A Estratégia de Tim Maia

Tim Maia, durante todos seus anos de malandragem, desenvolveu uma estratégia para contornar situações desastrosas. E como não foram poucas vezes em que o rei do soul se meteu em situações desastrosas, a “estratégia” se tornou uma marca em sua vida.

Na biografia Vale Tudo: O som e a fúria de Tim Maia, magistralmente escrita por Nelson Motta, algumas histórias das estratégias foram contadas pelo autor.

Reproduzo aqui três delas. Saca só:

Réu confesso de ter faltado a diversos shows, muitas vezes Tim foi vítima de empresários e produtores trambiqueiros, que se aproveitavam de sua má fama para tentar explorá-lo. Para se proteger deles, criou uma senha de retirada, caso o contratante não aparecesse com 50% do levado em dinheiro vivo antes do show. Bastava gritar ou sussurrar “estratégia” que o pessoal nem tirava os instrumentos das caixas e começava a andar acelerado para o ônibus.

Assim que voltou com os músicos ao Hotel San Raphael, não deu outra:

“Estratégia!”

“Aí, rapaziada, é o seguinte: embala tudo que a gente vai fazer um show”, Tim deu a senha para a retirada.

Foi o que ele disse na recepção enquanto os músicos faziam uma confusão proposital na saída para esconder as sacolas de roupas misturadas com as caixas de instrumentos. Deixou a chave do carro alugado na recepção, pago com um cheque sem fundos, e partiu.

Tim Maia -

Num show no Cassino Bangu, um outro tipo de problema apareceu, além da polícia. Homens de ternos escuros, oficiais de Justiça com mandados para cobrar de Tim indenizações judiciais e seqüestrar seus cachês ou a bilheteria dos shows.

Tim os apelidou de “os corvo”, no singular mesmo, e não lhes daria moleza. Assim que soube, já no final do show, que eles o esperavam na saída para dar o bote, gritou “estratégia” para a banda e avisou ao público que ia tomar uma água e já voltava:

“E agora fiquem um pouco com a Vitória Régia.”

Passou correndo pelo camarim para pegar o levado, saiu batido pela porta da cozinha e entrou no primeiro táxi.

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No dia seguinte, de manhã cedo, a limusine verde-claro ganhava a estrada rumo à Pensilvânia. Duas horas depois, quando o pneu furou, não adiantava acender o farol, era melhor procurar um borracheiro na beira da estrada. Como Bonaveres falava péssimo inglês, foi Tim que teve que se entender com o mecânico grandalhão, grosso e imundo de graxa, a quem logo mandou tomar no cu, em português naturalmente, e depois seguiu se desentendendo em inglês do Harlem, até o pneu ser trocado e consertado. Botou um bolo de notas na mão do brutamontes e, enquanto ele contava o dinheiro, gritou “estratégia” e mandou Bonaveres acelerar.

Tinha pago só metade do cobrado.

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Autor: Nelson Motta
Editora: Ponto de Leitura
Nº de Páginas: 448

Poesia Copacabana

carlos-drummond-de-andradeDentro do meu pífio conhecimento literário, gosto de citar um poema do faraônico Carlos Drummond de Andrade, quando certos períodos de tempo se encerram. O excerto que irei sequestrar é advindo do interessantíssimo poema chamado “Cortar O Tempo”, e a parcela de versos selecionados é esta:

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
Com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente…

Esses versos simbolizam algo grandioso, a tentativa de controle do homem em relação a tudo que existe, mas como já é sabido, tal tarefa não é 100% funcional, ainda mais com o fator tempo. Nós apenas administramos a contagem dos ponteiros, não sua velocidade, porém é elementar perceber o fechamento de ciclos, a aparição de oportunidades e o fim de padrões…

No fim das contas nós não dominamos nada e parece que estamos a mercê de acontecimentos isolados, parece que alguém preparou o solo para que nós apenas façamos a colheita, algo semelhante ao “Karma” de Pharoah Sanders e seu brilhante saxofone, que de forma espiritualmente Jazzística complementam os versos de Drummond e parecem abrir os ouvidos do ouvinte para novos tempos, ou alertá-los para a odisseia do fim dos mesmos, o “Bitches Brew” da humanidade em stand by, (mode Jazz) on.

pharoah-sanders-karma capa

Track List:

1. The Creator Has A Master Plan
2. Colors

Nos anos 60 o reboliço político-social rendeu muito conteúdo para o Jazz. Um dos grandes momentos para o estilo foi, sem dúvida alguma, quando os fatores externos começaram a influenciar o caminho criativo da música, com clara ligação em sua parte estilística. Note por exemplo a capa deste disco, veja como a arte é absolutamente diferente das capas usuais, invocando uma clara conexão espiritual e a elevação do ser humano pelo aspecto musical, aliás esse parágrafo resume bem o que a carreira do grande Sanders tentou alcançar, uma conexão em grau ainda desconhecido, mas que seu saxofone parecia conseguir discar no modem Jazzístico.

