E se o amor entre duas pessoas pudesse transcender a esfera familiar que limita o alcance do sentimento? Se ele fosse capaz de construir um legado de esforço mútuo que apoie a vida em todas as suas formas e nos mais isolados cantos do planeta? E se o companheirismo ultrapasse a extensão dos nossos corpos, e transformasse o bem de dois em um bem comunitário?

No decorrer dos séculos, casais como Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, Yoko Ono e John Lennon ou Zelda e Scott Fitzgerald mostraram que é possível que o amor floresça através da arte, produzindo frutos de ambos os lados de uma relação, mas para mim, nenhum exemplo é mais evidente do que o de Sebastião e Lélia Salgado.

“A gente é sócio na vida, não é a mulher que está por trás, é a mulher que está ao lado”, são as palavras de Sebastião, considerado um dos fotógrafos mais importantes do século XX, acumulador de indiscutivelmente merecidos prêmios, artista de sucesso reconhecido pelo mundo todo, embaixador da UNICEF, marido de Lélia. O casal mora em Paris desde 79, uma relação que gerou dois filhos e muitos projetos, resultados de devotada dedicação e uma sinergia admirável.

Sebastião nasceu no interior de Minas, mas estudou Economia em São Paulo. Em 1973, abandonou oficialmente a carreira e o diploma após uma viagem à África, onde começou a fotografar. Foi assim que se tornou um fotojornalista a serviço de ações humanitárias, colaborando posteriormente com organizações como a Médicos sem Fronteiras, as Nações Unidas e a OMS.

Lélia Wanick formou-se em arquitetura em Paris, mas há anos vem trabalhando como curadora e coordenadora dos projetos do marido. Antes de mergulhar em sua jornada de expedições exóticas, chegou a trabalhar com o renomado fotógrafo Cartier Bresson.

Hoje ela é responsável pela agência do casal, criada em 1994, em Paris, a Amazonas Images, onde expõe o resultado final do trabalho que realizam nos lugares mais inóspitos da Terra, retratando tanto cenários de diversidade cultural e belezas da natureza, quanto de miséria, desnutrição e outras mazelas que afetam povos por todo o mundo. Suas excursões já passaram por mais de 100 países, produzindo imagens raras e tocantes que são editadas em preto e branco.

Desde 1990, Sebastião e Lélia desenvolvem um projeto de reflorestamento de uma parte da mata atlântica, localizada no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, local que hoje é uma reserva ambiental. Ela é conservada pelo Instituto Terra, fundado pelo casal em 1998, e que não só cuida da mata em si, mas também da educação ambiental de centenas de crianças, através de um trabalho implementado nas escolas da região.

Atualmente, o casal acompanha as reproduções de “Gênesis”, a série fotográfica produzida mais recentemente a partir de imagens colhidas em Galápagos, Papua Nova Guiné, Indonésia, Uganda e Patagônia.

Com 66 anos, Lélia ainda participa de algumas expedições, mas às vezes prefere deixar que o marido se aventure sozinho enquanto toma conta da curadoria, edição, produção e exposição das fotos, dando continuidade a uma relação de trabalho e cooperação mútua difícil de se adjetivar. Se o amor é mesmo feito de almas complementares, eu não sei dizer, mas a vida tem sido assim para Sebastião e Lélia há mais de 50 anos.