Retorno mais uma vez ao assunto da vida, na qual só temos uma única certeza: morrer. O texto se chama “da inevitabilidade da morte” mas poderia muito bem ser marcado pelo dia em que todos os brasileiros sentiram muito.

Eduardo Campos dava entrevista ao Jornal Nacional na noite anterior, 12 de agosto. Preparava-se para as eleições, era um candidato que carregava consigo algum legado e juntamente com suas ideologias, uma ruma de eleitores. Mostrou-se contente com o resultado da entrevista e com o desenrolar da mesma. Mas hoje a notícia não foi de grande contentamento.

O candidato à presidência faleceu. Juntamente com outras seis pessoas, Eduardo Campos saiu das notícias aclamadas pelas eleições, para ganhar repercussão por uma morte súbita. Não é sobre a sua carreira ou vida pessoal que venho falar, é sobre o choque de ter uma pessoa, numa noite, ao vivo em rede nacional, completamente saudável e estruturada, e na outra ouvir notícias sobre o seu velório. Da inevitabilidade da morte o que fica é o choque.

Centenas de pessoas morrem em nosso país todos os dias e não nos afeta com essa dimensão. A iconografia do candidato sugere uma maior representatividade, não há dúvidas. Assim como o fotógrafo Alexandre Severo também causou comoções. Mas é a morte o assunto desse texto. É do quanto a gente não se prepara para essa situação e do quanto somos surpreendidos com notícias escandalosas como essa. Esse texto é sobre acordar com a tragédia de um avião e dormir com a morte de um ícone do Nordeste e do Brasil. Da inevitabilidade da morte o que fica é o lamento.

O texto não é sobre hoje. Ele começa de quando nascemos e a partir do momento que pautamos nossa vida no ontem. Esquecemos-nos do quanto é necessário aproveitar o exato segundo daquele momento decisivo entre o que passou e o que ainda virá. A gente não lembra que amanhã poderemos não estar aqui ou que uma tragédia como a de hoje poderá muito bem acontecer e mudar as nossas vidas, mudar os nossos planos, os nossos rumos, as nossas obrigações – não que precisamente essa tenha causado todas essas questões. Da inevitabilidade da morte o que fica é a reflexão.

O assunto não é sobre a vida de Campos, do seu legado, da sua história, das suas realizações. É do quanto isso se fez forte com o susto e posterior desalento que sua morte causou para os brasileiros. É sobre o que devemos fazer enquanto ainda respiramos, o que a gente deve deixar, o que devemos construir, marcar. É sobre o que fica na vida das pessoas depois que o nosso coração deixa de bater. Da inevitabilidade da morte o que fica são as lembranças.

Não trato das viralidades nas redes sociais ou do quanto as pessoas ainda se mostram desumanas diante a morte de qualquer pessoa. É sobre a percepção lógica de “dor” quando um acidente tão trágico acontece. É sobre compaixão e solidariedade com as famílias. Não é apenas sobre amar ao próximo. É, sobretudo, respeitá-lo. É sobre cair na real de que aquele laço poderia ser seu, de que aquela dor poderia ser sua, aquele aperto no coração poderia ser o teu incômodo. É se colocar no lugar do outro e ter a consciência sã de que você não queria aquela situação para si. É participar do impacto mesmo com silêncio. Se em você não há lembranças marcadas pelo luto, não significa que essas memórias não existam. Da inevitabilidade da morte o que fica é o respeito.

Esse texto nasceu a partir da concretização da ideia inevitável que é a morte. Essas notícias trágicas que 2014 tem nos trazido comprovam que nunca estaremos preparados para esse tipo de ilustração cômica da vida real. É que viver, de fato, já é um pouco do morrer. Mas andamos tão preocupados com o nosso mundo que acabamos esquecendo que eles mesmos também morrem. E subitamente, se for o caso. Pediríamos respeito, silêncio e compaixão se pudéssemos ver de perto a dor da nossa morte. Afinal, tudo que ela pede, não importa quem for, é respeito. Da inevitabilidade da morte o que ainda fica é o amor.