Pharoah Sanders

Esse trabalho é dito como o melhor do saxofonista e é complicado não concordar. Dentre seus mais de 30 LP’s solo (fora as dezenas de contribuições), Pharoah sempre foi um cara diferenciado dentro do business pois possui um approach claramente diferenciado, notas em prol de meditação, inclusive sou capaz de afirmar que ele e a subestimadamente brilhante Alice Coltrane foram os expoentes dessa vertente, sem falar pioneiros.

E aqui isso fica bem claro. Pode até parecer levemente desconexa a ideia de relacionar uma poesia de Drummond com um disco de Jazz, mas se algum dia alguém quiser tecer qualquer tipo de ligação, creio que poucas seriam tão complementares quanto essa, e não digo isso por ter sido minha ideia, e sim pela qualidade das obras aqui citadas, tanto pelo lado musical, quanto poético.

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O encerramento de um elo, o nirvana de saber que existem possibilidades frescas no ar, apenas (adaptando Keith Richards), “Esperando que sua cabeça sintonize a estação correta”, é um dos temperos deste épico trabalho. Que apoiando seu riquíssimo som no puro e sublime sentimento, trata de deixar o ouvinte igual o próprio autor posou para a capa, completamente concentrado e em puro equilíbrio com seu jardim zen mental.

E não se engane pelo curto track list, a primeira faixa, a que sintetiza a ousadia desta criação (“The Creator Has A Master Plan”) passa dos 30 minutos e sua mente nem notará tal absurdo, tamanha a qualidade da teia enigmática de arranjos que buscam elevar-levitar corpo e alma. Veja esse CD como uma sessão de terapia, não pense que funcionará em qualquer atmosfera, temperatura ou pressão do ar, trata-se de algo para ser apreciado em condições muito bem trabalhadas, momentos de pura tranquilidade e simétrica (sem dizer contemplativa) atenção.

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E não se esqueça que depois de encontrar seus caminhos você ainda precisa levantar-se para virar o oráculo do lado A para o B, e prosseguir a caravana celestial, agora plenamente leve, com o encerramento menos denso (vulgo “Colors”). Tema que assim como os parenteses que encerraram o parágrafo anterior, buscam fazer o ser notar as mudanças em seu corpo de forma implícita, finalizando a extração de excessos mundanos com algo biodegradável.

Um brinde aos toques de brisa de um dos discos mais avançados da história da música e seus 40 minutos de insight sonoro, e claro, outro replay de tim-tim para a renovação e a saideira em homenagem ao cidadão que começou tudo isso, um abraço Drummond.

Line Up:

Pharoah Sanders (saxofone)
Julius Watkins (trompa)
James Spaulding (flauta)
Reggie Workman (baixo)
Ron Carter (baixo)
Richard Davis (baixo)
Lonnie Liston Smith (piano)
Leon Thomas (percussão/vocal)
Nathaniel Bettis (percussão)
Freddie Waits (bateria)
Billy Hart (bateria)

Neil deGrasse Tyson indica 8 livros que toda pessoa inteligente deveria ler

Neil deGrasse Tyson, o astrofísico mais famoso e boa pinta da atualidade, elaborou essa lista quando participou do Reddit’s Ask Me Anything, em dezembro de 2011.

Um usuário fez a simples pergunta: quais livros deveriam ser lidos por todas as pessoas inteligentes do planeta? O apresentador de Cosmos – continuação da série originalmente apresentado por Carl Sagan, em 1980 – fez então uma curta lista com as 8 obras que recomenda e uma pequena (pequena mesmo) justificativa.

Causou estranheza aos seguidores de Neil deGrasse Tyson, autoproclamado agnóstico, o fato de a Bíblia figurar na lista, mas o autor explicou a razão. Confira abaixo:

1. A Bíblia

Para aprender que é mais fácil pensar e acreditar no que os outros falam do que pensar por si mesmo.

