Foi no ímpeto de desistir de tudo que entrou nesse novo mundo. Controlada pela mania de independência, ela não queria mais nada, além de um dinheiro certo na sua conta no final do mês. Optou pelo curso onde suas finanças cresceriam com mais velocidade. O caminho entortou, os trens saíram dos trilhos e sua vida enveredou para o talento. Não foi a questão econômica que falou mais alto. Foi o dom.
Ela faz Jornalismo. Como todo “fera” em dia de apresentação, ela foi breve e sucinta: “caí aqui de paraquedas, queria fazer Direito”. O coral na sala foi uníssono e irônico: “que novidade!”. Seguiu como devia. Ainda no ensino médio era orientada a fazer o que sua escrita mandava, o que sua poesia nata escrevia sem pressa. Não ouviu. Mas acabou sendo levada pelo destino. Continuou. Sabia que estava no lugar certo. E passou a amar: a profissão e o curso, não as pessoas.
A universidade mudou a cabeça de Clara. Ouviu recentemente a seguinte frase direcionada a você: “Essa menina não tem amor no coração”. E respondeu imediatamente: “Deixei de ter há muito tempo”. O ambiente recheado de falsidade, intrigas e interesses transformou Clara por inteira. Era muito generosa. Disposta a ajudar a todos, disposta a exercer a sua função de colega de classe como ninguém. Mas o tempo corroeu seu coração e a sua alma com cobertura de bondade.
Clara desistiu das pessoas. Todos os dias ela repetia esse processo: acreditava, desacreditava. E assim seguia nua tarefa árdua de saber lidar com situações completamente inimagináveis. “Agora sou eu contra eu mesmo”, dizia sempre que algo a decepcionava. Fechou-se no seu mundo. Era uma autista ciente dos problemas que enfrentava. Tentava abstrair. E abstraia. Mas sempre havia algo que a deixava nervosa novamente.
Humanidade. Clara sentia falta de humanidade. Se a universidade a deixou rancorosa, a sua generosidade a trouxe de volta para o mundo real. Mas lá dentro não. Egoísmo não tolerava. Subia um fogo por todo seu rosto, as mãos tremiam de raiva e era possível ver a decepção escorrendo por seus olhos. Baixava a cabeça para si mesmo e dizia: “Não é possível, como alguém pode agir assim?” Mas agiam. Competência. Responsabilidade. Respeito. A universidade corrói algumas pessoas e retiram essas características indispensáveis para qualquer profissional. Clara trabalhou o quanto pôde para não deixar que levassem a sua essência repleta pela alma de um jornalista. Mas acabou deixando que tirassem dela o que de melhor tinha: a força de não querer desistir.
Clara desistiu de algumas coisas, mas nunca de si mesmo. Não se importava mais. Descobriu que o mundo universitário tem lá as suas mágicas: a gente cresce, aprende, constrói e se transforma num adulto que a vida vai moldando. Mas que também carrega consigo as suas angústias, as suas decepções, as suas deprimências com as pessoas. Não sei essa palavra existe. Mas é realmente deprimente conhecer pessoas. Conviver com elas. Existem salvações lá dentro, não pode-se negar. Clara conheceu muitas delas. Mas fez das decepções o seu ponto crucial. O seu carma universitário. A marca de 4 anos de curso que nunca irá esquecer: o quanto a gente faz pelos outros e o quanto não fazem por nós. Aprendeu que é preciso seguir com o pensamento solidário, apesar de tudo. Aprendeu que é melhor ser uma só, do que constituir várias e não ser nenhuma. Aprendeu a não se importar.
Clara errou. Absorveu o pior. Deixou a mágica e a positividade do mundo universitário para escanteio. Errou porque um dia ela se importou e se importou demais. Errou, mas errou muito, porque deixou sua saturação falar mais alto. Clara não se conteve muitas vezes. Mas hoje pede desculpas a si mesmo por tanta preocupação desnecessária. Clara segue sua vida sem alarde, sem exposição. Estuda, cresce. Fará a sua parte para ganhar a sua própria vida com o dom que recebera na infância. Clara joga o capelo para o alto, tira a beca. Fechou a porta da universidade. Pretende voltar. Pretende dar uma nova chance a si mesmo.