A Filosofia do Budismo

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Há mais de 2.500 anos, a filosofia que hoje conhecemos como Budismo tem sido a principal inspiração por trás de muitas civilizações bem sucedidas, uma fonte inesgotável de grandes realizações culturais e um guia significativo para a própria finalidade de vida para cerca de 400 milhões de pessoas no mundo todo.

Hoje, o Budismo é mais popular do que nunca, visto que se espalha por todos os continentes do planeta, abarcando centenas de nações.

A filosofia budista foi gerada a partir dos ensinamentos da história de Buda. Reza a lenda, Buda pôde desfrutar de toda luxúria e todos os prazeres sensuais e sensoriais da experiência humana. Entretanto, compreendeu que isso não bastava para trazer a verdadeira felicidade.

Após enfrentar o mundo e por fim conhecer sofrimento, doença, velhice e morte, ele se viu detentor de uma nobre causa: libertar as próximas gerações do sofrimento existencial.

A filosofia do Budismo

Como filosofia, o Budismo representa um vasto conjunto de tradições que se concentram no desenvolvimento pessoal e na busca de um profundo conhecimento sobre a natureza da vida.

Essa abordagem de pensamento ensina que a sabedoria sempre deve ser aventurada com dignidade e, acima de tudo, compaixão. Primeiro, entender que o bem e satisfação do outro é prazeroso assim como é a gratificação pessoal. Segundo, estudar os fatos e vivenciar a realidade muito além da simples crença do que nos é dito. Assim, as práticas budistas requerem muita coragem, paciência, determinação e inteligência.

Os budistas compreendem que a vida é ao mesmo tempo interminável e sujeita à impermanência, sofrimento e incerteza.

Segundo os budistas, a vida é interminável porque a existência é infinita e as pessoas reencarnam ciclicamente, experimentando o sofrimento ao longo de incontáveis vidas; é impermanente porque nenhum estado, fase ou condição dura para sempre, considerando que a fé de que as coisas possam durar seja a principal causa do sofrimento humano.

Muitos vêem o budismo como sendo uma filosofia pessimista. Encontrar algo não apreciado ou não obter o que se deseja parece ser o que importa? Não necessariamente. O budismo é uma abordagem de pensamento realista, não pessimista. O pessimismo espera que as coisas sejam ruins, mas o budismo explica como o sofrimento pode ser evitado e como podemos ser verdadeiramente felizes.

Budismo e religião

Muitos entusiastas consideram o Budismo como sendo uma religião. No entanto, na filosofia budista não existe fé em deus ou deuses sobrenaturais.

O Budismo é menos um pacote de crenças que devem ser aceitas em totalidade, e mais um repositório instrutivo de ensino que toda e qualquer pessoa – independente de caráter, valor, hábito e comportamento – pode aprender e usar da sua própria maneira a fim de autoconhecimento.

A filosofia budista é muito tolerante: não existem registros de guerra em nome do Budismo.

De fato, o Budismo é uma filosofia que não tenta pregar ou converter, mas sim orientar e compreender.

Por exemplo, no Cristianismo, religião com mais adeptos no Brasil, os maiores propósitos são a benevolência, caridade e salvação, que só poderão ser dignas daquele que seguir fielmente as orientações sagradas de Jesus Cristo, evitando com fervor os pecados e prazeres que a vida pode oferecer.

Nesse caso, o pecado (principal fonte do mal para os cristãos) é visto como um erro, ou seja, o ser humano transgressor por natureza certamente encontrará resistência moral em si e nos outros e, portanto, deverá contentar-se em seguir essa religião negando sua essência e instintos, do contrário, será um agente passível de ser castigado.

Por outro lado, no Budismo o pecado é visto como ignorância, ou seja, uma imperfeição de caráter amoral, já que é apenas engano impessoal e não uma violação interpessoal.

Ambas as formas de interpretação levam em conta a consciência humana no curso dos acontecimentos e tomada de decisões. A diferença é que, no Cristianismo, atos transgressores são sempre vistos como amorais, e não como parte fundamental da existência.

Para os seguidores do Budismo, essa filosofia é pautada na ética encapsulada em uma vida de renúncia do próprio ego (principal causa do sofrimento).

Quando Deus dissolve o pecado a um erro imoral, rejeita toda realidade pecaminosa sem a qual nos iludimos e, sendo assim, a própria personalidade humana se torna uma ilusão.