2. O Sistema do Mundo¹, de Isaac Newton

Para aprender que o universo é um lugar a ser explorado.

3. A Origem das Espécies, de Charles Darwin

Para aprender sobre nosso parentesco com as outras formas de vida na Terra.

4. Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Para aprender, entre outras lições satíricas, que na maioria das vezes humanos são Yahoos².

5. A Era da Razão, de Thomas Paine

Para aprender como o poder do pensamento racional é a fonte primária da liberdade no mundo.

6. A Riqueza das Nações, de Adam Smith

Para aprender que o capitalismo é uma economia baseada na ganância, uma força da natureza em si própria.

7. A Arte da Guerra, de Sun Tzu

Para aprender que o ato de matar outros seres humanos pode ser elevado ao status de arte.

8. O Príncipe, de Nicolau Maquiavel

Para aprender que as pessoas que não estão no poder farão de tudo para alcançá-lo, e que as pessoas que têm o poder farão de tudo para mantê-lo.

Notas:

¹ “O Sistema do Mundo” é um capítulo publicado em “Princípia”, uma obra de três volumes, conhecida também como “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”.

² Yahoos são os seres de uma das raças que Gulliver encontra durante suas viagens. Tratam-se de seres muito parecidos com os humanos na sarcástica visão do autor.

Como a arte de rua está transformando as cidades em todo o planeta

Concrete Canvas - Lee Bofkin - CapaNas grandes cidades do século 21 é bastante comum encontrarmos muros e paredes artisticamente modificados. O grafite tem se tornado mais presente a cada dia e se consolidado como uma das principais manifestações urbanas de arte. Mas, quem contribui com essa arte? Quem ilustra esses muros? E o que representa tudo isso?

O britânico Lee Bofkin é o autor do livro Concrete Canvas: How Street Art Is Changing the Way Our Cities Look (disponível na Amazon, mas ainda sem edição em português) e tem milhares de respostas para as perguntas do parágrafo anterior. Lee é um expert no assunto. Percorreu o mundo inteiro para catalogar essa arte, que muitas vezes se parece anônima. Fez sozinho mais de 60 mil fotografias para o Global Street Art, plataforma co-fundada por ele mesmo e que reúne imagens de grafites de todos os lugares do planeta.

Nos últimos 50 anos, a sociedade mudou seu pensamento com relação ao grafite, que antes era visto como uma perturbação pública e uma verdadeira ameaça à paisagem, mas agora ele é visto como arte e há vários festivais de grafite celebrados pelo mundo. Algumas cidades estão descobrindo a possibilidade de embelezar a região com esse tipo de pintura. (Lee Bofkin, via BBC)

Apesar de os grandes centros urbanos se destacarem na arte de rua, há também vilarejos e pequenas regiões que exploram essa manifestação. Um histórico vilarejo na Tunísia, por exemplo, foi totalmente transformado com desenhos de mais de 150 artistas.

O livro é um trabalho investigativo que mostra detalhes sobre algumas grandes composições de grafite, selecionadas por Lee. O autor descreve características como local da ilustração, artista responsável, tinta escolhida, data e tipo de superfície utilizada para a criação de centenas de obras espalhadas por todo o globo.

Abaixo algumas fotografias feitas por Lee Bofkin.

Psicodália 2015: O eterno mutante Arnaldo Baptista é um dos headliners do festival

De volta aos palcos em show solo desde outubro de 2011, Arnaldo Baptista, ex-Mutantes, artista multilinguagem e um dos mais importantes e criativos nomes de nossa música, é um dos convidados do Psicodália 2015, festival cuja 18ª edição acontece durante o Carnaval 2015, em Rio Negrinho (SC), com mais de 100 atrações, entre shows musicais, teatro, oficinas e atividades de lazer e aventura.

Quase à capela, intimista, Arnaldo canta e toca ao piano de cauda e se apresentará no Palco do Sol do Psicodália. Muito mais um concerto que um show, Arnaldo explora todas as linguagens artísticas com as quais costuma trabalhar. Mantém à frente do piano um set list de quase 70 canções, e ali vai escolhendo o repertório de acordo com sua intuição e a reação da plateia.

Quem conhece sua obra sabe que não faltarão alguns clássicos como “Cê Tá Pensando que Eu Sou Loki?!”, “Não Estou nem Aí”, “Jesus Come Back to Earth” e “Balada do Louco”, além de inéditas de seu novo álbum, Esphera, como “I Don’t Care” e “Walking in the Sky”.

