Olar, pessoal. Me chamo Clarissa Moreira Jurumenha. Tenho 22 anos de idade (até agora, que eu saiba) e sou uma brasileira meio maluca que largou a vida toda e veio chamar Montréal de casa. Intercâmbios são coisas cheias de altos e baixos e definitivamente a ideia de “começar do zero” é a coisa mais encantadora que se possa imaginar – pelo menos para mim.
Quando fui convidada a escrever sobre minhas experiências como intercambista, passei meses (meses, sem exagero, eu juro) pensando em como eu começaria essa loucura. Comentei com o Flaubi Farias, editor do La Parola, “meu intercâmbio tem sido cheio de desastres. Devo eu ser a pessoa a contar pr’o mundo que nem tudo são flores?”, ele me disse que eu poderia ser sincera e aqui vou eu, então, tentar começar a escrever sobre como morar fora é a coisa mais bonita e mais horrorosa que se possa imaginar.
Veja bem, meus caros. Esta que vos escreve estava a um ano de terminar sua tão sonhada faculdade. Tinha o emprego dos sonhos como assessora de imprensa em um escritório em que a chefe e os funcionários a faziam rir durante todo o expediente.Tinha carro, ia pro bar todos os dias encontrar os amigos, beber uma cerveja barata e ter mais boas histórias pra contar. Tinha um não-namorado, que era o companheiro de aventuras e somou mais e mais histórias pra contar. Tinha um lado família em que a tradição de sábado à noite era comprar vários vinhos, queijos, convidar amigos e passar a noite no pergolado ouvindo Maria Bethânia e jogando conversa fora. Outro lado da família, mamãe que fazia feijão tropeiro e banana frita toda vez que eu ia visitá-la. Minha maior preocupação era a roupa pra balada de final de semana, se eu ia ter dinheiro pra cerveja, pro vinho de sábado ou pros ingressos pros vários festivais e shows que agora acontecem no Brasil. Ainda tenho tudo isso – acho. Pausei a vida e segui o que o calor do meu coração me pedia: vai morar no Canadá.
Decidi que queria morar em Montréal quando tinha 13 anos. E, pra ser sincera, me apaixonei pela cidade por que era fã de Simple Plan na adolescência e eles são daqui – juro, não ri. Cresci, atingi boa parte das minhas expectativas e sonhos pra vida, menos a de morar no Canadá. Apesar de dormir feliz quase todos os dias por ter uma vida extremamente agradável (cheia de altos e baixos também, é claro, nem tudo são flores nunca) a foto de Montréal grudada no mural da minha parede me causava uma inquietude sem limites. Dessas que te fazem chorar e reclamar de tudo e ter certeza de que começar do zero não é fácil, mas que é disso que se precisa. Pois muito bem, causei tanto por tantos anos insistindo nesta ideia que cá estou, quase a completar cinco meses de aniversário da minha “nova vida”.
A aventura toda começou a caminho de Winnipeg, uma cidadezinha na província de Monitoba, no Canadá, dia 24 de junho de 2014. Antes de aterrissar em Winnie, pousei em New York por 9 horas de conexão. Uma das minhas grandes paixões – se não a maior delas – é o Pop Art. E, claro, Andy Warhol. O Museu de Arte Moderna de NY, MoMA, tem uma parte que abriga uma exposição fixa do Warhol e de outros artistas que marcaram a história do Pop Art, como o meu outro amado, Roy Lichtenstein. Decidi que queria passar minhas 9 horas de NY dentro do MoMA. Sempre fui meio perdida e meu senso de direção é uma piada. Juro. Sentei no JFK, comprei um café e fiquei por pelo menos 30 minutos refletindo se era realmente uma boa ideia largar o aeroporto – de metrô, é claro – e sair andando por NY. A probabilidade de me perder era gigantesca! E o que eu ia fazer se ficasse perdida? Existe sempre a opção de pegar um táxi e voltar para o aeroporto, mas economizar dinheiros quando se faz um intercâmbio é a coisa que mais ronda sua cabeça. Perdi o medo. Eram 9 horas, o que eu ainda estava pensando? Depois de quase 10 horas de voo, descabelada, 6h da manhã em NY, morrendo de sono e com a cara inchada de chorar dentro do avião depois de ler e reler a carta da minha melhor amiga, saí andando completamente sem direção.
