Marvel esmaga concorrência no cinema atual

A Marvel Studios data de 1993, conhecida na época pelo nome de Marvel Films. Correspondendo ao seu extenso material oriundo dos quadrinhos, o estúdio até então dedicava-se somente aos filmes animados, mas tudo mudou no ano de 2006, quando a Casa das Ideias resolveu adentrar no universo cinematográfico com longas live-action. Na crista da onda movida por produções de outros estúdios, a Marvel viu a chance de ouro de aproveitar os seus personagens para uma geração mais nova, contando ainda que o grande avanço tecnológico nos cinemas, permitindo assim não apenas uma grande gama de efeitos plausíveis, mas também unindo todo o seu poder criativo junto de profissionais competentes e sedentos por agradar um público carente.

Homem de Ferro - Robert Downey Jr 2Para iniciar o seu grande domínio nas salas de cinemas de todo o mundo, o estúdio deu o pontapé inicial com duas grandes produções logo de cara: O Incrível Hulk (2008) e Homem de Ferro (2008). Tirando do ostracismo o até então Robert Downey Jr., a Marvel colocou o ator para viver o bilionário egocêntrico Tony Stark, e no papel do cientista Bruce Banner, o inconfundível Edward Norton. Com dois nomes de peso para estrelarem as suas primeiras produções, o restante parecia fácil. Mas houveram problemas. No caso do gigante esmeralda, a Universal possuía os direitos do personagem, pretendendo lançar uma continuação do filme de 2003 estrelado por Eric Bana e dirigido por Ang Lee, mas como o projeto nunca saiu do papel a Marvel reclamou os direitos. Procurando evitar uma batalha judicial logo nos seus primórdios, ambos os estúdios entraram em um acordo: a Universal teria os direitos de distribuição garantidos de O Incrível Hulk. Ainda assim, após o lançamento da produção vieram à tona os problemas criativos entre Norton, o diretor Louis Leterrier e a Marvel. Os problemas acabaram por culminar na saída de Norton, que fora substituído no vindouro Os Vingadores (2012) por seu amigo pessoal Mark Ruffalo.

Hulk - Bana, Norton, Ruffalo

Enquanto isso, Downey Jr colhia os frutos do seu Homem de Ferro dirigido por Jon Favreau. Sucesso instantâneo, o filme colocou a Casa das Ideias no epicentro do cinema mundial. No ano de 2010, Homem de Ferro 2 estreou e garantiu mais lucros para o estúdio, que já imaginava expandir o seu universo de modo que todas as histórias fossem ligadas – o trabalho já havia começado nas cenas pós-créditos do primeiro Homem de Ferro e em O Incrível Hulk. Esta característica acabou tornando-se o ponto crucial do estúdio nos cinemas. Na sequência, chegaram aos cinemas Thor (2011) e Capitão América – O Primeiro Vingador (2011), o segundo novamente alvo de problemas. O filme teve suas filmagens estendidas por não estar agradando os produtores. O importante é que mais nomes de peso do cinema eram inseridos nas produções e mais ainda o público confiava na qualidade dos envolvidos. Tudo isso sendo gerenciado pelo grande chefão da casa: Kevin Feige.

Thor - O Mundo Sombrio

Outras continuações vieram, mas foi Os Vingadores (2012), filme que uniria os principais heróis do casting de personagens da Marvel que o estúdio de fato, alcançou recordes de bilheterias. O interessante em discorrer sobre a caminhada do estúdio nos cinemas implica uma grande abrangência de fatores, mas o mais crível nisso tudo acabou por ser o poder comercial dos produtos apresentados. O cinema carecia de heróis problemáticos, com personalidades realistas, e levando-se em conta o momento político em diversos países do mundo, tudo que a Marvel fez fora ser ela mesma, assim como aconteceu na época de sua criação dos quadrinhos. A grande diferença da Marvel Studios para outras grandes casas de Hollywood é justamente o zelo por adentrar nas suas produções de formas acessíveis, prezando um público que desconhece suas estórias ao mesmo tempo, que agrada quem viveu da infância à juventude cercado por gibis estando sentado no chão do quarto.

Vingadores - Avengers - Todos - Filme

Especialistas dizem que como todo grande momento, a era da Marvel é apenas uma tendência. Talvez seja. Mas tal tendência ainda tende a perdurar durante muitos anos, visto que outros estúdios como Warner Bros., Sony Pictures e outros correm por fora para tentar aproveitar um pouco da lucratividade da Marvel. Todavia, o caminho não é fácil. A Marvel não está só. Em 2009 a Disney realizou uma fusão com o estúdio por cerca de US$ 4 bilhões. Além de todo o aparato comercial disponível, Kevin Feige e os outros ainda contam com algo ímpar em relação à concorrência: o poder de esmagar seus adversários através de belos visuais, roteiros agradáveis e uma sede insaciável e atemporal: há sempre espaço para o entretenimento.

3, 2, 1… Nada mudou

As últimas semanas do ano geralmente são carregadas de planos e expectativas, não só pelas festividades, presentes, folgas, reencontros, comidas, mas também pelo clima de renovação que a chegada do novo ano traz, a esperança de um ano melhor, mudanças, conquistas, realização de projetos que não realizamos no ano que findou-se, dentre outras coisas. Então o ano vira, as festas acabam, você volta pro trabalho/escola, recomeça a dieta que você interrompeu pelas festividades (ou não) e aí? Cadê as mudanças?

Pois é, apesar do sentimento renovado, daquela vontade de fazer com que o ano que acabou de começar seja O ANO, nós acabamos por fazer o de sempre – nos acomodar, e quando percebemos, só faltam 6 meses pro ano acabar de novo e então deixamos para dar início aos planos de mudança a partir do ano seguinte. É desanimador, eu sei.