Seu retorno solo aos palcos, em outubro de 2011 no Sesc Belenzinho após 30 anos, foi amplamente celebrado e  continua sendo a cada nova apresentação. Arnaldo Baptista foi o grande homenageado da 8ª Virada Cultural-2012. Além do show histórico no Theatro Municipal de São Paulo, seus desenhos e pinturas serviram de cenário para praticamente todos os palcos da Virada. Frases expressando sua filosofia e poesia estavam também estampadas nos 60 totens informativos do evento. Voltou um mês depois ao palco do Sesc Vila Mariana para atender aos fãs que não conseguiram entrar no Municipal.

Se você não pediu uma opinião você não deveria se importar

Sabe que, particularmente, eu acho muito perigoso escrever em tempo de redes sociais. Porque você mal postou seu artigo e já aparece milhares de leitores com canivetes em mãos prontos para arremessá-los nas caixas de comentários.

Não é exagero, são poucas mídias em que os comentários são pautados por elogios e agradecimentos pela informação. A maior parte da internet está contaminada pelo ódio. Você não pode falar uma coisa dessas! Absurdo! Comuna! Reaça! Racismo! Fascismo! Coitadismo! Merece ser estuprada! Cadê o MP? Vendido! Comprado! Burro! Etc, etc e etc.

Tenho a leve impressão de que jornalistas e escritores hoje passam por algo similar a celebridades. São ferozmente seguidos por paparazzis pessoas que não aceitam suas opiniões e que, incomodadas, escrevem raivosas respostas sobre certa coluna.

Afinal, o que é mais interessante: Caetano Veloso atravessando a rua no Leblon ou a última coluna escrita por Gregorio Duvivier? Grazi Massafera caminhando no calçadão de Copacabana ou o tweet do Lobão? Se você não pediu a opinião dessas pessoas – ou sequer gosta delas – por que se importar?

Fico imaginando a pessoinha que odeia fulano, mas que não se aguenta e lê todas as suas colunas com o único intuito de se indignar. É tipo secar o time rival. Tipo odiar o Faustão, mas não desligar a tela. Tipo odiar a esposa, mas dizer todos os dias que a ama.

sua opinião
Uma alternativa melhor do que, sem querer, difundir opiniões que você não concorda.

Nem sempre foi assim. A crítica da mídia é mais do que uma disciplina das faculdades de comunicação social. É um exercício que todo jornalista de verdade faz, mesmo que de forma silenciosa. Quem não lê de maneira crítica simplesmente não é jornalista. Crítica lembra o verbo criticar, que lembra falar mal das coisas, mas não é esse seu significado, ainda que muitos “críticos” tenham esquecido disso. Em um leve momento Aurélio, fazer uma crítica é: avaliar, examinar e se posicionar positiva ou negativamente sobre um determinado assunto.

E é por isso que entrei nesse assunto. Pouco se vê sites de jornalismo opinativo elogiando textos primorosos escritos em outros veículos. Pouco se vê a mídia alternativa aplaudindo aquele colunista que falou grandes verdades para seu público. Para a mídia alheia? Pimenta no olho, sempre. Se algo de extraordinário foi publicado, ficar quieto é a regra. Não vamos dividir nossa audiência recomendando material de qualidade do concorrente. Mas se algo vergonhoso foi escrito, vamos fazer um buzz e falar mal desses canalhas.

Engraçado. Não é via de regra, mas geralmente é a imprensa alternativa que critica a imprensa sanguinária tradicional. Que os jornais não publicam histórias de vida, mas apenas histórias de morte. Tragédia. Avião desaparecido. Sequestro. Tortura. Assassinato. Corrupção. Essa mídia só quer saber das perversidades que o ser humano comete. Encontre a ironia.

Sorte a nossa que ainda somos um país livre e podemos conviver com opiniões divergentes Paulo Sant’Ana. David Coimbra. Reinaldo Azevedo. Leonardo Sakamoto. Rodrigo Constantino. Juca Kfouri. Rachel Sheherazade. Xico Sá. Marcelo Tas. Arnaldo Jabor. Nem todos esses eu admiro como formadores de opinião, mas admiro pela capacidade de aguentar pancada.

Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar – Rocky Balboa.