O JFK é gigantesco. Dentro do aeroporto existe o “Federal Circle”, que é um metrô que gira, literalmente, em círculos dentro do aeroporto. São 9 paradas, divididas por companhias aéreas, e uma parada que te leva pra um outro terminal de acesso à linha de metrô em NY – já fora do aeroporto. Depois de rondar em círculos algumas vezes, peguei o metrô para fora do terminal e parei numa outra estação, de Long Island. Nada fazia sentido. Meu inglês, que eu nem fazia ideia de que funcionava, foi todo construído assistindo a Friends e How I Met Your Mother com legendas em inglês ou traduzindo músicas. Minha gramática veio de tentar ajudar meus irmãos nos deveres de casa da escola. E o medo de falar inglês em NY? Sim, as pessoas são bem menos queridas do que se vê nos seriados.
Pedi informação, desci um elevador (ainda não acho sentido nenhum em ter de pegar elevador na estação de metrô com aquela quantidade infinita de pessoas indo na mesma direção), peguei outro metrô e parei na estação da Rua 53 com a 5ª Avenida. Desci e saí procurando igual a uma louca por wifi. Meu primeiro pensamento foi: “ué, em primeiro mundo não tem free wifi em todas as esquinas?”, não, inocente. Claro que não! Mas tem Starbucks em todas as esquinas, então tá tudo sob (a.k.a sem) controle. Andando sem rumo, parei e perguntei pra um senhor, gaguejando de medo desse meu inglês – até então – piada.
– Oi, será que você pode me ajudar? Estou procurando o MoMA.
– O quê?
– O MoMA.
Sem muita paciência, ele apontou pra frente e ali vi a placa gigantesca do MoMA. Respondi, tentando usar um tom de piada:
– Sou míope, não consegui ver nem essa placa enorme? Que burra! Obrigada.
E saí. Não sou míope e ele não achou muito engraçado, mas tá tudo bem, eu já estava na rua certa. Avanço. Claro que estava fechado! Eram 7h da manhã e nem gente na rua tinha direito. Sai andando sem rumo. Completamente sem rumo, mas absolutamente encantada. Caí numa rua extensa, muita loja, muita luz, muita gente, muito yellow cab, me veio o famoso dejà vu: já estive aqui antes, mas como? Era a Times Square brilhando 7h da manhã na minha cara. Quase chorei. Como assim, gente?
Caminhei por mais algumas horas. Completamente desnorteada. Achei uma wifi e ali fiquei sentada avisando minha família que “calma, pessoal, tô viva, tô andando em NY”. Meus pais surtaram um pouco, por que né, os pais são as pessoas que mais surtam quando você esta longe, por mais que você nem more com eles antes de viajar.
Andei por mais algumas horas, voltei pro MoMA. Consegui achar a exposição que eu queria, depois de me perder entre os tantos corredores e tantas diferentes exposições daquele lugar. E chorei. Chorei quando andando perdida, encontrei o Drowing Girl (1963 – Roy Lichtenstein) na minha frente, depois de anos de espera e sonhando em como seria esse encontro.
Em seguida, adentrei o corredor que dava acesso à Marilyn Monroe e às tantas Campbells do Warhol. Chorei mais um pouco. O segurança veio me perguntar se estava tudo bem. E estava. Começa aqui o sonho mais maluco em que eu deito a cabeça todos os dias no meu travesseiro agradecendo por viver outro dia dele.
Montréal da Realização: A jornada de sorte e azar de uma quase jornalista, quase publicitária, quase fashionista mas muito apaixonada por viver novas experiências, que largou tudo e foi chamar o Canadá de casa. Leia mais aqui.