Mas por que acontece isso? Simples, as pessoas se apegaram ao sentimento de transformação e renovação que teoricamente só vem com a chegada do ano novo, sem saber que podem invocá-lo a qualquer momento. A beleza de planejar o próximo ano inteiro, pra ser aquele que vai mudar sua vida, está somente no fato de poder “começar do começo”.

Bom, o que eu quero dizer é que já acabou a primeira dezena do ano novo e muita gente ainda está esperando o “ano novo começar”, ainda está deixando para começar seus planos e projetos pro recém chegado na semana que vem, depois das férias, depois do carnaval, depois das festas juninas e assim lá se vão anos. Nada de esperar pelo ano novo, o que você teve no 1º de janeiro desse ano é a mesma coisa que você tinha no 31 de dezembro do ano que acabou (a menos que você tenha sido o ganhador da mega da virada), então pra que esperar por ele?

A Paz Roots de Haile Selassie

Com tantos problemas no mundo, com tanta dor e excesso de controle, de crença, imposição de ideias e conceitos… Listar parece até algo vago, e aí é que está o problema, quando os percalços não nos causam desconforto à ponto de nos fazer levantar e se tornam apenas lamentações ligadas ao desespero.

Somos capazes de decidir nosso destino e temos não só o direito, mas o dever de fazê-lo, e se precisar, lutar por isso. Mesmo que não nos queiram juntos, unidos pelo todo… Da forma que realmente deveria ser. A revolução não é uma anedota regada à sangue, pelo menos não deveria, o sangue de um povo precisa correr em veias e não pelo chão. Um país só é de fato um país quando seu povo para de nutrir ódio por uma mesma bandeira, algo desesperadoramente hilário, bancar a guerra e a paz com a antítese sem fé de uma pátria sem bandeira. Pátria esta que em teoria prega a união, mas que na verdade apoia o asqueroso racismo ideológico ou colorido pela pigmentação do couro da pele.

Bob Marley

O sistema político alimenta essa cadeia de cemitérios a céu aberto. A fuga desta Babilônia parece até inevitável, até porque a pureza da cor da pele é irrelevante perante o brilho de um par de olhares. Porém, para alguns, ela esconde a verdade. Transforma um ser humano em peso de papel e alimenta sua descrença, deixa ele fraco e apenas faz com que sua vida institucionalizada se assemelhe com a rotina de um presidiário em paradoxal liberdade.

A sobrevivência se torna um mito. O sobrenome compra tudo, o dinheiro banca a loucura, a influência… A utopia é quase uma realidade para quem consegue se manter corrupto neste caminho egoísta, mas na mente de quem é a base da pirâmide o tema já virou lenda.

São passos vazios, pés que antes caminhavam com um sentido verdadeiro e real sem pensamentos forjados pelas circunstâncias. Um tempo que deveria existir em todos nós, uma época que não é descrita em nenhum livro, que leva o indivíduo em consideração e tenta elevar seu espírito, mas sem religião, afinal de contas a verdadeira religião é aquele que te move, o que lhe faz andar enquanto muitos formam uma fila.

Bob Marley - Zimbabwe - 1980 (6)

A unificação de tudo é o molde da longevidade, mas sem levar em conta o aspecto material, até porque o direcionamento correto é o espiritual. A luta segue e sempre alguém vai ser estatística para que algo comece a ser arquitetado, algo de fato grande e impactante… Revolucionário talvez.

Alguém que consiga trazer uma mensagem maior do que ele próprio e tenha noção de que é apenas um instrumento de paz, de mudança e de propagação dessa nova formatação de um corpo de ideias para completar a peregrinação e purificação dos caminhos. É tudo questão de se munir de todas as armas possíveis para não nos deixar influenciar, precisamos de integridade para chegarmos ao apogeu do virtuosismo. Defenda seu ideal e siga rumo à sua própria colônia interior, procure seus semelhantes mas não se desligue dos pensamentos diferentes, dissolva as ideias e complete o mar de armas psicológicas lado a lado, sem diferenças.

Complete o caminho. Veja que no começo de tudo, no início deste pergaminho, a missão estava só no começo. Com o decorrer das linhas as coisas começaram a ficar mais claras e tudo seguiu seu fluxo. Talvez você tenha embarcado em seu caminho e encontrado a trilha de algo maior que você, algo que seja benéfico para seus semelhantes… Talvez tenha começado a crer em seu potencial… Talvez tenha começado a lutar, superou a cilada de seu próprio povo e começou a evolução. Você está pronto, você é um sobrevivente, um dos 48 revolucionários do clube da liberdade.

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Bob Marley - Survival

Se por acaso você, caro leitor, tenha apreciado este texto até o presente momento, saiba que o mesmo foi formulado pelo próprio Bob Marley, porém redigido por mim, em uma espécie de co-autoria. Falo sério, cada linha deste fragmento só foi criado porque teve como plena base toda a linearidade que o melhor disco do mestre Marley (opinião do resenhista) pode transmitir para os ouvintes dentro de um panorama histórico fantástico do cenário de guerrilha que o continente africano estava inserido.

Considero “Survival” o melhor disco do jamaicano pois creio que nenhum outro trabalho de sua autoria conseguiu ser tão relevante em seu próprio país, aliás creio que nenhum outro disco seja tão importante para o continente africano tal qual este aqui. Em menos de quarenta minutos o messias com dreadlocks fala do todo com um domínio de guru espiritual, focando no lado humano, usando o Reggae como sinônimo de pertencimento e levantando a bandeira Rastafári sem impor nada, e quem conhece o conflito do Oriente Médio (por exemplo), sabe o quanto isso é raro.

Bob Marley - Survival (2)

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Os ensinamentos do etíope Haile Selassie, a reencarnação de Deus, são um dos aspectos que adicionam sentimentos proféticos nas letras do lion man. Nesse disco o lado religioso é citado assim como em tudo que Bob escreveu, mas desde a capa sentimos que o conteúdo é quase que 100% político, o lado dos ensinamentos é menos presente mas é ele, mesmo em pouca quantidade, que deixa o disco leve enquanto seu conteúdo pesa uma tonelada.