Não se confunda, a questão aqui não é se tal jornalista foi preconceituoso, incentivou o ódio ou o caramba. Essa é outra discussão. A questão é por que diabos os colunistas só são, na maioria das vezes, lembrados por outros colunistas quando cometem erros? Por que a vaia se agigante sobre o aplauso? Por que nos importamos mais com impropérios do que com bons exemplos? Por que falar da indignação sobre tal posição alheia em vez de falar sobre as bandeiras em comum que temos com outros pensadores? Temos muito ódio enrustido em nós mesmos. Exceto as exceções, com o perdão do pleonasmo.

As 20 matérias mais lidas no La Parola em 2014

Adeus, 2014! O La Parola só será atualizado agora no ano que vem. Estaremos dedicando o final do ano para lindas férias reestruturar a casa e iniciar o próximo ano com algumas novidades e melhorias necessárias. Para finalizar 2014 então, resolvemos fazer uma pesquisa e descobrir quais foram os posts mais compartilhados por vocês, leitores, que passaram pelo La Parola durante o ano.

Em 2014, novos colaboradores ajudaram a moldar o que somos hoje. Muitos dos destaques do ano foram escrito por autores que ainda não estavam conosco no ano anterior. Uma pluralidade bastante saudável.

Tivemos matérias virais, coberturas de festivais, artigos polêmicos, listas espetaculares, deliciosas crônicas e séries fotográficas incríveis. Segundo as estatísticas, tivemos 1,2 milhão de visitas únicas neste ano. Como editor, agradeço a cada leitor que chegou até aqui e a todos os talentosos autores que fizeram parte do La Parola no ano.

É isso. O conteúdo mais compartilhado por vocês em 2014 está condensado abaixo, nessa sucinta lista de 20 posts. Clique no título ou na imagem para ler a matéria.

1. Eleições 2014: Luciana Genro e Eduardo Jorge empatam com 32%. Pastor Everaldo cai para 11%, pouco à frente de Marina, Dilma e Aécio.

candidatos à presidência da república 2014

2. 22 Filmes Existenciais e Reflexivos

into-the-wild-na-natureza-selvagem

3. O que tocava no rádio no ano em que você nasceu?

Foto: Jon Bounds

4. O nordestino é tão brasileiro quanto você

Nordestinos

5. Comisão de Educasão do Senado imajina qe seja a ora de mudar o portugês em nova reforma ortográfica

A xuva enxarcou o meu xapéu qando xeguei na xácara. Qe xato isso! Tem xá na xaleira?

6. Diário de Bordo: Festival Spiroway 2014

Spiroway 2014 La Parola Gui Benck (35)

7. Festival Psicodália 2014 em fotos

8. Sobre amar no século XXI

amor-no-século-XXI

9. Série de vídeos destaca características de diretores de cinema

Bastardos Inglórios Brad Pitt Aldo Raine Quentin Tarantino cópia

10. Clotheless Portraits das Minas: Sobre a verdadeira beleza feminina…

Clotheless Portraits das Minas - Capa

11. Fotógrafo usa câmera de 130 anos para capturar o presente

fotos antigas

12. O Impecável Mississippi Delta Blues Festival

Gui Benck - Mississippi Delta Blues Festival 2014 (2)-2

13. As tribos mais isoladas do mundo fotografadas por Jimmy Nelson

Papua-Nova Guiné, Huli

14. O Mississippi Delta Blues Festival 2014 em Fotos

Gui Benck - Mississippi Delta Blues Festival - La Parola - Capa

15. Cachorro Grande e o Pré-Test-Ácido-Drive

Ozzie Pub (14/10/14) Foto: Leonardo Marmitt / Selo 180

16. Coisas que o Budismo me ensinou – e você também deveria aprender

17. 17 Coisas Que Pessoas Emocionalmente Fortes Evitam Fazer

17 Coisas Que Pessoas Emocionalmente Fortes Evitam Fazer

18. Amizade em tempos de whatsapp

19. Os melhores seriados de todos os tempos para os usuários do IMDB

Tony Soprano

20. Artista retrata famosas refeições da literatura em livro fotográfico

Fictious Dishes - Lewis Carroll - Alice no país das maravilhas

Feliz 2015!

O medo é a pior das ditaduras

O ódio, e seu discurso, pretende impingir medo, que, como diria o gênio recluso Belchior, “está por fora e anda por dentro de nossos corações”. Fundamentado, real ou absolutamente artificial, o medo domina exatamente pela probabilidade de ser inevitável e fatal: basta que exista uma possibilidade de exposição a algum perigo temível!