Já o Budismo valora o ser humano por sua própria natureza (que por si só possui um aparato moral, a consciência), cabendo então ao homem firmar seu destino à própria vontade.

Qualquer pessoa que ler a Bíblia notará que Deus ordenou incontáveis mortes e aniquilação. E os homens, não foram feitos à sua própria imagem?

No Budismo, o que substitui um Deus (como criação do homem para refletir a si mesmo) é o mestre, no caso, Buda.

O ensinamento de Deus sobre o céu sugere que nossos corpos físicos morrem, mas depois nossas almas ascendem para ficarem com Ele no céu. As pessoas não têm almas individuais, pois o ser individual (ou ego) é apenas uma projeção de caráter ilusório que criamos para nos sentirmos como deuses.

Há quem diga que o Budismo seja uma filosofia egoísta, e em parte é. Mas também há quem diga que o Cristianismo é, como toda religião, uma forma de controle mental.

É infinitamente mais fácil e confortante acreditar em causas comuns do que desafiar a explicação emocional por ordenação lógica. Exatamente por isso o Budismo não pode ser doutrinado, apenas percebido, e talvez seja esse o principal motivo pelo qual o Budismo possa ser rejeitado, e o Cristianismo (como diversas outras religiões), aceito.

Entre vários fatores, há algo em comum entre Budismo e Cristianismo: o sofrimento como sendo o meio para um fim (liberdade, segurança, felicidade, etc). Em discurso feito em 1984, o mestre Dalai Lama disse:

“Todos os seres desejam ser felizes, pois querem evitar a dor e o sofrimento.”

É ótimo saber que, apesar das diferenças óbvias entre seres humanos, a dor e o sofrimento (como a doença e a morte) não geram iniquidade, então a felicidade acaba sendo a única semelhança em termos objetivos.

Buda advertiu fortemente contra a fé cega e incentivou o caminho do questionamento. Ele ressaltou o perigo em formar crenças através de boatos e superstição. Ao invés disso, Buda aconselha a manter uma mente aberta, sempre proposta a investigar experiências de vida personalizadas e ambíguas. Este princípio se aplica às próprias diretrizes de Buda, que são informadas por meio da clareza mental nascida da meditação. Como aprofundamento da existência, a meditação para si mesmo é como uma visão, cabendo ao observador a virtuosidade de obter sua libertação para um mundo que lhe seja pacífico, ou então bem-aventurado. Para essa finalidade, tal viajante no caminho da investigação precisa ser tolerante. Tolerância não significa abraçar toda ideia ou perspectiva, mas sim se comportar sem indignação ante aquilo que não se pode aceitar, mais ainda, significa discordar do que possa ser visto como verdade.

Assim, nessa onda de investigação tolerante, aqui estão alguns dos principais ensinamentos básicos de Buda:

As 4 nobres verdades

O raciocínio de Buda, das causas do sofrimento até o caminho para se conseguir a felicidade, é codificado através das Quatro Nobres Verdades. De acordo com ele:

“A mente é tudo: o que você pensa, você se torna.”

Quem deseja paz ou felicidade deve estar preparado para sofrer. Em última instância, o indivíduo deve compreender que uma coisa é complemento da outra. Dessa maneira, Buda formalizou quatro constantes da vida que, se forem negadas, impedirão o ser humano de prevalecer.

1. Sofrimento

O sofrimento é universal; característica básica da nossa existência. Todos os seres humanos, de uma forma ou outra, estão aflitos com variados tipos de desapontamento, decepção, tristeza, desconforto e ansiedade.

2. Origem do sofrimento

As causas de sofrimento estão nos desejos, apegos e na sede de satisfação dos sentidos, o que aprisiona as pessoas em um vórtex existencial. Os problemas cotidianos podem nos parecer excruciantes, mas a filosofia budista invetera que a real causa dos tormentos está mais profundamente enraizada do que pensamos sobre as nossas preocupações imediatas.

3. Cessação do sofrimento

Pela real possibilidade de libertação do sofrimento vale a pena abdicar (ao menos desapegar) de prazeres, confortos e desejos, considerando que, em determinadas circunstâncias, necessidade e prazer podem ser separados.

4. Caminho que leva à cessação do sofrimento

Para os budistas, é preciso abandonar os extremos da existência, buscando um balanço entre privação e saciação. Para isso, budistas acreditam que o caminho óctuplo (ou caminho do meio) seja o método para amenizar o desejo, superar o ego e enfim eliminar o sofrimento.