Lançado em 1979, “Survival” é o nono disco da granada Reggaeira que este cidadão estourava quando entrava em estúdio, porém diferentemente do que acontecia na própria África aqui retratada, a explosão criado por este cidadão era em prol do amor, da música e da união das diferenças. E dentre as alegrias que 2014 depositou em nossas vidas uma das maiores delas foi o aniversário de 35 anos deste marco subversivo no segundo dia de outubro, um pedaço de arte que intriga até quem não gosta de Reggae, até o mais conservador bate o pezinho.

E o apogeu deste som anti-opressão foi sem dúvida o show realizado dia 18 de abril de 1980, no Rufaro Stadium, durante a cerimônia de independência do Zimbabwe, país que inclusive usava a música de mesmo nome (presente neste disco) como uma espécie de segundo hino, uma prova de como o som do made in Trench Town estava atingindo o pessoal do topo, influenciando todos os movimentos que apoiavam a independência sem os absurdos das tradicionais ditaduras que tanto povoaram o continente.

Bob Marley - Zimbabwe - 1980 (5)

O legado desse disco é justamente mostrar como a arte pode influenciar algo, e não é exagero nenhum dizer que Bob foi um dos responsáveis pela independência, não só do Zimbabwe, mas também de várias outras bandeiras que ilustram a capa deste marco zero. “Survival” é praticamente uma obra conceitual sobre o poder do sistema capitalista e a submissão do homem perante este modelo, mas o elementar é mostrar que tudo acaba, até a Babilônia caiu, e o senhor Marley foi o Niemayer responsável pelo seu novo projeto.

É fabuloso acompanhar as letras deste disco pois take após take nota-se que uma revolução musical começa, se desenrola e termina. O plano começa a ser tramado de forma tensa… Os diversos problemas do gueto são apontados em “So Much Trouble In The World”, os reprimidos são estimulados a lutar com a mão no peito ao som de “Zimbabwe”, mergulham na miscigenação de “Top Rankin'”.

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E entender o que acontece ao seu redor com “Babylon System”, sentindo uma brisa libertária com a faixa título (“Survival”), se lembrando que são iguais com “Africa Unite”, e que a felicidade é um direito de todos (“One Drop”). Acreditando em algo (“Ride Natty Ride”) ou não, pregando o respeito e mudanças para que o povo não seja enganado novamente cantarolando “Ambush In The Night” e colhendo os louros da empreitada quando a independência bate à porta com “Wake Up And Live”.

O ouvinte começa descrente e acaba devoto. Começa preso e termina livre. Inicia a jornada careca e acaba com dreads. Surge sem religião e finaliza Rastafári de nascimento. Mais do que Reggae ou música de forma geral, creio que “Survival” seja mais que um disco, é um mantra, trata-se de um livro aberto que cumpre a difícil tarefa de nos ensinar a viver de forma humana, o único exemplar de auto-ajuda que de fato faz alguma diferença no beat pacífico de Jah. Façam o sacramento e venerem a poesia sublime do elevado Robert Nesta Marley em sua trinca de ensinamentos.

bob-marley-1979-survival-capa

1. So Much Trouble In The World
2. Zimbabwe
3. Top Rankin’
4. Babylon System
5. Survival
6. Africa Unite
7. One Drop
8. Ride Natty Ride
9. Ambush In The Night
10.Wake Up And Live

 Line Up:

Bob Marley (vocal/guitarra/violão)
Aston “Family Man” Barrett (baixo/guitarra/percussão)
Carlton Barrett (bateria/percussão)
Judy Mowatt (vocal)
Tyrone “Organ D” Downie (teclado/percussão/vocal)
Alvin “Seeco” Patterson (percussão)
Marcia Griffiths (vocal)
Junior Marvin (guitarra/vocal)
Earl “Wire” Lindo (teclado)
Al Anderson (guitarra)
Rita Marley (vocal)

Charlie Hebdo e seus efeitos colaterais

A França não está em guerra atualmente. O país não abriga qualquer conflito bélico em seu interior, além da violência urbana normal dos grandes centros. Mas hoje um atentando terrorista abalou Paris e o mundo: três homens armados entraram na sede do jornal Charlie Hebdo e mataram, ao menos, 12 pessoas. Entre os mortos estão o genial cartunista Georges Wolinski, Stéphane Charbonnier, editor-chefe da publicação e também ilustrador, e Cabu, desenhista incrível, de profunda convicção antimilitarista. Há ainda quatro feridos em estado grave.

A relação da linha editorial do jornal com as bandeiras do histórico Maio de 1968 é total. Wolinski e Cabu eram desta geração. Charb era três décadas mais novo, mas não menos ácido contra o status quo. De uma polivalência incrível, desenhava e escrevia sobre política, costumes, guerras, doenças, televisão, religião e o que mais aparecesse. Ironicamente uma de suas últimas caricaturas traz uma pergunta: “ainda não teve atentado na França?”, ao que um militante fundamentalista responde: “Aguardem, ainda temos até o fim de janeiro para apresentar os votos!”.

charb - charlie hebdo

O jornal não acertava sempre, na minha humilde opinião. Em determinados momentos o humor passava do ponto do bom senso – que é largo ou estreito, a depender daquilo que carregamos sobre os ombros -, não raro charges caíam na vulgar islamofobia (tão presente na Europa), e não por uma ou duas vezes, as charges contra os extremistas islâmicos jogaram água no moinho do pior inimigo de Charlie Hebdo: a extrema-direita francesa. Entretanto, a arte e o jornalismo devem ser livres, inclusive para errar, inclusive para pagar pelos seus erros, e principalmente para permitir o contraponto. Não se respondem charges e piadas com balas e sangue, nem com veto prévio, não em um mundo democrático!

