Às quinze horas de um dia quente, em algum lugar do planeta, um ônibus velho para próximo a um rapaz. A poeira levantada pelo automóvel faz Pedro entrar quase correndo no ônibus que estava esperando há duas horas. Ele sobe a escadaria, sua vista ainda embaçada por causa da luminosidade e da sujeira que estava do lado de fora vai se acostumado ao novo ambiente. Aparentemente, todas as poltronas estão ocupadas por pessoas desinteressantes num lugar desconcertante. No entanto, o motorista gordo, suado e com um par de óculos escuros no rosto, que mais o faz parecer o besouro de Kafka, solta um berro afirmando ao jovem que no final do corredor ainda há uma vaga. – Devo mesmo me sentar naquele lugar? – Reflete. Pois suas últimas experiências nos assentos dos fundos de ônibus não foram muito boas – Contudo, lembra que terá de fazer uma viagem que vai durar horas, logo segue para o local indicado.
Ao aproximar-se da poltrona, o rapaz levanta a cabeça devagar e percebe que do lado da janela há uma moça sentada olhando para o lado em que o sol penetra e ilumina suas retinas. Uma garota bela de corpo atlético, cabelos cacheados, escuros e seios bem arredondados. Suas coxas de tão grossas topavam uma na outra e formavam um triângulo. Uma mulher do tipo que nenhum homem solteiro recusaria. Pedro senta. Fica admirado com a própria percepção, pois os milésimos de segundos que olhara para a companheira de viagem fora suficiente para fotografá-la mentalmente ao ponto de saber descrevê-la a qualquer retrato falado.
Meia hora após a partida, Pedro cansa seu braço esquerdo, pois ainda não o tinha apoiado até o momento. Então, resolve colocá-lo no encosto onde o braço da bela jovem se encontra. Com isso, sem querer, o seu membro toca ao da garota. Já era tarde, não poderia mais tirar, por que ela poderia achar que ele estaria com medo. Sua pele permanece a tocá-la. O rapaz pensa: “será que ela está sentindo o meu braço gélido enroscando ao dela?”. O atrito entre os dois segue por mais uma hora. Neste momento o cheiro do perfume que estava no braço da moça já tinha passado todo para o de Pedro. Ele olha algumas vezes de soslaio para a menina, pensa em dizer algo, mas nada que possa interessar a moça vem à sua mente. Imagina se aquela garota séria daria alguma chance de conversa para ele. O medo grita em sua mente e não o deixa expor o que sente. Então, passam-se as horas, e à proporção que Pedro vai ganhando fôlego para falar com a jovem, também vai aumentando seus batimentos cardíacos. Proporcionalmente, sem o jovem saber, o destino vai colocando um ponto final em sua angústia, pois chega ao ponto onde a garota deve ficar.
A jovem passa por ele e sua última chance some naquele momento em que ela, já do lado de fora, atravessa a avenida, vira-se, olha pela mesma janela em que outrora se encontrava. Lá coloca seus óculos escuros; a brisa, como ironia do destino, bate em seu corpo, os cabelos esvoaçam para um lado, e sua blusa mostra a silhueta venerável de parte do seu tronco. Contudo, o ônibus segue para o lado oposto e a última coisa que o rapaz observa é a jovem dando tchau para ele e fazendo um gesto de decepcionada.
Após o episódio narrado, todos os dias ao fazer o mesmo percurso, Pedro se lembra do acontecimento que não aconteceu e que poderia ter acontecido, pois a garota mostrou-se interessada por Pedro. No entanto, nunca mais o rapaz encontrou a garota de suas insônias.