O nobre caminho óctuplo 

Consciente acerca do sofrimento no mundo, Buda percebeu que isso se devia em grande parte à doença, velhice e morte, e principalmente ao fato de que faltava às pessoas aquilo de que precisavam. Também reconheceu que todos os prazeres possíveis raramente são satisfatórios e, quando o são, seus efeitos revelam-se transitórios.

Buda considerava a experiência do ascetismo extremo (austeridade e abstinência) igualmente insatisfatória, incapaz de aproximá-lo do entendimento sobre a felicidade pura. Então, ele chegou á conclusão de que devia haver um “caminho do meio” entre autoindulgência e automortificação. Esse caminho do meio ele acreditava levar à iluminação, e por conseguinte ao estado de Nirvana: o objetivo final na Terra que viria da superação do ego por meio do “não-ser”.

Buda descreve o Nirvana como sendo uma transcedência de qualquer experiência sensorial, e por isso costuma ser uma causa tão inviável, e para muitas pessoas, impossível.

Seguindo o raciocínio de Buda (desde a origem até a cessação do sofrimento), chegamos até a roda do Dharma, que simboliza o caminho óctuplo para o Nirvana. Este caminho é determinado por um código de ética composto por oito direcionais:

  • Compreensão correta: aceitar os ensinamentos budistas.
  • Consciência correta: desenvolver o estado de espírito.
  • Ação correta: comportar-se de forma pacífica e harmoniosa, abstendo-se de matar, roubar e cometer excessos.
  • Intenção correta: compromisso para o cultivo de boas atitudes.
  • Modo de vida correto: evitar hábitos destrutivos e maneiras indecorosas.
  • Esforço correto: dedicar-se áquilo que realmente é importante e significativo.
  • Concentração correta: aprimorar o foco mental em direção consciente.
  • Fala correta: comunicar-se sincera e integralmente, evitando linguagem caluniadora, ultrajante, manipuladora ou dissidente.

Para se inveterar pelo caminho óctuplo, Buda se guiava pela metáfora da jangada que atravessa o rio. Segundo ela, toda viagem depende da combinação de certos fatores; determinadas condutas que, se esquecidas ou deixadas para trás, impossibilitarão a chegada ao destino. 

Carma

Carma é traduzido em “ação”. De acordo com a lei do carma, há resultados inevitáveis ​​de nossas ações intencionais.

Dentre elas, há as ações corporais, de fala e mente que levam a danos próprios, alheios ou para o mal de ambos. Tais atos são categorizados no chamado carma negativo ou prejudicial. Estes são motivados pelo desejo, má vontade e ilusão, gerando resultados dolorosos que devem ser evitados.

Há também as ações corporais, de fala e mente que levam a danos próprios, alheios ou para o bem-estar de ambos. Tais atos são categorizados no chamado carma positivo ou saudável. Estes são motivados pela generosidade, compaixão e sabedoria, gerando resultados agradáveis ​​que devem ser explorados.

Muito daquilo que experimentamos agora é consequência de carmas passados, assim como muito do que experimentaremos no futuro é consequência de como estamos agindo.

Um insight valioso que o carma transmite é que, quando ocorrem infortúnios, ao invés de culpar alguém, podemos identificar falhas em nossa própria conduta passada para que assim possamos ser mais prudentes e cautelosos no futuro.

Budistas pensam que o carma também pode determinar onde uma pessoa vai renascer e qual será seu status em sua próxima vida (considerando que na filosofia budista acredita-se em reencarnações, não necessariamente em destino). Nenhum ser, divino ou não, tem o poder de parar as consequências do carma.

Embora o budismo considere a perspectiva de reencarnação, um dos objetivos dessa filosofia é escapar do ciclo de renascimento para que se possa adquirir uma vida mais plena e feliz. Outro objetivo é agregar valor ao presente, pois é perceptível que as pessoas preocupam-se demasiadamente com o passado e o futuro, deixando de aproveitarem o momento em sua completude.

Enfim, o carma na filosofia budista é uma explanação alternativa sobre condicionamento, também servindo como maneira de demonstrar como os seres humanos são limitados. Toda pessoa pode ser e será moldada por suas ações morais, mas o processo da natureza nunca poderá ser violado.


*Com informações da Buddhist Society Of Western Australia e BBC