O legado dos cartunistas assassinados pelo extremismo religioso, nesta manhã de 7 de janeiro, é do mais profundo engajamento contra o obscurantismo e as injustiças sociais. Charlie Hebdo criticava a intromissão das religiões no Estado e na vida pública, engajava-se em campanhas contra o racismo, o fascismo e o sionismo. Nunca foi uma questão religiosa, foi sempre política!

“A Frente Nacional (partido fascista francês) e o fascismo islâmico são da mesma seara e contra eles não economizamos nossa arte” disse Charb, certa vez.

Certamente aumentará o discurso de ódio contra o islã na França e na Europa como um todo; certamente se fortalecerão as posições agressivas do Estado Islâmico e congêneres. Contraditoriamente, dois fascismos opostos se fortalecem ao preço da vida de cartunistas e jornalistas libertários. A política do medo, fundadora do Estado Islâmico e do fascismo, se fortalece (não esqueçamos que as potências ocidentais financiaram este grupo para lutar contra Bashar al’Assad na Síria) e amplifica seu alcance.

Perguntado sobre o medo das ameaças que recebiam ao publicar representações de Maomé, Charb disse:

“Se nos fizermos a pergunta: temos direito de desenhar ou não Maomé, é perigoso ou não publicar, a questão que virá depois será se podemos representar os muçulmanos no jornal, e depois nos perguntaremos se podemos mostrar seres humanos… E no final, não publicaremos mais nada, e o punhado de extremistas que se agitam no mundo e na França terão ganhado.”

A arte está de luto, mas eles, os fascistas de plantão, não vencerão…

Na década de 70, O Pasquim quase teve um destino parecido com o Charlie Hebdo

No dia 7 de janeiro de 2014, três homens encapuzados invadiram o escritório do semanário francês Charlie Hebdo e assassinaram 12 pessoas, incluindo o diretor da publicação e outros três cartunistas. Tudo isso aconteceu em virtude das constantes sátiras, uma marca do semanário, que o Charlie Hebdo faz com as religiões. No plural.

Acontece que radicais seguidores de Maomé levaram para o lado mais extremo possível. A intolerância é um dos maiores atrasos que o ser humano pode possuir. Nesse caso, a intolerância foi religiosa, mas existem outras vertentes dessa característica ridícula espalhados em episódios na história.

Tentando fazer um comparativo com o Brasil, a publicação que mais se familiarizaria com o Charlie Hebdo é o genial O Pasquim, fundado no final da década de 1960 por Tarso de Castro, Jaguar e Sérgio Cabral.

o pasquim - dom pedro - jaguar
Independência ou Morte? Mocotó! | Arte: Jaguar

Em pleno regime militar, fazer O Pasquim era considerado um ato de coragem, loucura e suicídio. Não necessariamente nessa ordem. O jornal mais ácido e incisivo que a imprensa brasileira já conheceu não existe mais, mas poderia ter existido menos ainda, como conta José Amaral Argolo, no livro “Terrorismo e Mídia”:

O coronel de Artilharia Alberto Carlos Costa Fortunato, acatado como dos mais ativos integrantes do chamado Grupo Secreto, responsável por dezenas de atentados entre 1968 e 1970, disse ao autor (durante entrevistas realizadas no Rio de Janeiro e em Brasília) que um dos cuidados na etapa de planejamento era checar os alvos de modo a evitar a morte de pessoas inocentes.

Ele explicou que em uma só dessas tantas operações poderia ter acontecido uma tragédia. Foi na madrugada de 12 de março de 1970, quando ele próprio e mais dois participantes do Grupo: o marceneiro Hilário José Corales e um agente do Centro de Inteligência do Exército identificado apenas como Niase, jogaram uma bomba nos escritórios do semanário O Pasquim, na Rua Saint Roman (Posto 5, Copacabana).

Sem que os perpetradores soubessem, os editores daquele jornal participavam de uma reunião de trabalho que se estendeu para além da hora de costume. Felizmente o petardo (algumas bananas de dinamite acondicionadas em uma lata grande e redonda de banha, produto de cozinha muito utilizado na época) não detonou.

Intolerância religiosa, política, sexual, cultural, racial, tecnológica, étnica, ideológica ou o que for é caso grave. O cérebro do ser humano não foi feito para ser estagnado. A intolerância só possui uma função: ser intolerante com ela mesma.

Maomé: “É difícil ser amado por idiotas!”

O massacre em Charlie Hebdo deixou um luto na liberdade de expressão. Na manhã de 7 de janeiro de 2015, três terroristas invadiram o prédio do semanário e, armados com kalashnikovs, assassinaram 12 pessoas, fugindo na sequência a bordo de um carro, dirigido por um quarto envolvido.

O diretor da publicação Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, foi uma das vítimas. Outros três cartunistas também foram mortos: Cabu, Tignous e Georges Wollinski, esse último, em especial, referência para muitos ilustradores.

Não é preciso ser Sherlock Holmes para atribuir esse crime a radicais islâmicos, mesmo antes de já ter sido provado.

Charlie Hebdo
‘O amor é mais forte que o ódio’. Charlie Hebdo nº, 1012, 9 de novembro de 2011.

1) Charlie Hebdo é uma das publicações mais destemidas do mundo. As charges provocativas do semanário têm irritado os seguidores de Maomé há anos. Não por menos, a religião é um dos principais alvos da metralhadora satírica do Charlie.

2) Os homens encapuzados procuraram os cartunistas pelos seus nomes e gritaram “Vingamos o Profeta”antes de dispararem os tiros.