O medo é uma sensação, um estado de espírito. É como se fosse uma luz vermelha em nosso organismo, daquelas luzes de alerta que acendem em caso de incêndio ou ataque de Godzilla. A liberação de adrenalina causa imediata taquicardia, preparando o corpo para a luta, ou para a fuga; músculos tremem involuntariamente, lábios ressecam, a pele empalidece. O medo antecipa a tragédia, e fazendo isto pode matar de ansiedade, ou evitar a catástrofe.

A ditadura do medo é cruel. Incute, mesmo nos mais inteligentes, fobias sem nenhuma base material para existir. Um exemplo é a extinção da humanidade. Basta que se discuta – no Congresso Nacional ou em uma mesa de bar – sobre o casamento igualitário, ou a adoção de crianças por casais homoafetivos, que surgem argumentações em torno da tal preservação da espécie. Afinal, dois iguais não procriam, ou no dito do filósofo Levy Fidélix: “aparelho excretor não reproduz”.

Gentilezas à parte, é preciso que se diga da inutilidade de tal medo, a não ser para fins de propaganda obscurantista. A humanidade, em termos de “reprodução” e “procriação”, vai muito bem, obrigado. Em números demoramos mais de sete mil anos, de “civilização”, para chegar ao primeiro bilhão – e eu imagino a matéria no Fantástico da época, deve ter sido louca! –, por volta de 1802, e mais uns 125 anos para chegar ao segundo bilhão de habitantes terrestres, por volta de 1927. Desde então é crescimento que não acaba mais: 3 bilhões em 1961, 4 bilhões em 1975, 5 bilhões em 1987, 6 bilhões em 1999, 7 bilhões em 2012. Estima-se que atinjamos 9 bilhões em 2054, portanto, apenas 252 anos após o primeiro bilhão. E os relatos sobre outras sexualidades é, talvez, tão antigo quanto o andar ereto – sem trocadilhos – dos humanos. É gente pra caramba!

Give Love a Chance
Foto: Michael Fleshman | Flickr

Morto este argumento, o que sobra desta tal preservação da espécie? Preconceito e medo, que aliás, caminham juntos desde sempre. O desconhecido é verdadeira fonte de pânico para a humanidade, e pouco importa o que digam as estatísticas e estudos: a retórica do medo é sempre mais forte. O genial escritor moçambicano Mia Couto, certa vez observou:

“Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinaram a recear os desconhecidos. Na realidade a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada, não por estranhos, mas por parentes e conhecidos.”

Não há, portanto, nenhum questionamento contra o medo. Apenas aprendemos que não devemos fazer isto ou aquilo, e prontamente nos conformamos. O medo mofa a nossa capacidade de raciocínio, apodrece nosso sentido de indignação. O medo orienta: esconda-se para não ser pego. Mas não há abrigo contra o medo!

Eu sempre convivi com o fato de não assistir filmes de terror, e por isso fui acusado – não injustamente – de medroso e frouxo (!). Enquanto todas as crianças ansiavam pelas estórias de terror contadas por adultos, à noite, ao redor de uma fogueira ou num quarto escuro, preferia a fantasia de minhas imaginações. Não entendia como alguém, de própria vontade, submetia-se ao medo, pois já há tanto medo involuntário nesta vida: medo de ser assaltado, de não ser aceito, de ser reprovado na escola ou na vida, de levar um não de alguém que se goste, de ver nunca chegar o beijo que os sonhos anteciparam, de morrer sem ter conhecido Pasárgada, de morrer. Porque buscar mais medo? Não entendia, nem entendo.

Fui criança medrosa, portanto, e isto me fez odiar o medo, que é a pior das ditaduras. O medo é a ditadura que obriga todos quantos nele vivem a isolar-se, com pavor do mundo e das pessoas; o medo é o cimento dos muros intermináveis e o metal dos cadeados; é a matéria-prima do desamor, e a prisão que atravessa os tempos, impossibilitando o único caminho para o paraíso: o outro!

O Hobbit: A Desolação de Peter Jackson

J. R. R. Tolkien é um dos escritores mais aclamados da literatura. O seu dom para dar asas à imaginação é apreciado e respeitado até os dias atuais, mesmo após décadas do seu falecimento. Por si só, já o torna também o alvo mais debatido entre os fãs, estudiosos e todos aqueles que em algum momento, visualizaram alguns dos seus legados no cinema. Foi assim com a trilogia de “O Senhor dos Anéis”, e agora com “O Hobbit” – que sim, na verdade era para ter sido dividido em apenas dois filmes, mas hoje a realidade de Hollywood é outra. Era preciso alargar o paradoxo. Era preciso cortar o bom em duas partes para trazer sabor, degustação e muito lucro aos cofres dos responsáveis.

