Nós gostamos da realidade ou do que imaginamos que seja real? Três recentes acontecimentos são bons exemplos para mostrar que, nem sempre, nós gostamos mesmo da realidade. Às vezes, gostamos tanto da fantasia que criamos, que quando descobrimos a verdade, nos decepcionamos.
Destes três, o mais polêmico é do Emerson, jogador e ídolo do Corinthians. Ao postar uma foto no Instagram dando um selinho em um amigo, boa parte da torcida se revoltou. Alguns, inclusive, pediram a saída de Emerson do time.
O segundo exemplo é sobre a ignorância. Mais que falta de informação, a relutância em olhar para os dois lados em uma situação. No caso, a mãe de um vlogueiro o agride incessantemente, pois ele diz estar fumando maconha – segundo a mãe, uma droga que faz com que as pessoas matem e estuprem – quando na realidade está fumando um cigarro enrolado em um papel de caderno.
Para finalizar, um exemplo da ficção. Este talvez seja o caso mais doloroso, já que a falsidade entra em cena. Quem acompanha o seriado Breaking Bad e não assistiu até o décimo episódio da última temporada, sugiro que não leia este trecho. A não ser que não se importe com spoilers.
1. Gay no meu time, não!
Emerson Sheik é ídolo do Corinthians. Com dois gols na final da Libertadores de 2012 sepultou de vez todas as piadas de que corinthianos nunca tinham vencido o torneio, ao contrário de seus três grandes rivais paulistas. Não só por uma partida, é um dos grandes símbolos dessa era vitoriosa do time. É um protagonista.
A torcida do Corinthians ama Emerson Sheik. Até que, certo dia, ele posta em seu perfil do Instagram, uma foto dando um selinho em um amigo. “Puto. Viadão. Mordedor de Fronha. Vai pro São Paulo. Aqui não é bambi. Marica. Respeita nosso time. Peça desculpas”. Blá, blá, blá. De ídolo a vilão em poucas horas.
Estes torcedores não gostavam do jogador. Gostavam de uma fantasia criada por eles próprios, mas não da verdadeira pessoa. E é por isso que nós não gostamos de gente, mas de como imaginamos que elas são.

2. A teimosia limitadora
Rafael resolveu trollar a mãe. Ele tem este canal no youtube e decidiu fazer mais um destes inúmeros vídeos em que você sacaneia alguém sem a pessoa estar ciente do que está acontecendo. Para algumas pessoas não basta fazer uma brincadeira para ver a reação da mãe. É preciso filmar e colocar na internet.
A mãe de Rafael foi chamada para que o filho mostrasse uma página na internet para ela. Rafael começou a falar que aquilo tudo era maconha e que maconha não fazia mal. Segundos depois, acendeu um cigarro enrolado em uma folha de caderno, alegando que era maconha. A mãe, fumante de tabaco, apavorou-se e começou a estapear o filho, xingando-o, tratando-o como um marginal, pois ele estava fumando maconha mesmo sem estar fumando maconha. Os tapas continuaram até mesmo após Rafael dizer que era brincadeira e que o cigarro era de mentira. A própria mãe chama Rafael de filho da puta em um momento, de tão transtornada que estava. Épico.
Esta mulher não sabe com o que está brigando. Não faz ideia do que seja a maconha, mas só de pensar que o filho pudesse estar fumando um baseado teve uma reação histérica. A cabeça da mãe de Rafael já estava feita. Não é sobre ser favorável à maconha, mas ser ao menos razoável e saber que “estuprar e assassinar” não são verbos que condizem com a realidade de quem faz o uso da planta. E é por isso que nem sempre nós gostamos dos fatos, mas de nossas próprias e teimosas convicções.
http://youtu.be/-UWMGe7nc7M
3. Do amor ao ódio
Em Breaking Bad, Walter White constrói uma montanha de dólares fabricando metanfetamina. Desesperado e com câncer terminal, no começo da série não aceitava a ideia de utilizar o dinheiro reservado ao futuro de seu filho para o tratamento da doença. Era inconcebível acabar com o futuro do filho para prorrogar o próprio por poucos meses. Mas Walter White não queria morrer, por isso começou a trabalhar no submundo para poder custear os estratosféricos custos do sistema de saúde norte-americano.
Hank é casado com Marie, que é irmã de Skyler, a mulher de Walter. Hank é, portanto, cunhado de Walter. Trabalha no DEA e passa o seriado inteiro em busca do maior fabricante de metanfetamina dos Estados Unidos, um tal de Heisenberg. Hank mal imagina que Heisenberg é Walter, mas um dia ele descobre. Fica furioso. Marie também fica furiosa com Skyler, a esposa cúmplice. Uma família unida e feliz agora está em pé de guerra.
No final das contas, Hank descobre que não gosta do verdadeiro Walter, mas do Walter que ele imaginou que fosse. Essa é a mesma reação de Marie em relação à Skyler. A próxima meta de Hank agora é colocar na prisão a família que ele amava há pouco tempo. A falsidade é dolorosa para todo ser humano, mas fica evidente que Hank e Marie amam mais a legislação do país do que a própria família. E é por isso que nós não gostamos de gente, mas de como imaginamos que elas são.

É mais saudável para a mente deixar o Emerson, o Rafael e o Walter White em paz. A vida é boa demais para perdermos tempo cuidando de outra. Se às vezes pessoas nos mentem, em outros momentos somos nós mesmos que nos enganamos. E nesse caso a culpa não é da outra pessoa, é nossa.
Em tempo, se você faz parte do seleto grupo que aceita o outro como o outro é, parabéns, este texto não foi escrito para você.
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