Fundado em 1970, o Charlie Hebdo é uma das principais vozes alternativas França. Alternativa de verdade. Vivendo sempre no atrito e cutucando em todas as polêmicas do planeta, recebia eventuais proteções da polícia desde 2011, ano em que sua sede, em Paris, sofreu um incêndio criminoso, “misteriosamente” após publicar uma edição com Maomé na capa. A resposta ao ataque veio na edição seguinte (imagem ao lado).

Charlie Hebdo - Capa (4)
Charb posando com a capa polêmica. ‘100 chicotadas para quem não morrer de rir’, dizia Maomé, na charge. | Foto: Alexander Klein (AFP)
Charlie Hebdo - Capa - Dezembro 2014 (2)
Charlie Hebdo nº 1.176, 31 de dezembro de 2014

Um semanário que muitas vezes age com a mesma acidez contra o governo da França recebe ao mesmo tempo sua proteção. No Brasil da década de 1970 aconteceu algo parecido, mas um pouco ao contrário (entenda como quiser), já que quem tentou assassinar os jornalistas d’O Pasquim foi o próprio governo.

É provável que franceses e viciados em quadrinhos e em jornalismo conheçam o Charlie Hebdo. E só. Até na França sua popularidade vinha caindo nos últimos anos. As vendas diminuíam a passos largos e o semanário só se manteve íntegro e vivo até hoje por puro amor à camisa.

As críticas que o Charlie Hebdo fazia não só ao islã, mas a todas as religiões, nunca foram tão disseminadas no mundo como hoje. Jamais a internet movimentou tantas capas profanas e perturbadoras do semanário. Os responsáveis pelo crime aumentaram a popularidade da publicação em escala gigantesca. Nunca na história o Charlie Hebdo foi tão lido e comentada como hoje. A página do Charlie Hebdo no Facebook antes do atentado concentrava pouco mais de 300 mil seguidores. Olhem agora como está.

Ficou evidente que na tentativa de silenciá-los, acabaram por amplificar suas vozes. Deve ser difícil ser amado por idiotas.

Charlie Hebdo - Capa (3)
Charlie Hebdo edição especial. ‘É difícil ser amado por idiotas’, diz Maomé.

Fotógrafo une Rio de Janeiro antigo e atual na mesma imagem

O fotógrafo Marcello Cavalcanti tem feito um minucioso trabalho de restauração. Desde dezembro de 2014, possui um perfil no Instagram em que posta imagens antigas do Rio de Janeiro mescladas com fotografias atuais.

As fotografias antigas da Cidade Maravilhosa são datadas do início do século XX. A autoria é de Augusto Malta, alagoano que, a pedido do prefeito Pereira Passos, registrou a então capital do Brasil.

Já as fotografias atuais que acompanham a montagem são feitas por ele prório:

“Escolhida a foto que quero reproduzir, faço uma pesquisa sobre ela em blogs e sites sobre o assunto para tentar ter o máximo de certeza sobre a sua localização exata e detalhes sobre os prédios retratados. Vou até a localidade, com a foto impressa ou no celular, e tento reproduzir com a minha câmera, o mesmo ângulo, ou o mais próximo possível, analisando a foto original, tentando entender como foi feita, distância focal etc. Faço algumas fotos variando ângulo e distância. Depois, no computador, é feito um minucioso trabalho de tratamento” (Marcello Cavalcanti, via G1).

As diferenças entre os dois momentos são gritantes. Afinal de contas, falamos aqui de quase um século de transformações urbanísticas, culturais, sociais, políticas et caterva. O Theatro Municipal continua lá, na Praça da Cinelândia, mas o seu entorno está totalmente modificado. O mesmo pode se dizer dos Arcos da Lapa, que na foto original ainda possuía trilhos dos bondinhos. E Ipanema e Leblon? Na época os prédios ainda não haviam dominado os dois bairros e o que vemos é apenas areia e terra.

O trabalho de Marcello é similar a outros já realizados em diferentes cidades do mundo. Há quase um ano publicamos aqui a série do fotógrafo e arquiteto Kerényi Zoltám, que tem feito essa restauração da memória na cidade de Budapeste.

Uma coisa é certa: quase um século se passou e o Rio de Janeiro continua lindo. Olha só o impacto desses registros.

 

 

 

Pra fechar o ano de 2014 , que tal essa cena de ontem + hoje da Cinelândia, com seus bondes , carros clássicos e gente animada pela rua com o imponente Theatro Municipal, e ao fundo os prédios de hoje da Av. Rio Branco, sem deixar de reparar no ônibus do BRS passando em frente ao conservado prédio do Museu de Belas Artes! Que viagem no tempo! Viva a cidade Maravilhosa e obrigado Augusto Malta por mais esse registro incrível! @mcavalcanti80 @conexaolight @imoreirasalles @rio450 @rio365 @gaveaimagens @rioguiaoficial #augustomalta #augustomaltarevival #cinelandia #centro #riobranco #theatromunicipal #bondes #riodejaneiro #rj #transformacoes #novorio #riopostcard #rioeuamoeucuido #rioantigo #jornaloglobo #rio450 #aboutrio #vejario #rioemfoco #rioguiaoficial #instagramrio #adorofarm #photography #art #collage #registrocarioca #igersrio #instagram

Uma foto publicada por Augusto Malta Revival (@augustomaltarevival) em

Psicodália 2015: Ian Anderson, o homem da ‘flauta rocker’, toca o melhor do Jethro Tull

Ian Anderson, conhecido em todo o mundo do rock, como a flauta e voz do lendário Jethro Tull, volta ao Brasil para único show no Psicodália 2015. O músico, que comemora em 2014 seus 46 anos de caminhada musical, é um dos headliners do Festival que acontece de 13 a 18 de fevereiro na Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho, Santa Catarina.