Peter Jackson fez um trabalho invejável na trilogia que situam-se tempos depois de “O Hobbit”, e isto, poucos negam. “O Senhor dos Anéis” e os seus capítulos renderam inexoravelmente frutos que redefiniram os padrões antes estabelecidos para se realizar um filme. Era épico, grandioso, repleto de moral, heróis, aventuras, vilões, desespero, esperança. Fora como ver um menino apresentando todo o paraíso da imaginação do seu maior inspirador, o velho Tolkien. Acima da fidelidade, que quase sempre é particular para cada espectador, existia sentido. Magia. Interesse. Você era surpreendido a cada cena.

O Hobbit A Batalha dos Cinco Exércitos (2)

Para “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos”, diversos elementos contavam a favor para mais um desfecho inesquecível e sem sombras de dúvidas, sublime. Mas não foi. Não deu. Lembrar do nome de Guillermo Del Toro nos estágios iniciais de “Uma Jornada Inesperada” para direção era quase um sonho, mas por motivos ainda hoje desconhecidos, não aconteceu. É verdade que mesmo de longe, ele acompanhou, ajudou, escreveu para Peter Jackson, mas o diretor não ouviu. Não quis escutar. Tomou o legado que o consagrou como seu. Seu “precioso”. E infelizmente, acabou por ser a sua desolação.

“A Batalha dos Cinco Exércitos” inicia-se sem empolgar. A primeira parte surge com uma batalha que facilmente poderia ter sido incluída no capítulo anterior, e mesmo que não fosse, que durasse mais. Que fosse de fato épica. Ali era o lugar dos efeitos prevalecerem e o terror invadir o coração de quem assiste. Na perspectiva do Bolseiro, nos olhos dos não guerreiros. A partir do primeiro final, o caminho todo é percorrido de coincidências narrativas forçadas. É como se todos os personagens tivessem feito o dever de casa e sabiam exatamente para onde correr, para onde olhar, como agir. Previsível. Cansativo. Jackson apoiou-se nos efeitos visuais deslumbrantes por tempo demais, tanto que parece ter cochilado na hora de realizar uma simples cena nas planícies com uma figura sobre o cavalo. Pode parecer pequeno, desnecessário comentar, mas para quem detinha da Terra-Média nas mãos, custava imaginar, usar o ambiente ao seu favor? Fundo verde. Fundo verde. E mais fundo verde. Diálogos ganharam clichês de uma produção pequena e sem importância, e o elemento surpresa ficou apenas para as mortes – que mesmo assim, observando bem, nem eram tão surpreendentes assim.

O Hobbit A Batalha dos Cinco Exércitos (3)

Em recente entrevista, o mesmo Peter Jackson declarou que em alguns anos o público enjoaria dos filmes de super-heróis. Ele está absolutamente certo. É uma tendência. Assim como a Terra-Média conduzida pelo próprio. Nos dias atuais tornam-se escassos os temas a serem abordados no cinema, mas isso não significa o fechar de olhos para novos pontos de vista. Existe magia em transformar o conhecido em algo novo, empolgante. Isso vale para o visto nas adaptações em quadrinhos, literárias ou em qualquer outro folclore, cotidiano e fantástico. Imaginação. Tudo resume-se a imaginação.

Lina Bo Bardi: a italiana que ajudou os brasileiros a enxergarem a si mesmos

Em todos os lugares do mundo as grandes capitais carregam símbolos, ícones capazes de sintetizar a essência e a memória das mais variadas correntes que transpassam a vivência social desses meios urbanos. São elas a Estátua da Liberdade de Manhattan, a Torre Eiffel de Paris ou o Big Ben de Londres, por exemplo. Ao pensarmos em São Paulo, uma imagem é recorrente: um imenso bloco de concreto suspenso por colunas em vermelho e cravado em uma icônica e larga avenida: o MASP.

A arquitetura tem esse poder de síntese. Entender seus criadores é, em parte, também entender um pouco de sua produção deixada para tantas e tantas gerações. Afinal, o MASP da arquiteta Lina Bo Bardi, que completaria cem anos em 2014 é, para além de tudo, uma lembrança viva na memória de cada paulistano, em suas vidas que utilizam essa cidade como cenário na construção de sua história.

