se um espião americano fosse preso pelos comunistas?
Esse espírito inquietante faz com que o filme tenha ares inesperados, pois coloca um homem comum na linha de frente entre duas nações, sem qualquer representatividade oficial. A grande sacada é perceber os nuances narrativos construídos pelos personagens de formas sucintas, divertidas e também, comoventes. Hanks, por sua vez, novamente é engrandecido por uma atuação competente. O timing do ator para algumas cenas aparentemente difíceis é mais uma prova do grande respeito mútuo entre o astro e o diretor.
O roteiro, co-escrito pelos irmãos Joel e Ethan Coen, torna-se um ponto importante a ser mencionado e contemplado, visto que os irmãos, especializados na ironia e no sarcasmo, entregam pontualmente situações que contrastam bem com a habilidade de Spielberg de manter o espectador pautado no realismo do cotidiano de uma época marcada por uma tensão política sem precedentes.
No fim, Ponte dos Espiões talvez seja um dos filmes mais importantes e coerentes da carreira de Steven Spielberg. Reinventor de si, o cineasta mostra amar aquilo que faz, transitando entre o entretenimento familiar e o questionador, capaz de fazer qualquer um refletir sobre a visão prepotente que os Estados Unidos propagaram entre os seus e sobre os outros. É o cinema na sua essência, e de quebra, estrelado por Tom Hanks.