Ian Anderson plays the best of Jethro Tull é o nome do show que o artista britânico traz ao Brasil desta vez, com o fino da produção da banda que marcou época na década de 60 e não saiu mais de cena. Ele sobe ao Palco Psicodália, o maior do Festival que chega a sua 18.ª edição, no dia 16 de fevereiro. A programação completa tem mais de cem atrações, entre shows musicais, teatro, oficinas e atividades de lazer e aventura.

Ian nasceu em 1947 na Escócia. Sua família mudou-se para Blackpool, no norte da Inglaterra, onde ele estudou Belas Artes antes de optar por uma carreira musical.

A banda Jethro Tull nasceu em 1968 da fusão de grupos britânicos locais cujos músicos tinham em comum o amor pelo blues. Anderson e Jethro Tull lançaram 30 álbuns de estúdio e ao vivo, vendendo mais de 60 milhões de cópias desde que a banda se apresentou pela primeira vez no famoso Marquee Club de Londres em fevereiro de 1968.

Jethro Tull 1977
Jethro Tull em 1977

Após a realização de mais de 3000 concertos em 40 países ao longo de quatro décadas, ele segue incansável, mantendo uma média de 100 concertos por ano e conquistando novos fãs em todo o mundo. Amplamente reconhecido como o homem que introduziu a flauta ao rock, continua a ser o expoente coroado do rock que se constrói a partir da sonoridade da flauta. Ian também toca violão e bandolim, criando texturas acústicas que deixaram marcas indeléveis no repertório do Tull.

Anderson tem seis álbuns e a cada dia se firma mais como artista solo. Em 2014, a maioria dos concertos agendados foram calcados em seu mais recente álbum solo, “Homo erraticus”, mas sem esquecer de brincar aos fãs com os favoritos do catálogo Jethro Tull.

Ian Anderson Group (1)
Ian Andersoun Group

Atualmente, Anderson vive em uma fazenda no sudoeste da Inglaterra, onde ele tem um estúdio e escritórios de gravação e ensaio. Em 2006, ele foi agraciado com o Prêmio Ivor para Achievement Internacional de Música e figurou na Lista de Honras de Ano Novo de 2008, por serviços prestados à música.

Perto de celebrar meio século de bons serviços prestados à música, ele reafirma seu compromisso de vida com a música como profissão e está certo que é muito jovem para pendurar o chapéu ou a flauta. Bom para os fãs.

Funk: Tim Tim Por Tim Maia

O grande Tim Maia, assim como a fantástica Janis Joplin, morreu de overdose. Mas não foi uma overdose de heroína como no caso da fantástica cantora americana. Maia nos deixou sem entrar na estatística dos narcóticos, mas mesmo assim foi vítima de uma overdose, só que de paradoxal da vida.

O cantor teve tudo, perdeu tudo, teve tudo novamente e perdeu tudo outra vez só pra desbaratinar… O lance do Sebastião era a volta triunfal, era entrar na Arena São Januário vendo a torcida do Vasco cantar com a cruz maltina no peito e dar a volta olímpica, tirar sarro dos críticos e usar o disco de ouro como porta copo. E digo mais, deve ser complicado conviver consigo mesmo sabendo que não existe problema nenhum no mundo, e sim com você mesmo. Levantar numa ressaca daquelas que embrulha até o almoço, e pensar que praticamente todos os problemas de sua vida foram causado por você mesmo, faltou bom senso, mesmo com imunização racional… É difícil ser inimigo de si mesmo.

No fim das contas até o Funk perdeu seus encantos. A imaginação do gênio bancava verdades insólitas que pareciam verdadeiras teorias da conspiração… A paranoia da maconha da lata pegou no Triathlon de THC, Bourbon e Sessions do mais branco e puro snowblind, para, no começo, durante e no fim, mascarar um monstro que seu próprio dark side alimentava, seu próprio Black Power… Até tu, Brutus.

rita-lee - Tim Maia - Filme
Rita Lee (Renata Guida) e Tim Maia (Babu Santana)

A realidade do calendário Maia ia além dos processos. Sua mística de showman ou seus costumeiros excessos, o ideal era simples para o ex -mestre do marmitex, viver intensamente. Por que assim como os grandes mestres da música, e de seu segmento de atuação, o Funk, Tim buscava em suas experiências pessoas o néctar criativo para misturar no Groove, a versão latina do George Clinton e sua Mothership Connection, Tim Maia & Vitória Régia. E pense o senhor, caro leitor, que valeria a pena viver sem essa anormalidade, seu dia-a-dia precisava estar nivelado com seus contos épicos de Soul, até porque sem isso não valeria a pena viver, a insanidade era sua desmagnetização racional. Maia contrariou até Einsten, ele repetiu as presepadas várias vezes e conseguia resultados diferentes!

E em 2007, com o lançamento da biografia do maestro (Tim Maia: Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia), plenamente arquitetada por seu biógrafo Nelson Motta, cidadão que teve a honra de dividir um baurete com o síndico em pessoa, que cada vez mais brasileiros começaram a não só curtir o som do brasileiríssimo, mas também entender sua vida e obra de fato. E como seu livro é o mais completo diário de bordo sobre esta figura quase folclórica, nada mais justo do que se basear nos relatos do escriba para jogar isso na telona.

E assim foi feito. 2014 será um ano muito lembrado porque teve eleição, sete gols da Alemanha e muito caos urbano, porém entrará na rota de recordações como o ano em que a vida de Tim virou filme, e que filme. Cinebiografia de Tim Maia dirigida e roteirizada por Mauro Lima, “Tim Maia” coloca em imagens o que Nelson teve o talento de colocar em palavras, e rapaz, que dobradinha, melhor que muito Romário e Bebeto por aí, coloca a dupla no banco e deixa o Robson Nunes e o Babu Santana na frente que eles resolvem.