Lina Bo Bardi - MASP
MASP

O prédio erguido para ser museu se tornou bem mais do que isso. Símbolo da cidade, a única exigência inicial de Joaquim Eugênio de Lima, que construiu a Avenida Paulista e atuou no urbanismo da cidade, era a construção não obstruir a vista e a amplidão do espaço e panorama proporcionados na área, que tinha vista direta para a Serra da Cantareira naquela época. A solução foi justamente suspender o prédio a oito metros do solo e criar espaços subterrâneos para serem aproveitados.

A exigência deu espaço para que a área fosse ocupada para os mais diversos fins. Hoje, o grande e histórico “Vão do MASP” é palco de protestos, embates, passagens e, principalmente, encontros. Destes, aliás, a italiana radicada no Brasil entendia bem. Lina era capaz de transmutar grandes ideias em pedra e metal em suas construções.

Outras grandes obras levam sua autoria, como o SESC Pompéia e a Casa de Vidro. A parceria de Lina com seu marido, o crítico de arte Pietro Maria Bardi, resulta em elementos que conciliam a arte em sua concepção, com a capacidade de se projetar para o futuro, um lugar em que parecia conseguir ver e estar e, com suas ideias, trazer o potencial de transformação. A riqueza estava principalmente na escolha precisa e nos detalhes, que vão desde os cavaletes de vidro até cada placa de sinalização para garantir a movimentação adequada do público e colocada no prédio original. Eles propunham uma nova relação entre o espectador e as obras expostas. Revolucionários e subversivos, faziam com que os quadros “levitassem” e confrontassem o público.

Lina Bo Bardi - Obra
SESC Pompéia

Bo Bardi, entretanto, é uma “estrela póstuma” por não ter sido muito bem compreendida pelos colegas da época. Seu estilo estético era bastante contundente e se prestava diretamente a anular o estilo internacional em prol de uma arquitetura mais simples e mínima, com inspiração popular na construção do modernismo.

Dos resquícios da guerra e de sua história na Itália, ficam na memória principalmente a luta contra o fascismo e uma visão que buscava escapar do destino de muitas produções artísticas que a antecederam, que se esgotavam na produção de “arte pela arte” e se distanciavam cada vez mais da realidade do mundo e das pessoas. Por esse mesmo motivo, a arquiteta buscou em seus trabalhos produções que fugiam completamente de casas para ricos. “É uma doença, não é pose. Sou incapaz de projetar uma mansão particular, um banco, um hotel”, escreveu Bo Bardi.

Lina Bo Bardi - poltrona bowl - interiores
Poltrona Bowl

Do período de conflito na Europa também vieram suas ideias de urbanismo e do papel do arquiteto na construção de elementos que dão alicerce à vida, às condições básicas para a felicidade, dignidade e liberdade de cada ser humano. A reconstrução das cidades destruídas pela guerra e o espaço para criar a trouxeram para o Brasil com uma possibilidade de pôr suas ideias em prática.

Em São Paulo, a italiana criou sua Casa de Vidro, no Morumbi, e aceitou o convite de Assis Chateaubriand para projetar o MASP. Fama e reconhecimento internacional só vieram depois, com a noção de que sua arquitetura presente na vida dos cidadãos perdura mesmo após fases de “tendências” efêmeras no mundo da construção.

Lina Bo Bardi - Casa de Vidro
Casa de Vidro

Hoje, o legado de sua obra vem sendo celebrado, especialmente no momento em que se completam 100 anos de seu nascimento. O foco vem justamente desse interesse renovado pelas ideias modernistas brasileiras e principalmente da contraposição ao constante bombardeio de modas e estéticas arquitetônicas. Desse interesse surgem exposições, como a sala dedicada a Lina na Bienal de Veneza de 2010, retrospectivas em São Paulo e uma exposição de arquitetura latino-americana no MoMa, em Nova Iorque, em 2015.

As linhas desenhadas por Lina Bo Bardi continuam ali, para quem as viu serem erguidas e para quem as conhece hoje, como estão. Suas linhas vitais, entretanto, foram mais frágeis, como é de natureza de qualquer ser. Porém, seu legado permanece firme, impactando na história de muitas pessoas, imortalizando a italiana que ajudou os brasileiros a enxergarem a si mesmos.


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