Isso não é um artigo acadêmico. Ainda bem! É muito mais perigoso e útil. Trata-se um hipertexto não classificado (desprezado) por instituições governamentais de ensino. Por isso não tente encontrar as gírias típicas daquela linguagem criptografada que pesquisadores gostam de usar para tornar o texto esotérico. Essas palavras sequer vão constar naquele Super Trunfo acadêmico popular aqui no Brasil conhecido como Currículo Lattes.  Não… eu acredito que El Barto estava certo e que todos, nem que seja bem lá no fundo, concordamos com ele. Foi dele a profecia parafraseada de Nietzsche: o deus iluminista (a educação institucionalizada universal) está morto! Me entende? Educação é diferente (e muito maior) que sua versão institucionalizada nascida entre as engrenagens da indústria, isso fica claro hoje em uma época de onipresença da informação. Sim, Foucault falou muito disso, escolas são fábricas homogenizadoras que cospem mão de obra por lotes categorizados em idade e grau de produtividade. No senso comum atual a educação não passa de um jogo cujo o objetivo é simplesmente econômico e político.  Confessa, nenhuma novidade até aqui, certo?

Na verdade nada contra os jogos, bem ao contrário, sou game maníaco e praticamente todas as nossas atividades conscientes (e inconscientes) são lúdicas. Se analisamos um pouco mais a fundo percebemos que Wittgenstein “manjava das putarias” quando teve a grande sacada de afirmar que a linguagem é também um jogo. Existem regras, jogadores, objetivos etc. Não há nada de problemático nisso, a merda toda está em, no caso do sistema educativo, assumir o papel do jogador como algo real. Identificar-se demasiadamente com a máscara e esquecer que se trata de uma convenção mutável para o bem comum dos jogadores. Ou, como diria sua mãe: “é só um jogo, não briguem!”. Veja o presidente do Uruguai, aquela figura incrível do José Mujica, ele sabe jogar muito bem esse jogo difícil de ser presidente. Tanto sabe que é inteligente o suficiente para se dar conta do que se trata o jogo, de que existe um papel a ser cumprido, ou seja, coordenar o funcionamento de um país e o bem-estar de uma população, mas que ele (enquanto homem, apenas mais um uruguaio) não é o jogo e que o próprio sistema só tem sentido se cumprir seu papel coletivo. Já os mestres, doutores e similares que ocupam cargos de prestígio dentro do jogo (players com um level maior) não sabem brincar e, com isso, acabam por estragar o jogo.

jose-pepe-mujica-uruguay

Bom, a própria linguagem é um jogo, certo? Linguagem muda constantemente. Esse texto por exemplo, seria ilegível para alguém do século XVIII. Cheio de palavras consideradas de “baixo calão” e referências que nenhum professor das antigas aprovaria (incluindo aqui referências de hipertexto). Esse tipo de mudança ocorre em todo o sistema conceitual, inclusive sistemas vivos. O que ocorre com os sistemas estáticos? Se desfazem! É isso que se vê na educação institucionalizada de hoje em seu modelo fabril. Uma ótima referência é o documentário colaborativo argentino “La Educación Prohibida” trata muito bem desse assunto. Desenvolvido por uma rede de escolas latino-americanas, o documentário aborda diretamente os problemas que enfrentamos enquanto colônia por perpetuar a cópia cega dos modelos europeus e norte-americanos de educação. Passados mais de 30 anos não estamos muito longe da visão “floydiana” cantada e representada no álbum The Wall pois, se pensarmos bem, apenas universalizamos a opressão. E quando os ditos alunos, expostos à um ambiente onde ser culto é ser feio, se dão conta da hipocrisia respondem como qualquer animal frente aquilo que não conhecem… com medo e violência! Um bom exemplo disso é o que ocorreu recentemente em Passo Fundo (RS), onde alunos depredaram toda uma sala de aula, fato qualificado pelo secretário de educação do município como apenas “normal”. Oooo wait! Normal?!

http://youtu.be/n9KeDTMEYSE

“Existe algo de errado em lutar pela educação?” poderia ser a primeira pergunta. Certamente que não! O ideal iluminista é completamente válido em sua essência. Porém não sejamos ingênuos, sistemas educativos podem ser neutros na teoria, mas historicamente todos serviram de base para dominação social, política e econômica. Quem sabe a segunda questão complementaria “então no que devemos acreditar?” bem, sendo sincero, em nada! Educação não deve ter conteúdo, ela é uma habilidade no uso dos diversos  jogos de linguagem (profissionais, psicológicos, sociais etc…). Um conselho, e apenas isso, recomendo o livro do francês maluco  Jacques Ranciere chamado “O Mestre Ignorante” que fala sobre a igualdade das inteligências e a emancipação plena homem através da possibilidade de se aprender tudo por meio da vontade sem a necessidade de “mestres explicadores”.  O grande problema é justamente, volto a repetir, o conjunto de regras ultrapassadas em que se baseiam os sistemas institucionalizados. Pessoas como Paulo Freire e Bunker Roy, fundador do “Barefoot College“, tentam até hoje abalar as estruturas do edifício acadêmico, mas acho que o buraco é mais pra baixo. Existem muitas coisas faltantes na escola (literalmente “local do ócio” para os gregos), por exemplo, no filme “O substituto” estrelado por Adrien Brody (O pianista e Viagem a Darjeeling) é abordado um dos principais problemas do jogo educativo: a transferência total de responsabilidade na educação das crianças para a fábrica de mão de obra que se convencionou chamar escola. No filme, que retrata o dia a dia de um professor substituto em uma escola pública estadunidense, em apenas uma cena temos algum membro da comunidade (pais, tios, vizinhos, avós etc.) é retratado e ainda na figura de uma mãe dando um esporro em todos os professores por maltratarem sua “pobre filhinha”. Henry Barthes, o professor, dá um discurso que resume a postura que assumimos perante a escola na palavra inglesa “doublethinking” expressão que quer dizer acreditar deliberadamente em algo que sabemos ser uma mentira.