Roberto Carlos e Tim Maia - filme
Roberto Carlos (George Sauma) e Tim Maia (Robson Nunes)

Que atuação! Primeiro surge Robson Nunes para movimentar os primeiros passos do ainda entregador de marmita. Atua no começo de tudo, começa a engatinhar no vocal, andar no violão e correr nos Estados Unidos, país que se dirigiu com pouco dinheiro, e que fora convidado a se retirar com menos ainda, roubando até peru com a ajuda de sobretudo.

Na volta os perrengues seguem rolando igual efeito dominó, porém nosso herói segue dando seu jeito e seu sonho de viver de música ainda segue vivo, e é aí que escuta-se um click na cabeça do futuro mensageiro racional: Velha Guarda, vamos atrás do Roberto e de seu amigo Tremendão, cidadão que teve a honra de ter aulas de violão com Tim, e que pelo andar da carruagem não parece ter adiantado muita coisa.

Muito bem interpretados pelo engraçado George Sauma e Tito Naville, Roberto e Tremendão (respectivamente), ajudam o mestre a segurar o forninho. Tim mostra algumas composições para a dupla e aí é que o jogo começa a mudar, e onde Babu entra para decidir. Sua atuação é fantástica, primeiro que ele fica bem fiel ao personagem fisicamente falando, segundo que a interpretação é realmente bárbara, digno de se indicar esse filme para representar nosso 7X1 no tapete vermelho da Academia.

Fábio e Tim Maia - Cauã Reymond e Babu Santana
Fábio (Cauã Reymond) e Tim Maia (Babu Santana)

Além dos atores já citados outra que trabalhou muito bem foi a Renata Guida (Rita Lee), sem se esquecer da avoada Mallu Magalhães (Nara Leão) e do Carlos Imperial (Luís Lobianco). Fora o faz-tudo Cauã Reymond que até narrou o filme, interpretando o grande Fábio, músico que tocou 30 anos com a fera retratada, que até no filme acaba com mulher bonita, vulgo Aline Moraes.

E em cerca de duas horas e vinte minutos, todos os envolvidos devem se orgulhar de terem participado deste filme. Eu por exemplo sempre fui muito fã do Tim, já tinha lido o livro de Nelson Motta e o relato de Fábio (Até Parece Que Foi Sonho – Meus 30 Anos de Trabalho e Amizade Com Tim Maia), livro que assim como as entrevistas feitas por Mauro Lima e Antônia Peregrino buscaram ainda mais veracidade para jogar em imagens e rapaz, saí do cinema ainda mais fã do cantor, e pela reação de meus conhecidos creio que não fui o único.

Não é só reviver o herói, o maior trunfo desse filme é mostrar a história crua sem romantizar os erros do astro, igual a rede Globo fez picotando o filme todo e mesclando com entrevistas. Tim errava tanto quanto nós, mentia um pouquinho porque errava mais e sua música ganha novo significado para os que viram esse grande momento, afinal de contas seu legado não precisa ser massificado, ele era tudo e nada ao mesmo tempo, e creio que isso não tem como ser camuflado, santo nacionalismo, santo Tim Maia…. Veja o filme… O Universo em Desencanto…

http://youtu.be/h5ZsRsfSep8

Tim Maia e a Polícia

Tim Maia sempre foi um fora da lei e, seguindo a ordem natural das coisas – exceto nos casos de colarinho branco – teve um intenso convívio com a polícia.

Antes da fama, o problema era a falta. E essa falta de tudo fez com que Tim se envolvesse em furtos. Nos Estados Unidos acumulou cinco prisões. A última, na Flórida, culminou em sua deportação do país, em 1964. Tim voltaria a visitar o presídio dois anos mais tarde, dessa vez no Brasil, em 1966. Foi preso em flagrante roubando móveis de uma residência na Tijuca. Ficou 11 meses na prisão e, segundo o biógrafo Nelson Motta, foi a primeira vez que apanhou da polícia, diferente de quando esteve nos EUA, onde os policiais só o ameaçavam.

Depois da fama, o problema era o excesso. Tim se tornara uma das personalidades mais queridas do povo brasileiro, inclusive pelos policiais. Por isso, posse de drogas em plena ditadura militar, agressões e falta de documentos básicos como carteira de motorista, eram problemas malandramente contornados pelo cantor perante às autoridades.

Na biografia Vale Tudo: O som e a fúria de Tim Maia, escrita por Nelson Motta, algumas histórias curiosas de como Tim e seus comparsas se safaram da polícia foram contadas pelo autor.

Reproduzo aqui quatro delas:

Como não tinha nenhuma documentação, perdida por António Cláudio, a viatura era totalmente ilegal e, pela aparência bagaceira e a pinta dos passageiros, despertava logo suspeitas de guardas de trânsito. Convocado a buscar uma lasanha em Copacabana, Zé Maurício perguntou a Tim o que devia fazer se fosse parado pelos homens.

“Muito simples”, Tim o tranqüilizou e gritou: “Pi, pega uma capa de disco aí.”

Entregou a capa a Zé Maurício e deu as instruções:

“Tu bota a capa do disco no vidro traseiro do carro. Na contracapa está a foto de vocês, eles vão saber que vocês são da banda. Pode confiar, mermão, esses guardinhas são todos meus fãs.”

“Isso não vai funcionar, Tim”, o músico estava temeroso.

“Claro que vai, mermão, sempre funciona. E vamos logo que minha barriga está roncando de fome.”

Não deu outra. O fusca todo amassado e com pneus carecas, tripulado por três cabeleiras black power, foi parado a poucas quadras da Lasanha Verde, em Copacabana, onde ia buscar três lasanhas, uma para Tim e duas para o resto da banda:

“Documentos.”

Zé Maurício apresentou a carteira de motorista, o guarda aprovou e pediu os papéis do veículo:

“Ih, seu guarda, a gente não tem o documento não. Nós somos músicos Tim Maia e viemos comprar uma lasanha pra ele.”

“Tim Maia? Vocês?”, a autoridade estava incrédula.

