Existem certos artistas que produzem sons tão originais e belos (em seu ápice criativo) que imaginá-los acompanhados por outros músicos chega a ser até pecado, parece que estamos limitando a nossa própria imaginação em expandir a dita cozinha que tanto gostamos.
Uma das minhas maiores diversões era (mentira, ainda é) escolher dois grupos (ou músicos específicos) que mesmo tocando gêneros muito diferentes entre si pudessem registrar um disco em conjunto, coisas do tipo Rory Gallagher & Lee Ritenour, Mark Farner & Ronnie Earl, coisas da minha cabeça, mas assuma, vai falar que não bate um pinguinho de curiosidade?
Jams que não irão acontecer, sei disso, mas que em minha mente ganham cartazes de show, track list, line up e sonhos coloridíssimos de como soariam tais proezas, pensamentos completamente aleatórios e plenamente intangíveis, mas que na mente do criativo abrem as portas da percepção, e já que estamos no assunto sobre Jams que nunca teremos a chance de presenciar e escutar, vamos fritar um bocado.
Do México para o mundo, do mundo para o México, a PRS mais dançante que já se entrelaçou num Wah-Wah, o sinônimo de fritação latina, o rock cigano e caliente de Carlitos, Sr. Santana para os íntimos, o doritos psicodélico de Woodstock.
Antes de desvendar todo o material de Santana, me lembro que minha primeira ideia para jams psicografadas por Chico Xavier era ver este cidadão tocando Jazz com McLaughlin, mas isso já aconteceu (vide “Love Devotion Surrender”, de 1973), portanto decidir ir além, e foi ai que peguei pesado, imaginei o México pulsando com Santana & James Brown.
Imaginem como seria se Brown viesse com sua banda, tudo nos trinques, a banda toda de terno & gravata enquanto ele destila o funk e apresenta banda e plateia. E aí, sem mais delongas, surge Santana, sem terno para não prender movimento, fantasiado de Hippie e segurando las congas, guitarra no pescoço e Caravanserai como revolução filosófica, um cenário noturno, ’70 na cabeça, Hawaii como background e mescalina na platéia…
Esperem só um momento, acho que isso aí existe. Coloquem James na batera e vejam o ziriguidum de Buddy Miles, a versão de James com baqueta na mão, chamem Santana e o resultado é “Carlos Santana & Buddy Miles! Live!”, um dos melhores discos ao vivo da história, queimando tutano com funk, a base de Buddy, baquetas, Carlitos e Miles.
Gravado no Hawaii, no dia primeiro de janeiro de 1972, no “Sunshine ’72 Festival”, este registro é o mais próximo que Santana chegou de tocar funk e adentrar a onda do rock psicodélico de maneira mais consolidada, sem absorver ou misturar influências. Tudo isso se deve ao caráter puramente soul de Buddy Miles, que aqui fez com que o guitarrista desse uma alterada em seu som.
Corrompendo a cozinha latina e limitando seus ares mais fritos, anulando certos encantos ciganos e deixando Santana usar seu jingado para o funk e nada más, tocando McLaughlin, músicas de sua autoria, arregaçando com temas de Miles e fazendo o baterista suar a tanga pra acompanhar a percussão e ainda tirar onda nos vocais.
Esquentando a banda com um McLaughlin de leve ao som de “Marbles”, enturmando Buddy Miles na jam com um take mais familiar ao baterista, com os riffs vulcânicos de “Lava” e concluindo a sessão prática/aquecimento com uma versão turbinadíssima de um clássico de Santana. “Evil Ways” surge e trata-se do sinal verde para algo realmente grandioso, o insight do Yin Psicodélico, o princípio ativo noturno.
Que eleva tudo e qualquer termo músical descritível para o mais absoluto e interestelar processo imaginário, até mesmo para quem estava presente de carne e osso no show, até mesmo pra quem teve a honra de ver isso. Quando “Faith Interlude” começa, parece que de alguma maneira a aura da banda se transforma, a conexão dos músicos vai além do mero entrosamento.
E a versão latina de “Them Changes” mostra isso, dá pra ver que foi de momento, isso não foi planejado, e mesmo depois de cinco faixas deste calibre ainda havia algo a se provar, uma música para ficar eternizada e ser futuramente estudada por cientistas.
Um dos momentos de livre improvisação mais intensos e ressuscitadores da esotérica musicalidade do agora elevado espírito “Devadip”, nos quase trinta minutos de ligação espiritual de “Free Form Funkafide Filth”, que eletrocutado por metais só afirmam os louros da meditação de Sri Chinmoy, “Nas luas e os olhos de deus”, a meditação de Carlos Santana. Transcendental.
Track List:
1. Marbles
2. Lava
3. Evil Ways
4. Faith Interlude
5. Them Changes
6. Free Form Funkafide Filth
Line Up:
Carlos Santana (guitarra/vocal)
Buddy Miles (bateria/percussão/vocal)
Neal Schon (guitarra)
Ron Johnson (baixo)
Bob Hogins (órgão/piano)
Hadley Caliman (flauta/saxofone)
Luis Gasca (trompete)
Greg Errico (bateria)
Coke Escovedo (bateria/percussão)
Mike Carabello (percussão)
Mingo Lewis (percussão)
Victor Pantoja (percussão)