Outro francês maluco que sabia das coisas (assim como El Barto) foi Pierre Bourdieu, formulador do conceito de “capital cultural”. Ele afirmava que a cultura é como um capital e pode se transformar em um instrumento de dominação através da imposição cultural. Fato esse refletido em coisas aparentemente inquestionáveis como os títulos acadêmicos, uma reminiscência feudal relativa aos títulos de nobreza. Em resumo, ser mestre ou doutor é o mesmo que ser duque ou conde.

Será que já dá pra entender o quanto o sistema é ultrapassado? Os efeitos devastadores das mera cópia desse modelo sobre comunidades tradicionais são mostrados de maneira clara no documentário “Escolarizando o Mundo” um contraponto à bandeira progressista da escolarização universal como único meio de educar. É óbvio que existem muito mais exemplos positivos que negativos nesse quesito, mas todos sabemos que o modelo não se aplica mais. Sequer estou falando de ensino à distância, esse arremedo de escola, convoco demônios novos! Existe toda uma geração que está consumindo muito mais informação através da internet em um mês do que em todo o ano escolar convencional, como não mudar? Se pegamos como exemplo a nova leva de sites que oferecem cursos de curta duração gratuitos como o Coursera ou Skillshare, programas de debates do tipo TED ou RSA, ou ainda uma central de informações como o Open Culture (pra citar os mais comuns), é desproporcional a qualidade do conteúdo e a diversidade de informações disponíveis – sim, você deve aprender inglês, nem precisa pagar por isso na internet, como não fez isso ainda?! –  com relação a qualquer formação tradicional. Isso me lembra o artigo do meu amigo Guilherme Serrano  “Não aprendi nada na faculdade” que faz a comparação clássica “escola x vida real” na profissão de um designer.

Existe um lapso muito grande entre o que ocorre na vida prática (e não estou falando de blablabla mercadológico), as aspirações humanas e o que é oferecido no ensino básico, médio e superior. A frustração varia de acordo com a região onde você está, mas dá na mesma para a grande maioria da população. Então, como levar a escola a sério se ela ainda acredita em fábulas medievais de títulos acadêmicos e na mera transmissão de informações? Como esperar milagres de professoras mal pagas e sem capacitação para lidar com essa realidade? Olha, como falamos antes, a escola deveria focar-se em uma “economia da informação”, em outros termos, fornecer ferramentas para lidarmos com essa quantidade enorme de informação com a qual somos bombardeados diariamente. Não repassar conteúdos como as enfadonhas aulas de história, geografia ou português, mas ensinar método de pesquisa e assimilação do conteúdo. Além disso deveria conseguir superar suas próprias paredes e abandonar gradativamente seu sistema original de cargos e patentes. Outro fator essencial é o ensino de formas de trabalho colaborativo em oposição ao ideal competitivista do capitalismo corporativo (uma ótima leitura aqui seria o artigo do Eduardo Pinheiro para o PdH). Diminuir a importância da escola institucionalizada e passar a valorizar mais experiências educativas compartilhadas e informais, educação é onipresente. Por isso sigam o exemplo que deixou El Barto: destruam as paredes da escola antes que ela caia em suas cabeças!

el barto skinner bart simpson

No final, já é tarde da noite enquanto escrevo, peço que por favor entendam, não nego a validade de todas as pedagogias imagináveis, teorias e políticas educativas, somente questiono aqui as regras do jogo educativo e lanço um cordão de referências para a reflexão. Essa é a grandeza do hipertexto, enquanto a academia segue exigindo publicações científicas em forma de artigos, privilegiando revistas impressas de circulação restrita e política mafiosa, além de sobrecarregar professores de trabalho inútil, a internet possibilita uma maneira de leitura não linear que dita a forma que devem tomar as novas regras dessa brincadeira. Na verdade não existe um remédio único para a educação, afinal é sempre um processo em construção, uma doença incurável. Da mesma maneira acredito que o tratamento seja similar ao de qualquer doença crônica ou mesmo da AIDS: administrar diariamente um conjunto de medicamentos possíveis de maneira simultânea. Isso inclui sim a escola convencional, porém com uma importância menor frente à outros fatores presentes na existência e, principalmente, no diálogo direto proporcionado pelas tecnologias da informação. Foi isso que pensei quando deixei de ser professor e resolvi viajar o mundo, aí me dei conta daquela profecia feita por El Barto nos seus episódios de vinte minutos. Vai por mim, deixei a universidade pelo bem da educação, desde lá tenho aprendido realmente.

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