“É, nós somos músicos, estamos ensaiando com ele”, explicou Zé Maurício e o guarda fechou a cara.

Foi quando Pi pediu a Carlinhos que pegasse a capa do disco e mostrou a contracapa ao guarda. Ele olhou a foto, depois os suspeitos, voltou à foto e aliviou:

“É, parece que são vocês mesmo. E essa capa é para quê?”

“Essa capa é pro senhor”, ofereceu Pi, “depois o senhor passa lá no estúdio para pegar o disco”.

O homem da lei sorriu:

“Ótimo, eu sou fã do Tim Maia. Eu vou passar lá mesmo. Vou liberar vocês, mas não dêem mais mole, porque outros colegas podem não ter a minha compreensão e isso pode criar problemas para o Tim. Do jeito que está o carro vai ser rebocado. Falem para ele passar no Detran para resolver isso.”

Na Seroma, além da lasanha, Tim saboreou a vitória de seu prestígio e popularidade:

“Não falei que funcionava? Pode confiar no Tim Maia do Brasil, mermão!”

Tim Maia - Fotos (1)
Foto: Agência Estado

No fim de mais um ensaio, a banda já se preparava para voltar a Nikit e Tim dormia escornado num colchonete, quando as luzes ameaçadoras do giroscópio de um carro de polícia cortaram a escuridão da Lagoa.

Como se a luz fosse o som de um alarme, Tim acordou esperto:

“Sujou, rapaziada. Levem os blocks para o canil do Antão.”

Enquanto os estoques de maconha eram escondidos, do outro lado do muro o policial gritou:

“Ô Tim Maia!”

O tom não era ameaçador, mas nunca se pode confiar em canas. Tim achou melhor ser simpático:

“Ô mermão, quem é?”

“É o cabo Jorge.”

“Que cabo, mermão?”

“Sou eu, o cabo Jorge”, e levantou a capa do disco por cima do muro. “Eu vim buscar o disco.”

Tim abriu o portão aliviado e sorridente e gritou para dentro:

“O Pi, pega um disco lá pro nosso cabo Jorge.”

“Pode ficar tranqüilo, Tim Maia, nós vamos ficar patrulhando a Rua aqui pra você. Boa noite.”

Tim Maia - Fotos (3)
Foto: Agência Estado

Quando Pi se preparava para dar a partida no carro, estacionado na contramão em plena Rua da Carioca, uma surpresa tão desagradável quanto previsível. Um fusca com dois PMs, um negão mais jovem ao volante e um coroa mais graduado ao lado. Pi não tinha sequer certidão de nascimento, quanto mais carteira de motorista.

“Documentos.”

“Eu não tenho documento não, chefe, estou dirigindo aqui pro Tim”, respondeu o Pi.”

O coroa não tinha visto Tim no banco traseiro, não gostou da resposta e nem da cara de Pi e falou grosso:

“Não sei quem é Tim, quero saber é dos documentos, senão vai todo mundo para a delegacia.”

Com Márcio Leonardo no colo, Tim ficou possesso e enfiou a cara pela janela:

“Olha aqui, mermão! Tem uma criança aqui!”

O PM ameaçou prender Tim por desacato. O negão que estava dirigindo o carro da Polícia e era fã de Tim tentava apaziguar o superior, mas o coroa não queria conversa, começou a juntar gente em volta do carro. O homem estava fervendo:

“Não me interessa se é o Tim Maia, vamos todos para a delegacia!”

O policial se mantinha irredutível, o negão se lamentava com os músicos:

“Pô, vou sair no jornal como o cara que prendeu o Tim Maia. Vou ficar malvisto no bailão.”

O PM mandou Pi manobrar o carro para sair da contramão, ir até a próxima esquina e voltar. Foi o tempo do negão apelar aos mais nobres sentimentos do superior, sugerindo que pegaria mal prender um artista querido como Tim Maia por uma contramãozinha banal.

Tim Maia - Fotos (2)
Foto: Agência Estado

Tim começou vida nova comprando um carro novo. Estava voltando para casa, com uma Brasília vermelha cheirando a tinta, com apenas uma licença provisória no pára-brisa, quando foi parado por dois policiais na Figueiredo Magalhães.

Eram velhos conhecidos de outras infrações e dos correspondentes levados.

A documentação era legal, mas como Tim não tinha carteira de habilitação e sempre estava com a vistoria atrasada ou outra ilegalidade qualquer, acabava funcionando como uma espécie de caixa automático para os PMs. Só que desta vez ele estava com uma trouxa de maconha escondida na cueca, e, pior, sem nenhum dinheiro para o levadinho dos homens as coisas poderiam se complicar. Parado no meio da Rua, no trânsito das cinco da tarde em Copacabana, tirou a chave da ignição e deu para o guarda:

“Então fica com o carro pra você, mermão.”

E saiu batido para casa, com medo de um fragoroso. Às sete da noite deu na televisão que a polícia estava atrás de Tim Maia, mas desta vez só para entregar os documentos que ele tinha esquecido no carro. Recebeu as chaves e os policiais com muita simpatia, e, na falta de um levadinho, deu a cada um uma capa de disco autografada, naturalmente vazia, e eles partiram satisfeitos.

Suas relações com os homens da lei continuavam intensas. Depois de uma gravação, estava voltando para casa com dois músicos, todos sem dinheiro e loucos para tomar uma cerveja, quando viu a mesma dupla de policiais na Figueiredo Magalhães. Parou o carro, saltou e dirigiu-se a eles, simpático e sorridente. Em alguns minutos de papo, tinha convencido a dupla a, lhe emprestar dez cruzeiros. Foi a primeira vez na história que um guarda de trânsito pagou uma cervejinha a um infrator contumaz.

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Autor: Nelson Motta
Editora: Ponto de Leitura
Nº de Páginas: 448

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