Haruki Murakami

Assim como no Renascimento e em outras épocas havia quem se interessasse por duas atividades distintas, a matemática e a escrita por exemplo, ainda hoje é possível encontrar artistas talentosos que transitam por diferentes áreas, agregando mais valor à própria obra.

Entre eles, se destaca o célebre escritor japonês Haruki Murakami, que já teve a obra traduzida para 16 idiomas, inclusive o português, e ganhou diversos prêmios literários.

O escritor mergulhou definitivamente no universo das letras depois de fechar seu bar de jazz em Tóquio no começo da década de 1980, na mesma época em que começou a correr para entrar em forma.

O Yin e o Yang de Haruki Murakami

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Para a tradição filosófica e religiosa taoísta, o universo é composto por duas forças antagônicas: o Yin que representa o feminino, a escuridão e a passividade; e o Yang que é o elemento masculino e indica a luz e a atividade.

Se considerarmos esses conceitos que aparecem na obra de Haruki Murakami para a vida do autor, chegaremos à conclusão que a música é o Yin e a corrida o Yang.

Cada um desses fatores possui uma importância específica no universo literário do autor.

“Tudo o que eu aprendi sobre escrever veio da música. Isso pode parecer paradoxal, mas se eu não tivesse sido obcecado pela música, talvez eu não teria me tornado um romancista”, disse Murakami em entrevista do New York Times.

Uma das maiores inspirações para o escritor, o pianista de jazz Thelonious Monk, certa vez, ao ser perguntado sobre como é possível obter um som especial, apontou para o teclado e disse que não há nenhuma nota nova, mas que quando deseja que uma delas seja diferente, ele a faz ser.

Tal pensamento norteia o escritor japonês, que também acredita não haver nada de incomum a ser feito pela linguagem, apenas utilizar as palavras existentes para desenhar territórios inusitados, isto é, histórias que ninguém imaginou antes.

Em relação à corrida, o escritor a enxerga como uma busca incessante por algo, aspecto que está bastante presente na sua obra.

O autobiográfico “Do que eu falo quando falo de corrida: um relato pessoal” mostra que a corrida não apenas mudou o estilo de vida de Haruki Murakami, mas também sua escrita.

Pensar rápido, imaginar facilmente histórias pouco convencionais e escrever com a mesma garra com que corre, como se houvesse algo a atingir ali na frente, são marcas registradas do escritor.

Disciplina oriental

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Diferentemente dos romancistas ocidentais, que se orgulham de sentar à mesa para escrever apenas quando a inspiração o visita, Haruki Murakami costuma dizer em entrevistas que possui uma séria rotina para manter o fôlego literário.

Quando está planejando lançar um livro, o escritor acorda todos os dias às 4h da manhã e trabalha por até 6 horas seguidas. De tarde, Murakami pratica atividades físicas que tão bem fazem a sua mente criativa, lê, ouve música e dorme às 21h.

Ou seja, além de inspiração com a arte da música e da escrita, quem imagina seguir a fórmula do autor para produzir bons livros também precisa de um bom tênis de corrida para sair pelas ruas em busca de fôlego e inspiração no esporte.

Essa repetição diária funciona como uma hipnotização ao autor, que acredita alcançar o estágio mais profundo do espírito enquanto escreve e libera as ideias adormecidas.

O único aspecto desfavorável dessa rotina intensa é que Haruki Murakami quase não dedica tempo para a vida social, embora pareça que, quando está em processo de criação, o escritor não sinta tanta falta dos amigos, pois possui as letras como companhia.

A presença do surreal e do fantástico

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Haruki Murakami não tem medo de ousar e criar situações incomuns, da mesma forma que Kafka e George Orwell fizeram no passado.

Embora diversas situações de sua obra sejam fantásticas, todas as histórias são permeadas de insights sobre a vida real, dilemas verdadeiros do cotidiano e indagações sobre o nosso tempo.

Na trilogia 1Q84 – que é inspirada na obra-prima 1984 de George Orwell e é o título mais famoso do autor -, quando a personagem Aomame está parada dentro de um táxi e quer chegar rapidamente ao seu destino, o motorista lhe oferece a opção de seguir por uma escada de emergência no meio da avenida.

Paralelamente a isso, o aspirante a escritor Tengo recebe uma proposta para refazer o romance de uma menina, mas só depois de conhecê-la pessoalmente.

Apesar de parecem desconexas, as tramas se convergem e mostram que se tratam de uma só.

Basicamente, os dois personagens entram para um universo paralelo, no qual nada é como antes eles imaginavam e, por isso, é tão incrível e surpreendente.

Novo ingrediente?

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No início deste ano, Haruki Murakami anunciou que vai abrir uma página na internet para que os fãs se comuniquem com ele e enviem perguntas diversas, desde curiosidades sobre os gostos deles até questões filosóficas sobre problemas pessoais.

O canto de Murakami, como será chamado na tradução para o português, será uma forma dos fãs desse querido autor conversarem com uma das mentes mais célebres da atualidade.

Talvez também seja uma estratégia de Murakami para se inspirar a criar novas envolventes histórias, da mesma forma que são a corrida, o jazz e sua rotina metódica.

Só o tempo dirá os frutos que o “consultório online” do escritor dará. A depender da qualidade literária e da simpatia de Haruki Murakami, espera-se que sejam os melhores possíveis.